Cultura

MUNDO SEGUNDO, O REGRESSO DO ANCIÃO

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A catedral do Hip Hop sediada na Invicta, o Hard Club, estava prestes a receber Mundo Segundo para a apresentação do seu novo disco.

Num corredor estreito, revestido de azulejos cor de vinho de um lado e de placa cinzento-escura do outro, algumas pessoas esperam pela abertura de portas. Falta pouco menos de uma hora, são 22h40, e, por isso, ainda não está muita gente.

À medida que os minutos vão passando, a fila vai crescendo e, quando se abrem as portas, as mais de 100 pessoas já se fazem sentir.

Caminha-se para a entrada na sala 1, por ordem de chegada. Rapidamente se chega perto dos seguranças, mas, antes, muita gente decide ir comprar algum merchandising. Vários CDs dos Dealema, o CD do Simple, que actuará esta noite, o recente CD de Mundo Segundo ou t-shirts do mesmo são o material à escolha. Finalmente se chega perto dos dois seguranças. Abrem carteiras e passam revista, num serviço muito rigoroso. Entra-se na sala.

Um aglomerado de jovens já está “colado” ao palco, os restantes estão dispersos pela sala ou pedem bebidas num dos dois bares existentes. Olha-se em volta: aqui tudo é jovem. Mas, um senhor destaca-se. Jorge Soares veio ver o concerto do rapper que conhece “há 15 dias”. Com ele, veio o filho, que “é mais ajuizado”. André segue Mundo Segundo “há muito tempo” e acha que o concerto “vai ser brutal!”. Leonardo concorda!

Perto das doze badaladas, o DJ Suprhyme sobe ao palco. O público ainda está esmorecido, mas, entre bebida e fumo, vai movendo o corpo ao som da música.

Às 24h40, Paulo Pinto, um dos organizadores da Vicious Events, sobe ao palco. Agradece a presença de todos, numa noite em que se celebra os 20 anos de carreira de um dos MCs mais reconhecidos a nível nacional. A Vicious Events de Junho é também referida. “Temos Alcool Club, Grognation e Quartel 469”. “Fixe”, dizem duas raparigas enquanto batem com a palma da mão uma na outra, o célebre “Dá cá mais cinco!”. O último nome vai ser anunciado no final do concerto.

Mas, rapidamente, o tema volta a ser a noite de hoje. É tempo de apresentar o primeiro convidado.

Sacik, a representar o rap algarvio!

Sacik entra de forma eufórica num palco que assume gostar de pisar, mas não vem sozinho. O seu DJ e um membro do “pack” também o acompanham.

As suas músicas são ritmadas, com beats fortes que forçam o movimento do corpo. Este ritmo pede para “abanar o capacete”. A segunda música, Street Hop, leva o público ao rubro, com saltos que parecem vindos de um trampolim. E assim, música após música, Sacik conquista um público que já não precisava de conquistar. Mas, o rapper insiste em perceber qual a sensação do público, tornando recorrente a pergunta “ People ‘tão a sentir?”.

Ele canta sobre a vida dura, sobre a ilegalidade que existe nas ruas, sobre as dificuldades. Temas com que o público imediatamente se identifica, gritando “yeahhhs” e saltando de um lado para o outro.

“Mais uma?” pergunta. Esta é para quem tem familiares ou amigos na prisão, mas quem não tem também sente, explica Sacik. Agora já não há “yeahhhs” ou saltos, apenas a voz dele e do seu amigo, num momento emotivo.

A última música chega e o rapper deixa ao cargo do público a escolha da mesma. Dois rapazes cantam freneticamente, como se estivessem em palco.

É quase uma da manhã quando a actuação chega ao fim. Sacik agradece a quem está presente e sai do palco, mas não sem antes atirar garrafas de água para o público, um hábito recorrente.

Simple, o regresso ao país

Paulo Pinto ressurge para apresentar a última actuação antes da chegada do Ancião. O público faz barulho. “Já vi que não é preciso pedir barulho para o Simple”, diz.

Simple, tal como Sacik, não veio sozinho. Vindo directamente de Londres, traz consigo Cálculo e o DJ de serviço. O rapper não apresenta semelhanças físicas para o compararem ao Eminem, mas a sua rapidez vocal, que é visível logo na primeira música, podem-lhe valer tais comparações.

Na segunda música, aparece mais um convidado, este muito peculiar. Um “lobo” junta-se a eles, andando de um lado para o outro. No fim, a personagem mostra os seus dotes na arte do bboying e percebe-se que é um jovem rapaz que assume o papel de “lobo”. Este momento divertiu o público que, embora estivesse a vibrar com toda a actuação, esperava Mundo Segundo.

Os versos pairam no ar, como autênticas lições de moral escritas pelo fumo dos cigarros.

Chegada a sétima música, Simple abandona o protagonismo do palco para ser Cálculo a agarrar o momento. “Ele pediu-me muito porque é um momento alto na carreira de um gajo”, explica. Com a possibilidade de cantar uma música sua num local mítico como o Hard Club, Cálculo agarra o momento e, por instantes, parece mais que muitos, fazendo vibrar toda a sala. A música chega ao fim e é visível a satisfação na cara do jovem rapper.

A música que encerra a actuação de Simple chama-se “Nada” e pertence à “secção taekwondo do álbum”, pois é “karaté gramático”.

Faltam vinte minutos para as duas horas quando Paulo Pinto volta a marcar presença no palco da sala 1. “Vamos fechar isto [as cortinas]”, diz. Vários jovens gritam, criando um barulho ensurcedor.

O DJ Suprhyme regressa à mesa de mistura e as cortinas deslizam. Ele passa alguns dos clássicos que marcam o Hip Hop nacional, enquanto o público acompanha, cantando. Dealema, Mundo Segundo e Expeão são alguns nomes que são ouvidos.

Agora a sala está cheia, com 935 pessoas prontas a receber o Ancião, quase que levando à lotação esgotada.

A chegada do Ancião

Os olhos estão postos na grande cortina preta, mas tudo o que se vê são pés em movimento. De repente, uma luz vermelha torna-se perceptível. “Ouh! Ouh! Ouh!”, ouve-se. Passado uns minutos, a cortina finalmente abre.

Mundo Segundo, o Ancião, está no centro do palco, sereno. O público grita como se o fim estivesse próximo. Este é o momento pelo qual esperaram mais de duas horas!

No palco também estão mais cinco elementos: Reis, nas teclas; DJ Guze, a misturar o som; Poeta de Rua, na bateria; Guito Maldiva, no baixo; e Maze, rapper que pertence, tal como Mundo Segundo, à família dealemática.

O Ancião começa a actuação. As luzes, num misto de azul-celeste, iluminam-lhe a cara. Esta noite ele é um todo poderoso, esta noite ele comanda a legião de admiradores aqui presentes.

“Segundo o ancião” foi a música escolhida para começar o espectáculo. Mundo Segundo pede barulho, mas não era preciso. Não há um único momento em que as pessoas deixem de emitir os seus “Uhhh” ou “Yeahhhs”. Elas vieram para o ver.

O concerto prossegue no meio de palmas, gritos ou outras formas de homenagear aquele que é um dos líderes do movimento do Hip Hop nacional.

O MC que celebra 20 anos de carreira contagia quem o observa. As palavras fluem dos lábios, enquanto as mãos acompanham e complementam os versos.

Depois de uma breve explicação sobre o surgimento da música, chega a vez de “Raio de Luz”, o único single que era conhecido do público. NBC sobe ao palco e apodera-se de quem está presente com os seus agudos, iluminando, com Mundo Segundo, a plateia, com versos que ficam a pairar no ar.

Outra das músicas que fez o público vibrar foi “Bate Palmas”, partilhada com Deau. Este jovem, indicado pelo Ancião como o promissor futuro do rap, deixa versos na memória. Ambos de Vila Nova de Gaia são, como diz a letra, “Velha escola/Nova escola/A melhor escola”.

O concerto chega ao fim com a repetição, em acústico, de “O Homem + Rico do Mundo”, cantada com o seu “irmão” Maze. Num momento intimista, Mundo Segundo despede-se das mais de 900 pessoas que se deslocaram para o ir ver. “É sempre um orgulho” é a frase que fica na memória.

São 03h30 quando Paulo Pinto regressa. O último nome da Vicious de Junho é anunciado, mas mais do que isso, anuncia-se. Dillaz sobe ao palco e alicia “Vou apresentar o meu novo trabalho.”

São quase quatro da manhã quando se evacua a sala. Mas, quase toda esta gente tem um novo e comum destino: esperar que Mundo Segundo chegue a um dos corredores para tirar fotografias e dar autógrafos. A fila cresce num ápice e move-se lentamente. Enquanto se espera, muitos aproveitam para ser fotografados com outros nomes do Hip Hop nacional que por ali passam. Deau, Fuse, Simple & Cálculo e Dillaz são alguns deles. Chegada a vez na fila interminável, os membros da comitiva de Mundo Segundo assinam e tiram fotografias. “Próximo”.

São quase cinco horas e a fila ainda não acabou. Não há pressa, é tempo de conhecer o Ancião.

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