Cultura
BISONTE: UMA CONVERSA SOBRE VIRILIDADE
O Teatro Campo Alegre foi o palco da estreia de Bisonte, espetáculo de Marco da Silva Ferreira. A marcar o arranque da programação de 2019 do Teatro Municipal do Porto, o coreógrafo propõe uma disforia performativa onde o corpo serve a gradação entre bruto e delicado, apatia e euforia. O diálogo que surge da colisão entre a melancolia e a histeria expõe signos duma coletividade; os corpos recuperam formas e movimentos inseridos numa determinada memória cultural. Marco da Silva Ferreira junta-se aos bailarinos Anaísa Lopes, André Cabral, Duarte Valadares, Eríca Santos e Leo e à associação Pensamento Avulso para apresentar a sua terceira grande criação, que conta com a colaboração do Teatro Municipal do Porto, do São Luiz Teatro Municipal, do parisiense Théâtre de la Ville e do belga Charleroi Danse.
Um debate entre géneros e entre medias
Com referências a estilos como as danças de salão e o samba, Bisonte explora a hibridez, exibindo a porosidade dos limites impostos no processo criativo. Ritmos que lembram o universo sul-americano constroem a reflexão acerca da atual situação política do continente. Também a referência à dança de salão realça uma tradição assente em relações de poder que é desconstruída pela coreografia. A interpretação de Chorando se foi (Kaoma) por Marco da Silva Ferreira e os momentos partilhados com a bateria digital introduzem ainda a camada intermedia. Os diversos níveis da produção resultam num espetáculo que exalta atualidade, individualidade, mas também coletividade. As interações propostas revelam a subversão dos papéis de género enquanto resistência a um legado misógino e machista; a performatividade dos corpos interpenetra várias construções sociais ligadas ao género, propondo vários instantes de androginia, de diálogo ambíguo.
É notório o estudo realizado em volta da masculinidade, tanto enquanto veículo de virilidade e brutalidade como enquanto filtro duma sensibilidade forçadamente invisível mas existente. Segundo o coreógrafo, Bisonte espelha vários momentos do último ano e meio da sua vida, o que acrescenta uma camada de narrativa ao processo de criação. Marcada pela oscilação entre forte e fraco, rápido e lento, frenético e emocional, a coreografia evolui em direção à ambiguidade, talvez em direção ao nosso futuro ou ao presente de quem a criou. O background de Marco da Silva Ferreira em danças urbanas aparece através de momentos marcadamente sexualizados e repartidos em construções binárias, segmento que se torna mais fluido no desencadear da performance até atingir uma chegada a um universo mais liberto, mais permeável, mais queer.