Cultura
MIGUEL ARAÚJO LEVA “PENAS DE PATO” À LIVRARIA LELLO
Penas de Pato saiu em setembro deste ano e já vai na segunda edição. “Se fosse pela minha mãe, ia já na décima sexta”, brinca Miguel Araújo. A primeira obra literária publicada pelo músico do Porto e eterno vocalista d’Os Azeitonas fala de “ver a vida a passar da varanda” – a da Giesta, o seu ninho portuense. Daí que, para uma conversa musicada sobre o livro que já ganhou asas e voa das estantes, não haveria melhor escolha de local que a ilustre Livraria Lello, no coração do Porto.
Esta sexta-feira, uma hora antes da marcada para o começo do concerto falado, a porta da pequena Lello enfrentava quem já queria guardar lugar no evento de entrada livre. Às 21h30, só a chuva não conseguiu entrar para ver Miguel Araújo.
O músico ocupou uma das cadeiras não tipicamente plantadas frente às conhecidas escadas da Lello; na outra, sentou-se Tito Couto, autor de Algo Estranho Acontece, relato da união musical entre António Zambujo e Miguel Araújo – o seu entrevistado para a noite e, acima disso, amigo.
Embora em jeito de entrevista, a conversa entre os dois flui do típico “como se conheceram” ao Penas de Pato, passando pelas influências musicais do cantautor e histórias dos Araújos que antecederam e influenciaram Miguel.
Tito conta que conheceu Miguel Araújo quando o convidou para um almoço onde o convenceria a escrever um livro – mal sabiam que iam estar juntos no lançamento de Penas de Pato. Mas, segundo o agente literário, o livro prometido não é o apresentado; aquele vai ainda na página 20. Diz que o tem em casa e pede a Miguel o favor de o acabar.
Como explica Miguel, “a infância é o fertilizante para a vida toda”, e, no seu caso, a árvore musical cresceu sem vista de perecer. Porque “nem sequer um gira-discos tinha em casa”, Miguel passava muito tempo com os tios, que formavam uma banda de rock. Com eles, teve acesso à melhor música dos anos 60 e 70. Aponta Bob Dylan como uma das suas maiores referências e aproveita para tocar a sua versão de “Don’t Think Twice, It’s Alright”, para o deleite dos presentes. Explica que, da música do Nobel da Literatura – cuja notícia festejou intensamente -, o fator que mais o atrai é a letra.
Tito refere que o Miguel com quem está a falar é o mesmo Miguel das canções e é o mesmo Miguel que escreveu aquele livro. O ser amante de palavras que habita no músico, escritor de canções e cronista na revista Visão divide-se por todas as valências de Miguel, e é alimentado diariamente com as idiossincrasias da vida quotidiana; é justamente esse o tema de Penas de Pato. Miguel puxa da guitarra e entoa “Sangemil”, lugar de Águas Santas e uma das faixas do seu álbum Giesta.
A travessia pelo mundo das letras começou com um Miguel muito novo, influenciado pela banda dos tios e por histórias que ouvia acerca dos seus tri e bisavós – e que sempre considerou fantasia, até ir tocar a S. Tomé e Príncipe para o 10 de junho deste ano e encontrar a roça Maria Luísa, uma grande propriedade que sempre ouviu pertencer ao seu trisavô. Viu o que só até então imaginara por histórias, que sempre pensou não passarem daí. Não admira a sua descrença inicial, a julgar pelo storytelling que herdou.
Uma história que escreveu quando tinha 17 anos – uma das muitas que, confessa, deitou ao lixo – foi salva pela sua memória e apresentada com a banda Os Azeitonas, que integrou até 2016. Toca “Desdita” e explica que a autocrítica foi sendo combatida pelos anos de experiência na escrita. Tito pergunta-lhe se tem os mesmos filtros na música que tinha quando começou. “Sou como as máquinas de café, de vez em quando troco de filtro”, responde Miguel. Hoje em dia, diz que não se preocupa com não se deslumbrar com cada canção que escreve.
A seguinte investida na guitarra é para “Será Amor”, canção usualmente atribuída a César Mourão e Luana Martau por servir de banda sonora à longa-metragem A Canção de Lisboa, mas que Tito revela que atribuiu imediatamente a Miguel Araújo depois de a ouvir na rádio. Confirma-se, a letra da canção é de Miguel Araújo. Depois do momento musical, a conversa centra-se justamente no facto de “as pessoas não se interessarem pela autoria das canções mais do que pela performance”, reflete o cantautor.
Miguel Araújo diz-se distraído, mas as suas letras ganham vida a partir dos mais pequenos detalhes. “José”, que canta a seguir, começou nos pequenos passos de um pequeno José, a que Miguel assistiu. São estas letras que o completam, mas também o que mais o saturam. As crónicas que escreve semanalmente para a revista Visão aliviam o “parto doloroso” da escrita de canções, admite. Miguel aproveita a prosa – “que não tem o espartilho da métrica ou da melodia” – para expressar os pensamentos como lhe surgem realmente. Revela que escreve uma crónica em dez minutos – e também que é impossível fazê-lo assim quando se trata de uma canção – impedindo-se de se demorar para melhorar o texto. Cita Rodrigo Amarante quando diz que “melhorar só estraga”.
Tito Couto concorda e acabam aí a sessão falada do concerto. Este prossegue para “a música com mais cheirinho a Beatles” de Miguel, na opinião de Tito. Entra “Ainda Estamos Aqui”, o seu mais recente lançamento. A sessão na Lello estava a chegar ao fim, mas todos ainda estavam lá e queriam continuar por mais um bom bocado. Uma admiradora ainda conseguiu, já depois da sessão de autógrafos e palavras com a audiência, uma versão perfeitamente acústica – já sem os amplificadores – de “Anda Comigo Ver Os Aviões”, sucesso inconfundível d’Os Azeitonas, escrito por Miguel.