Cultura

FUGU – UM OUTRO NÍVEL DE CLOWN

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No âmbito do Festival Trengo e, recentemente, reposto no Teatro Sá da Bandeira, tive a oportunidade de assistir a uma das potenciais melhores peças que vi: Fugu. Dois atores, Gilberto Oliveira e Margarida Fernandes, trazem o mundo inteiro na cabeça e uma capacidade absolutamente de mestre para o apresentar.

Fugu é uma peça – talvez – de clown. E se assumimos que clown é cómico, simples e acriançado, somos uns valentes ignorantes. Fugu é intenso, é claustrofóbico e complexo.

A magia começa no romper do convencional da sala. Sem cadeiras nem palco, o dito público – talvez participante – senta-se numas coloridas almofadas espalhadas. Sem tempo de se habituar sequer ao conforto do assento, dá conta dos dois personagens (que dentro de si trazem umas centenas) ali, a um passo. Próximos, a olhar-nos, a querer-nos, a envolver-nos na situação. E a loucura começa, sem pedir licença.

Parece insensato piscar os olhos durante aquela hora e perder uma milésima de segundo que seja. Esta criação, nascida do divising, mergulha de cabeça em conceitos altamente arriscados, como o binómio homem e poder, que desde sempre lutam pelo domínio um do outro. E com uma quantidade ínfima de texto verbalizado, dezenas de questões ficam a boiar no ar: estaremos nós constantemente a ser manipulados? O poder é tóxico ou muito tóxico? Se eu quebrar as regras todas, estou a ser corajoso ou ridículo? Esta é uma história de libertação e descoberta. Uma história sobre a condição humana quando é exposta à verdadeira pequenez do seu ser subordinado. Esta é uma história sobre nós, talvez, a toda a hora, durante toda a vida.

E saímos do auditório pessoas diferentes daquelas que lá entraram. Nunca mais somos os mesmos. Temos vontade de nos sentar num banco de jardim qualquer e ficar a ver o mundo girar sem nós até entendermos a nossa essência novamente. Esse é o grande poder do teatro, em particular e especial do bom teatro. Ele não só nos mostra o mundo, como o vira do avesso e interpreta e reinterpreta.

Fugu merece uma prolongada salva de palmas! Phileas Fogg deu A Volta ao Mundo em 80 Dias, mas estes conseguiram dar em 60 minutos, sem sair duma sala. Fugu deveria ser um must to see… mas a sua finitude, com períodos de apresentação – até agora – breves e compactos, torna-a ainda mais real e extraordinária. Se não a viram, imaginem-na, por favor. Só nos faz bem pensar. Interrogar e dissecar as questões mais básicas do nosso quotidiano. (De que lado do prato se põe a faca? Porquê?) E esse é o verdadeiro cerne da peça. Pensar. Queremos ou devemos fazê-lo?

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