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Cultura

ONDE CABE O PASSADO EM “VELOCIDADE DE ESCAPE”?

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“Honestly, mum, I could just cry with happiness – I love this place so, and there is so much to do creatively (…). The world is splitting open at my feet like a ripe juicy watermelon.” 

Estas palavras pertencem a Sylvia Plath, autora que dispensa apresentações e que ao mesmo tempo é merecedora de todos os elogios entusiásticos sobre ela feitos.

Conhecedores da sua obra sabem que, embora a depressão com que se debateu durante grande parte da sua vida o tente contrariar, Plath várias vezes manifestou através das suas palavras um desejo ardente de se agarrar a cada momento, tragicamente efémero mas belo, e viver intensamente – várias das famosas cartas que escreveu à sua mãe comprovam-no.

Tinha receio, no entanto, de não ser capaz de o fazer; preocupava-se que a complexidade do cérebro humano e o acúmulo volátil de memórias medonhas se voltassem contra si numa cruel reviravolta do destino.

“The hardest thing, I think, is to live richly in the present, without letting it be tainted and spoiled out of fear for the future or regret for a badly managed past.” 

Esta frase de Plath resume o seu dilema de forma lúcida, e bem que podia ter servido como um mote para o trabalho que a companhia de teatro Visões Úteis tem vindo a desenvolver desde o passado mês de novembro e que encontra em Velocidade de Escape o seu segundo capítulo. Mas é preciso recuar até Teoria 5S, o plantar da semente nesta história, para que se tornem mais claras as problemáticas aqui analisadas.

O projecto nasceu do questionamento acerca do que se devia fazer com o vasto arquivo do Visões Úteis, e foi na relatividade do tempo que baseou a sua premissa. As nossas memórias são fundamentais a partir do momento em que nos permitem aceder vezes sem conta a momentos que guardamos em nós com carinho, ou na medida em que validam anos de trabalho dedicado e sacrifícios penosos… ou não? Serão elas menos importantes do que pensamos?

ra, é inquestionável que elas fazem parte do passado, e esse é inalterável; não nos é possível influenciá-lo ou ter nele um papel ativo. O que fazer, então, quanto a ele? E como conseguir aproveitar o presente – ou, sequer, projectar o futuro – enquanto não for encontrada uma boa solução para o mesmo?

Velocidade de Escape também parte dessa reflexão e coloca os seus espectadores num espaço-tempo em que, à primeira vista, tais suscitações já terão sido eficientemente solucionadas; aqui, “viver o presente”, esse objectivo tão desejável, já será mais fácil de levar a cabo.

Afinal de contas, a sua personagem central parece beber da serenidade que o local vazio onde está desperta sem grandes problemas, e mostra-se como que liberto das complicações e confusões de uma vida por “arrumar”. Mas cedo se percebe que ele tem dificuldade em se libertar de algo que há muito tempo o atormenta, e somos convidados a acompanhar as suas deliberações à medida que ele tenta, com os seus convidados – com quem queria passar nada mais que “um tempo agradável” -, decidir que atitude tomar.

Não passará este mundo minimalista, no qual o passado perdeu importância, de uma profunda e desoladora descaracterização da vida? Será a ansiedade provocada por este universo, que se quer despreocupado com lembranças de realidades que não regressarão, tão sufocante e destruidora quanto o apego desmedido às mesmas?

São estas algumas das questões que os co-criadores desta peça lançam ao seu público. Esquecer de vez determinadas vivências pode parecer apetitoso pela leveza de espírito que permite antecipar…, mas quão horripilante é isso mesmo? Até que ponto isso não nos afasta da nossa condição humana? Quem é, afinal, o ser humano sem a sua memória?

A peça estreou esta sexta-feira, pelas 21h, e conta com uma sessão hoje (domingo), pelas 16h, no Teatro Carlos Alberto.

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