Cultura

ANARQUISMOS E A PROCURA PELO QUE NOS FALTA SABER

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De todas las historias de la Historia, la más triste sin duda es la de España, porque termina mal.

Jaime Gil de Biedma.

Anarquismos parte de inquietações. Uma das principais inquietações relaciona-se com a história da anarquia em Espanha. Quem a consegue contar com precisão? Quem a consegue encontrar nos livros? Ela tem sido, considera Pablo Fidalgo Lareo, “ocultada e inacessível”. A sua peça de teatro, cuja estreia nacional deu-se no Teatro Municipal Rivoli a 25 de janeiro, “tem a ver com a forma como um grupo de jovens se relaciona com essa história, com essa tradição sempre ocultada, sempre marcada pelo medo e pelo silêncio”.

Os jovens de que Lareo fala e que surgem em Anarquismos não têm nome. Não representam ninguém em específico, porque pode caber em si uma multiplicidade de diferentes personalidades. Simbolizam o que tempo definiu e convencionou como os marginais, os desenquadrados com o resto do mundo. São jovens que se juntam e “criam regras próprias, um amor comum, uma vida em comunidade”. São jovens que procuram novas formas de conhecimento e expressão.

“Eles vivem num território de existencialismo. Todos vivemos um tempo em que não nos é exigido nada, em não tens que mostrar nada ao mundo. Há um momento onde todas as experiências e invenções são possíveis”, referiu Lareo numa conversa com o público após o espetáculo.

Três jovens, que outrora foram quatro, e que, como tal, precisam de lidar com a ausência. O quarto companheiro, de quem nada se sabe, manifesta-se apenas através de uma carta enviada aos antigos amigos. O elemento desaparecido excluiu-se daquele pequeno universo utópico que havia ajudado a criar, e possui agora no seu olhar uma frieza e um distanciamento que as três personagens em palco não conseguem ter. O texto de Anarquismos – que, projetado no grande ecrã, acentua esse corte no seio da comunidade – atinge-as com violência. Lembra-as de que faltava o conhecimento quando havia energia, e que agora as lições começam a ser aprendidas mas o cansaço e o conformismo não permitem esboçar grandes atitudes ou reações.

Anarquismos procura “perceber onde está o gesto anarquista hoje. Se é que está nalgum lugar. Nas pessoas, talvez. Nalguns gestos artísticos, nalguns gestos de vida, nalgumas organizações, nalgumas pessoas que rompem com os moldes tradicionais”, reflete Lareo.

A peça desfaz-se em contradições: aqueles corpos que procuram preencher um vazio desconhecem a história, e são espremidos quando a tentam encontrar. Há uma história “que não conhecem bem, que é a história do seu país, e é uma história que os fere a toda a hora. Não deixa que possam viver”. Como o próprio Lareo escreve, os diferentes membros do grupo talvez nunca teriam sentido a necessidade de viver em isolamento se a conhecessem.

Pablo Fidalgo Lareo precisou de fazer o que ele descreve como um “trabalho de arqueologia” para conceber a peça. Anarquismos é tanto sobre um conjunto de amigos que desenha nas suas mentes uma nova forma de viver como um estudo sobre a anarquia na Espanha. Ela não é vista ou interpretada “como uma doutrina, mas como uma potência e como uma ideia política que foi praticamente arrasada”.

Para o autor, “a escrita deste texto não é mais do que a tentativa de acabar com uma discussão nunca finalizada”. Finalizar uma discussão pode ser, Lareo sublinha, a coisa mais importante de uma vida, uma questão de vida ou morte”. O encenador afirma que está muito presente o “desejo de aproveitar ideias e referências éticas muito importantes. Acho que a nossa geração precisa muito de referências de vida, referências de trabalho, referências de pessoas que tenham tentado levar a cabo as suas ideias”.

A história contada pelo artista termina como todas as histórias de comunidades. Lareo quer pensar “por que erramos. Por que toda a tentativa de comunidade acaba sempre na utopia? O que nos falta saber?”. As personagens que o espanhol nos mostra não conseguem viver no mundo utópico que idealizaram porque “acumulam violências, contradições, problemas”, e não se conseguem libertar do que “vem de fora”. A solução pode passar por “assumirmos os problemas e as contradições que temos dentro de nós”. Mas a grande tragédia – que ultrapassa o universo da peça – é a de que “estas pessoas não estão dispostas a assumir a imensa imperfeição que são”.

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