Cultura
INDIE MUSIC FEST 2018: UMA NOITE CHEIA DE MUNDOS E VISLUMBRES DO FUTURO
No Indie Music Fest as únicas diferenças entre o dia e a noite são as fontes de iluminação e a cor do céu. Estes são os dias do ano em que o Bosque do Choupal ganha vida e a animação nunca morre. Os indies, sôfregos por aproveitar cada minuto, não perdoam. No campismo as colunas estão permanentemente ligadas, as cordas das guitarras não têm descanso e o sono é afastado com mais uma bebida (ou mais um banho de água fria). A festa dura 23 horas por dia – e a música 24.
Os DJ set prolongam-se no recinto até as seis da madrugada, mas os concertos no campismo duram a noite toda. Os grupos de amigos reúnem-se em círculos nos respetivos acampamentos à luz das lanternas. Come-se massa com atum e cachorros quentes (ou, provavelmente, frios). Garrafas são abertas e cigarros são enrolados. As notas musicais vibram de e para todas as direções. Os tambores ficaram esquecidos em casa? Não há problema. Panelas e tachos transformam-se em instrumentos musicais num abrir e fechar de olhos.
Uma das particularidades do Indie – que o torna tão especial – é a inexistência de linhas ou separações. Os membros das bandas, durante o dia, dão concertos nos palcos; à noite juntam-se aos campistas para o encore à luz das estrelas. Artistas, mas não só. Elementos da organização, imprensa e, até, os seguranças podem ser vistos a partilhar dois dedos de conversa e batatas fritas com o público. As fronteiras, tão bem definidas noutros festivais, aqui esbatem-se e fundem-se no ambiente, até todos serem reduzidos ao elemento base que partilham e à razão de aqui se encontrarem: a paixão pela música.
O sol sobe no horizonte e a música – que ainda há poucas horas se ouvia da Fábrica Eletrónica – pode ser ouvida dos palcos de novo. “Borrego”, “Boa Companhia” e “Margens do Douro” são temas que furam por entre as árvores e provocam o bichinho da antecipação nos indies. “Alguém direciona aí um cabo de iPhone?” e “Algum mano tem agulhas para fazer rastas?” são frases berradas ao megafone. A piscina é um dos locais favoritos dos jovens. Também se pode usufruir de aulas de yoga e experiências de wakeboard. Às 15h00, Mundo Segundo é o protagonista do “3 de Letra”, sendo a conversa transmitida na Antena 3 e nos altifalantes do recinto. O “dinossauro do hip-hop nacional” responde a perguntas que percorrem toda a sua existência. “Rap é ritmo e poesia” é a frase mais marcante. Segue-se o showcase de Luís Severo, que toca algumas músicas e até adapta um dos sucessos de Conan Osiris, “Borrego”.
Apesar dos soundchecks terem começado cedo, é possível que nem tudo tenha sido testado. Outra das hipóteses será o calor intenso que se faz sentir e os problemas com a eletricidade – que levam o corpo de bombeiros no local a “regar” o recinto. O certo é que os concertos se atrasam hora e meia, o que contribui para a diminuição da audiência nas primeiras atuações.
The Jaqueline é a primeira banda a entrar em ação. O segundo ato cabe à banda de rock experimental NU. Este grupo funde a literatura e a representação com a música. Tem uma aura escura e sobrenatural; faz nascer demónios, exorciza-os e recria-os. Rui Pedro expressa as emoções mais cruas ao microfone, enquanto desenrola uma performance única. A certo ponto, desce do palco, pendura o microfone nas grades e contorna-as para se juntar ao público (que, por alguma razão desconhecida – talvez devido à atitude invulgar do vocalista – havia deixado um espaço considerável entre si e os músicos). O fim do concerto é acompanhado de luzes intermitentes fortes e hipnóticas.
Trêsporcento dão 100% em palco, mas o público fica uns largos pontos percentuais abaixo. Os atrasos nos concertos e os campingaz preparados para o jantar deixam o recinto medianamente preenchido. No entanto, os fãs da banda lisboeta que assistem ao concerto acompanham Tiago Esteves em cada sílaba. “A Ciência (Amanhã)” e “Aguentem-se os fracos” são tocadas. “Estamos mesmo felizes por estar aqui no Choupal, é um sítio muito bonito.” Luís Severo e Manuel Palha juntam-se ao público, seguindo animadamente os conterrâneos. Antes de “Cascatas”, Tiago confidencia “da última vez que tocamos esta música começou a chover; esperamos que não aconteça agora.” Flak – que acompanhou a banda neste concerto – diverge, dizendo que “até sabia bem”, dado que a temperatura continua elevada. “A próxima música passou muito na Antena 3”. “Elefantes Azuis!”, ouve-se do público. Surpreendido, o vocalista sorri, “isso mesmo, 10 pontos para ali”. “No estado em que estou, diz-me o que sou, diz-me o que sou” é repetido com uma intensidade tal que até arrepia. É pedido um aplauso para “o homem chita”, Flak, o produtor, músico e figura central no disco “Território Desconhecido”. “Obrigada por tudo, obrigada pelo convite”, despedem-se. “Veludo” desliza pelas colunas de som, terminando com uma bela sequência de guitarras. No fim, são pedidas baquetas e palhetas.
“Nós somos os Panado e viemos de Lisboa para estar aqui.” O trio lança-se numa animada interpretação do seu “roque felino”, preenchido por delay, muito ritmo e saltos por parte da juventude presente, que de coxa pouco tem [o álbum da banda tem “Juventude Coxa” como título].
Às 21h49 Luís Severo passa para os bastidores com dois finos nas mãos. Instantes depois, ouve-se a já familiar voz: “a RTP e a Antena 3 apresentam Luís Severo”. Severo entra em palco com a banda – Manuel Palha (Capitão Fausto/Cuca Monga) nas teclas e guitarra, Diogo Rodrigues (Cuca Monga) na bateria e Bernardo Álvares no baixo. “Há uns meses reuni este pessoal e este é o último concerto da digressão, então estou um pouco emocionado”, revela o vocalista. “Nunca tinha tido um público com tantos cartazes e assim. Não consigo ler daqui, mas já aí vou ler.” O quarteto percorre suavemente as músicas principais – “Planície (Tudo Igual)”, “Escola”, “Meu Amor”. O público junta-se ao músico nas letras. Ouvem-se, até, algumas declarações de amor por parte de raparigas nas primeiras filas. “Boa Companhia” é bastante bem-recebida. Os festivaleiros batem palmas vigorosamente ao longo de todo o concerto. Luís Severo alterna entre a guitarra elétrica e o teclado; acaba a atuação sozinho em palco, com a música “Olhos de Lince” – recebida com uma estrondosa ovação.
Bruno Miguel é produtor e o fundador de :Papercutz. A voz é de Catarina Miranda, mais conhecida pelos seus trabalhos sob o nome de Emmy Curl. O duo cria uma atmosfera sonhadora e faz o Placo Relva levitar acima das árvores. As quatro luzes verticais contribuem para o efeito, assim como a apresentação e a postura da própria vocalista. Há quem esteja deitado no chão, de olhos fechados, imerso nestas harmonias étnicas. Há quem balance calmamente o corpo, para depois dançar de forma animada nos ritmos tribais mais rápidos e nas batidas que remetem para o mundo urbano.
Pela altura em que chega o momento de Don Pie Pie, já começa a ser mais percetível a enchente do recinto. Em frente ao Palco Cisma, os indies estão tão compactados que tornam impossível a circulação. Na frente, tem tanta gente que a primeira fila está quase em cima do estrado. A música do grupo do Porto é instrumental e dá continuação ao registo de :Papercutz, sonhadora e harmoniosa. O trio de “funcore” prometeu “estrear a tarte”, e assim o cumpriu, com o EP “Dpp1”.
A história de Filipe Sambado e de Luís Severo já é longa. Sambado já teve participações – com funções diferentes – nos trabalhos de Severo; Severo já fez parte dos Acompanhantes de Luxo. Atualmente, os Acompanhantes contam com Alexandre Rendeiro (Alek Rein), Manel Lourenço (Primeira Dama), Adriano Fernandes (C de Crochê) e Luís Barros. Foi este quinteto que subiu ao Palco Indie Music Fest para um concerto que deu aparência de calmo, mas que rapidamente se mostrou perfeito para uns pezinhos de dança (alguns bastante elaborados). Filipe diz que já tinha estado no palco do Indie há uns anos “estava aí e fui chamado para fazer uma harmonia, que acho que nem correu muito bem, porque estava um bocado tocado”. Admite que essa “foi uma noite inesquecível, como todas as passadas aqui”. Músicas como “Só Beijinhos” e “Dá Jeitinho” são as que conseguem as melhores reações dos indies. A certo ponto, ouve-se os músicos falando entre eles: “Onde está o Luís? Está por aí?”, “Está ali!”, “Anda cá cantar”. Luís Severo, que, até agora, tinha estado na fila da frente a beber uma sopa, dirige-se para as escadas de acesso ao palco, visivelmente animado. Visivelmente animado fica, também, o público ao vê-lo. “Estou mesmo feliz por estar aqui.” O fim do concerto de Sambado é (procurem as semelhanças) feito sozinho em palco, de costas para o público e com o traseiro de fora, repetindo “Ass Ambado / Ass Ambado / Não faço mal a ninguém”. Esta é uma música especial, que não faz parte de qualquer álbum do músico.
Os Omodo iniciam a contagem decrescente para o fim da edição de 2018. O público acalma um pouco (para guardar energias), escutando o “rock sujo/veludo” deste quarteto de forma (demasiado) pacífica – para o tipo de sonoridade que têm. A banda de rock de garagem mantém uma atitude despreocupada e natural, fugindo rapidamente para uma dimensão mais pesada. Próximo do fim da atuação, Hugo Machado protagoniza uns assombrosos solos de bateria.
Mundo Segundo. Um dos grandes concertos do Indie Music Fest 2018. Ainda antes de entrar em palco o grande embaixador do hip-hop nacional, o ambiente já é eletrizante. Uma tribo de amigos resolve segurar os isqueiros no ar, enquanto canta “Amar Pelos Dois” (de Salvador Sobral, claro está). Do sistema de som saem batidas de músicas hip-hop, as quais são aproveitadas pelos indies para treinar os seus moves.
[And the cround goes wild.] “Boa noite a todos, é um prazer estar aqui. Para quem não me conhece, passo a apresentar-me. Sou o Mundo Segundo.” “Margens do Douro” é a música da abertura; capta instantaneamente o público, que debita todas as palavras e movimenta-se de forma quase frenética. Mundo passa à apresentação de toda a equipa que tem em palco. Os mais aclamados são DJ GUZE, Macaia e Maze. Seguem-se “Sou do Tempo”, “Tudo Que Tenho” e “Não Quero Saber”. “Quem é que aqui conhece um dos coletivos de hip-hop nacionais mais antigos? Dealeeemaaa!”. A música “Nada Dura Para Sempre” é cantada (em grande parte) apenas pelo público. Deau entra para a faixa “Bate Palmas” – mais uma que leva os indies à loucura. “Raio de Luz” traz Macaia para a frente do palco. “A próxima música é um fado, como dizemos, um clássico do hip-hop nacional. É ‘Brilhantes Diamantes.’” Segue-se “Escola dos 90” e “Bom Dia”, sempre em parceria com Maze. “Vocês são gigantescos”, elogia Mundo. Dirigindo-se ao público como “família”, pede colaboração para realizar uma tradição nos concertos: lanternas e isqueiros ligados para a música “Era Uma Vez” – um dos momentos lindos da noite.
“Hoje vou dormir mais descansado. Sim, senhor. Muito obrigada pessoal. Até à próxima, foi um prazer.” A ausência dos rappers do palco desencadeia um massivo “só mais uma” do público. Instantes depois, ouve-se Mundo da lateral, “Sim, senhor. O pessoal merece”. “Tu Não Sabes” é a última música do concerto; os quatro minutos da música fazem tremer o chão, tal é a quantidade de indies que salta, seguindo os movimentos dos rappers. Mundo Segundo diz que o Bosque é um espaço mágico, com uma energia incrível e que o público do Indie é “melhor do que muitos públicos de gente do hip-hop”. “Divirtam-se e cheguem bem a casa.”
A multidão corre para o Palco Relva. “Conan! Conan! Conan!” ecoa pelo Bosque. Os gritos intensificam-se com a subida de Conan Osiris ao palco. A estrutura do concerto segue o formato habitual do músico: Conan – ou Tiago Miranda – canta sozinho em palco, enquanto o seu bailarino, João Reis Moreira, segue a sua própria coreografia emotiva. A música que dá início a este espetáculo de músicas do mundo é “Borrego”. O público exige mais e mais do músico – desejando, quiçá, ver o futuro e tocar no rapaz que, agora homem, também é deus. Conan percorre as faixas do álbum “Adoro Bolos” – “Celulitite”, “100 Paciência”, “Ein Engel”, “Barcos (Barcos)”, “Nasce nas Acucenas”, “Titanique” – enquanto se dirige ao público nos intervalos. Com problemas no microfone, o “rapaz do futuro” diz que “está a ficar irritado, mas a culpa não é vossa. Só quero que me deem um beijo”, ao que, prontamente, várias raparigas respondem com interesse. “Eu sou só um gajo pah, não sou como esses gajos do rock, com aqueles instrumentos todos.” Mais à frente, após várias tentativas, uma rapariga finalmente consegue que Conan ouça “eu só quero o teu bailarino”. Divertido, berra a João: “vai lá que ela só te quer a ti”. Vários pedidos são feitos, entre eles, o sucesso “Adoro Bolos”. Mais uma vez, Conan responde de forma divertida, “Mas eu adoro bolos o ano inteiro, não posso estar sempre a cantar isso”. Pelos cartazes empunhados na primeira fila, é possível que, se Conan cantasse apenas essa mesma músíca, para os jovens estaria tudo bem na mesma. Respondendo a outro pedido, canta-se “Amália”. Por fim, “obrigada pela paciência para aturarem um tipo que nem técnico de som tem”. A última música tocada nesta edição do festival é “Adoro Bolos”. Os indies esperam junto ao palco uns bons dez minutos, mas o número máximo de desejos satisfeitos hoje já foi alcançado.
Como era esperado, Solution recebe a torcha e mantem a música a rolar na Fábrica Eletrónica até as seis da madrugada.
Aos indies, resta arrumar as mochilas e desmontar tendas e acampamentos, guardar (bem guardadas) as memórias e os momentos, e esperar pela edição de 2019 do Indie Music Fest, que já foi confirmada.