Cultura
INAUGURAÇÕES SIMULTÂNEAS: A ARTE NA MIGUEL BOMBARDA
16h00 do dia 10 de novembro foi o momento em que as portas das 15 galerias que participaram nas Inaugurações Simultâneas da Miguel Bombarda se abriram ao público. As galerias que integraram o trajeto podiam ser identificadas pela tira azul que se encontrava acima de cada porta, com a palavra “coletiva”, o nome da galeria e o respetivo artista recebido pela casa indicados.
É na Galeria São Mamede que Ana Maria apresenta o projeto “A Figueira de Gaya”. Ao entrar na galeria, o público depara-se com quadros pendurados em canas e com folhas no chão. Ao JUP, a pintora refere que o projeto tenta abordar uma problemática antropológica que “permita fazer uma reflexão entre o mundo tecnológico e digital, e o resquício que se guarda de um homem artesanal, que possui a mestria”.
As obras contêm elementos da natureza como animais e plantas. O objetivo é mostrar “a vida na terra na sua autenticidade”, pelo que Ana Maria introduziu na galeria de paredes brancas um espaço semelhante ao mundo que habita, que é a Granja, com o canavial e os passadiços. A pintora articulou o espaço com a esperança que tem em que as pessoas continuem a viver nos dois mundos: num mundo digital e num mundo de “materiais frágeis, mas duradouros, como as canas integradas na natureza”.
Deste modo, a pintora procura criar um desafio ao público, convidando-o a “considerar a estética cuidadosa das coisas como elas são apresentadas, ao mesmo tempo que pensa sobre o chão e nas folhas que foram caindo”.
Na exposição, vê-se óleo sobre tela e a técnica “nô”, que consiste na habilidade para “nunca exprimir com o corpo um movimento mais intenso do que aquele que é o sentimento interior”.
Américo Moura foi convidado pela Galeria Serpente para expor os quadros. “Um Porto Servido Em Tela” é o projeto exibido. Há três trabalhos que foram feitos para a exposição, que são quadros que retratam o Porto. Para o pintor realista, a Invicta sempre foi um tema de especial interesse, pelo que retrata aquilo que vai desaparecendo no Porto.
Américo Moura diz que não é um pintor da cidade, mas sim “um pintor de pormenor da cidade”, diz ao JUP. “Eu passo pelos locais, levo para casa a ideia e depois em casa elaboro”. Os restantes trabalhos apresentados em exposição são obras feitas ao longo dos últimos anos.
Na Galeria Presença, a obra apresentada é de Inês D’Orey, fotógrafa que trabalha para a galeria há mais de 6 anos. No projeto “Do Not Sit Down”, a artista quis apresentar um conjunto de fotografias tiradas em Tóquio, que demonstram as casas construídas nos anos 20 e 30 na mesma cidade e que ainda existem.
Maria de Belém Sampaio, responsável pela Galeria Presença, diz que “São espaços com arquitetura japonesa dos anos 20, que amanhã serão destruídos, por isso a Inês quis captar esses instantes”. A fotógrafa recolheu os momentos com base na obra japonesa “O Elogio da Sombra”. De acordo com Maria de Belém, a artista conseguiu “captar a essência da atmosfera e a ideia que o escritor quis transmitir ao falar da penumbra, do jogo de luzes e sombras das casas de Tóquio”.
Sobrepostas a cada fotografia vêem-se letras do livro. O texto aparece nas fotografias como uma velatura. “Parece que as letras estão a esvair, tal como as casas e como a arquitetura daquela época”, diz Maria de Belém ao JUP.
Na Galeria Quadrado Azul vê-se a primeira coletiva, com quadros dos artistas João Marçal, João Queiroz e Mika Tajima. O tema da exposição é o “Presente, Passado e Futuro”. O JUP falou com Gustavo Carneiro, um dos diretores da galeria: “muitas vezes estas fases acabam por se misturar. O presente não é mais do que uma procura do passado e o amanhã passa a ser algo obsoleto”.
A relação dos três temas foi a escolha para a discussão feita na exposição e entre os três artistas. João Marçal é um intérprete recente na galeria. É possível ver a relação entre João Marçal, que desenvolveu uma cadeira como uma das suas obras, e Mika Tajima, que construiu um banco. A cadeira exposta é uma cadeira tradicional que foi pintada e intervencionada, enquanto o banco é de descanso tradicional japonês. “Os objetos não têm de pertencer nem ao passado nem ao presente nem ao futuro, a temática desenvolvida e a relação que se tenta criar entre eles, sim”, refere Gustavo.
A Galeria Fernando Santos apresenta uma exposição “on paper”. É uma exposição selecionada pelo próprio Fernando Santos, uma mostra de arte dos artistas da galeria sobre papel.
Patrícia Carvalho, ceramista e escultora de 35 anos, expõe os trabalhos na Galeria Metamorfose. A artista nasceu na Alemanha, mas a mãe é portuguesa. Os trabalhos contêm o bordado de Guimarães, a cerâmica e o crochê, técnicas aprendidas em Portugal. Com a exposição, Patrícia tenta captar a alma portuguesa de uma forma mais intensa, trabalhando as práticas artísticas tradicionais. A autora diz ao JUP que tenta transmitir as saudades que tinha do país: “criei uma imagem na Alemanha daquilo que é português, tudo o que é folclórico, com muitas cores e movimento”. Um dos trabalhos expostos é elaborado com crochê feito na Cerdeira, uma aldeia do Xisto, em Coimbra.
A Galeria Metamorfose contou ainda com a terceira edição da coletiva “Arte em Postal”, e é uma oportunidade de os artistas consagrados, mas também emergentes, venderem um formato específico a preços acessíveis. O objetivo é que as pessoas comprem para oferecerem arte no Natal. Há uma variedade plástica, contando com figurativo, retrato, ilustração e aguarela.
No REM – Espaço Arte, Helena Leão apresenta a obra “Segmentos de Reta”. O segmento de reta na parede simboliza o tempo de vida, com um princípio e um fim. Ao longo do segmento estão cinco telas. Em cada uma das telas está representada a vida, através da natureza. Na primeira, as papoilas simbolizam a beleza efémera; na segunda, as árvores evidenciam a solidão. Como refere a autora, “as árvores podem estar no meio das outras, mas estão sempre solitárias”; o terceiro quadro é um pôr-do-sol, que é “uma chamada de atenção para eu me questionar “onde é que eu estou?”, diz Helena Leão, ao JUP; já a borboleta representada no quarto quadro evidencia a efemeridade; por fim, na quinta tela do segmento está pintada uma andorinha, símbolo da fidelidade. Todas as telas têm uma linha reta que faz com que se alinhem ao segmento onde estão expostas.
Numa outra parede, há um quadro maior com elementos da terra, que simbolizam a renovação. “As folhas caem, voltam à terra e geram vida”.
Antónia Gomes apresenta desenhos de pássaros num segmento de reta, também no Espaço Arte. “O segmento é a minha linha de pensamento, a minha linha do tempo”, onde a artista expõe os trabalhos. Os seis pássaros apresentados demoraram quatro meses a fazer. Os traços finos ou mais grossos, o movimento e a cor dependem do estado de espírito da artista. “Eu gosto dos pássaros porque são livres, têm asas, voam”, disse Antónia ao JUP.
A Galeria Símbolo recebeu uma coletiva. Armando Teixeira, dono do espaço, refere que “a galeria só trabalha com nomes consagrados e com obras mais comerciais e menos intelectuais. O aspeto cultural ficou em causa porque não há espaço para fazer exposições individuais”. Contudo, a galeria mantém nomes de artistas que já trabalhavam para a organização, como João Dubal, Fátima Santos, Carla Gonçalves, mas sem a programação de exposições em nome individual.
A galeria tem colaborações com artistas como Júlio Pomar, Cargaleiro, Nadir Afonso, Vieira da Silva e Graça Morais, havendo sempre profissionalismo em relação aos nomes que representa.
A exposição na Galeria João Lagoa conta com artistas como Luís Fortunato Lima, professor de Arquitetura, e Domingos Loureiro, professor em Belas Artes. É uma coletiva onde são apresentadas técnicas diferentes, desde o desenho aos acrílicos e óleos. Em exposição está uma obra em MDF (Medium Density Fiberboard), escavada e pintada, de Domingos Loureiro. Ainda do mesmo autor é possível ver obras de acrílico sobre acrílico.
É na Galeria AP’Arte que Ana Aragão, formada em Arquitetura, apresenta o projeto “Vertical Reclamation of Individual Spaces”, desenhos que resultaram da exposição na Fundação do Oriente, em Macau. O convite para expor os trabalhos na AP’Arte foi feito pela própria fundação. As obras estão relacionadas com o universo da arquitetura icónica e obsoleta e tem a ver com paisagens de Macau. Ao JUP, Ana Aragão diz que decidiu “não fazer edifícios de verdade, mas sim arquiteturas de papel”. “Eu desenho e redesenho, estou sempre a trabalhar nas mesmas coisas”.
Afonso Rocha, de 19 anos, estuda Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, e apresenta o seu mais recente trabalho na Galeria Trindade. A exposição “Interiores” conta com sete obras em acrílico. “O batom”, “Carlos”, “O banho” e “A fazer a barba” são algumas das obras exibidas. Afonso aproxima-se mais dos pintores realistas da escola inglesa dos finais do século XX, e tem como inspirações artistas como Freud e Paula Rego.
Em entrevista ao JUP, o artista diz que as obras “são sobretudo cenas privadas. Ninguém costuma fazer companhia a alguém a fazer a barba, por exemplo. São momentos pessoais”. Afonso diz ainda que aquilo que mais gosta é de montar as cenas: “Eu às vezes tenho uma ideia, mas o que acaba por resultar não tem nada a ver com a ideia que eu tive inicialmente, porque as pessoas comportam-se de maneiras diferentes”.
Afonso Rocha procura ter algum impacto na sociedade e “chocar um bocadinho”. O autor conhece todas as pessoas retratadas nos quadros. “Eu vou pensando no que quero pintar, imagino a situação, faço um esboço, combino com as pessoas, fotografo e a partir das fotografias e desenhos faço a obra nascer”.
A Ó! Galeria conta com a exposição de Inês Costa “Entruidos – The Bestiary”. A artista criou personagens e símbolos e juntou recortes em papel para criar a obra. Tina Siuda, ilustradora que colabora com a Ó! Galeria, explica em que consiste a exposição de Inês Costa: “A Inês mostra o imaginário dela, mas trabalhou sobre as personagens do folclore português, dos espíritos que estão a tomar conta das estações e da vida da plantação no campo”. É uma exposição que inaugurou há uma semana.
Há uma pequena exposição “Flic-Flac” que inaugurou no sábado. O título da fanzine é uma colaboração entre Virginie Morgand e Amélie Fontaine, duas ilustradoras francesas que se juntaram para criar o projeto.
Na Galeria Artes Solar de Santo António, na Rua do Rosário, Carlos Dos Reis apresenta o projeto “Era Uma Vez, Outra Vez”, uma continuação da exposição “Era Uma Vez”. Na apresentação que inaugurou sábado, é possível ver imagens que marcaram a infância do autor, ao mesmo tempo que procura transmitir o aspeto onírico de quando era criança. Há figuras que aparecem sempre nos quadros do pintor, como a rã, a cobra e o peixe. Ao JUP, Carlos Dos Reis conta a experiência que teve com 11 anos, em Barcelos: “eu vi uma cobra comer uma rã, matei a cobra, abri a cobra e a rã saiu viva. É por isso que estes animais estão sempre presentes”. Os quadros em acrílico são uma fusão de cores, desde os azuis, aos verdes, amarelos e vermelhos.
“Não ponho nomes nos quadros, deixo que as pessoas olhem e inventem as suas histórias”, diz Carlos Dos Reis. O desafio é ser a própria pessoa a procurar e a descobrir o conteúdo do quadro. As obras não se inserem nem no estilo abstrato nem no figurativo. “Quando se está afastado dos quadros, eles parecem abstratos, mas quando as pessoas se aproximam, começa a aparecer a figuração toda”, conclui o pintor.
As 15 galerias inauguraram simultaneamente os projetos propostos com um evento que se estendeu até às 20h00 de sábado. Há exposições que vão continuar até inícios do mês de janeiro. As inaugurações simultâneas contaram com a organização da Câmara do Porto e do Porto Lazer, em parceria com as galerias de Miguel Bombarda.