Cultura

LUÍS SALGADO: “A MÚSICA PORTUGUESA ESTÁ MELHOR QUE NUNCA”

Published

on

Em vésperas do Salgado Faz Anos… FEST, os preparativos para a grande noite são evidentes para quem entra no local. No centro da azáfama está Luís Salgado, o aniversariante que dá nome e organiza o festival.

Sereno, de cigarro na mão e com um humor peculiar,  o programador dos Maus Hábitos conversou com o JUP na sala de espetáculos do espaço. É preciso pouco tempo para se revelar a visão perspicaz de um dos homens mais influentes da vida noturna da Invicta.

A entrevista serviu para refletir sobre o passado, analisar o presente e, ainda, perspetivar o futuro.

Fotografia: Joana Nogueira.

Como surgiu a ideia de celebrar o seu aniversário desta forma?

Foi quando fiz 40 anos. Por ser um número redondo, em jeito de bullying uns amigos meus disseram para eu fazer um festival. Mas a gozar comigo. Eu levei aquilo a sério, porque não gosto que façam bullying comigo. E eles agora já estão todos caladinhos (risos). Na primeira edição convidei amigos para virem tocar, meia dúzia de bandas. Na altura não trabalhava nos Maus Hábitos, mas conhecia o espaço, por isso pedi para fazer a festa aqui. Correu tão bem que pediram para fazer a segunda edição no ano seguinte. Aí já cobrei bilhete e tínhamos três palcos. Vieram mil pessoas e ficaram outras mil à porta para entrar. Em abril desse ano, os Maus Hábitos convidaram-me para ser programador, para ver se conseguia fazer isto todos os fins-de-semana. Temos estado a tentar, não tem corrido mal. Entretanto, construí uma equipa de produção como deve de ser. A partir daí, as edições foram feitas de uma maneira mais profissional, mais séria.

Nunca foi a contar com um crescimento deste nível.

Não. Eu, como programador, sempre pensei como me gostava de sentir nos Maus Hábitos como público e como músico. Sempre fiz o meu trabalho de promoção com essas premissas. O Maus Hábitos é isso, é um monte de coisas que gosto. Se estava à espera? Não, mas já na segunda edição percebia que aquilo era um pequeno monstro. Foi crescendo apesar de não poder crescer mais. Não quero sair dos Maus Hábitos e não cabe mais gente. Crescer em dimensão não pode, mas pode crescer em qualidade. Condições, conforto, som, oferta, etc… Não tem muito mais por onde crescer. Aliás, eu quero fazer 10 edições e acabou. Vamos na sétima e acaba na décima, depois não faço mais.

Há artistas que querem ser convidados para a festa?

Existem duas coisas. Bandas mais novas que se querem mostrar e bandas mais conhecidas que querem vir por acharem fixe. As pequenas sabem que é uma montra. Há bandas grandes que estão para aparecer há alguns anos, só que não foi possível. Os Mão Morta ou os Linda Martini. Querem vir, mas é complicado de conciliar.

Falou dos Linda Martini. Num concerto recente nos Maus Hábitos, agradeceram-lhe pela oportunidade de atuarem. Como programador, é preciso considerar a importância de dar palco a bandas pequenas?

É uma das vertentes dos Maus Hábitos. Temos o projeto chamado “Super Nova” com o objetivo de dar condições a bandas emergentes. Fazemos uma tour de seis datas com três bandas que merecem esse destaque. Durante o ano todo, na programação, há sempre espaço para bandas novas. Tanto nacionais como internacionais.

Fotografia: Joana Nogueira.

Como avalia o 2018 dos Maus Hábitos?

Chamo-lhe o Maus Hábitos 3.0. Desde que entrei há 5 anos, tem sido um crescendo de apuramento da programação. Tem tido cada vez mais concertos e festas mais interessantes. A sala de espetáculos melhorou exponencialmente nas condições, tanto para o público, os músicos e os nossos trabalhadores. 2018 foi uma confirmação deste 3.0. Estamos agora a caminho do 4.0. (risos)

Agora, em 2019?

Sim, vamos ver. O crescimento dos Maus Hábitos não passa pelo espaço, mas pelo Maus Hábitos Produções, que é exterior. O Super Nova foi o primeiro grande projeto, e o crescimento será para fora de portas. Aqui dá para melhorar coisas, mas o espaço não pode crescer muito mais. Enquanto promotora de produtos culturais pode evoluir, e é nisso que estamos concentrados.

Qual o artista que não atuou nos Maus Hábitos, mas gostava que atuasse?

Nos meus anos ou nos Maus Hábitos?

Pode ser nos dois.

Nos meus anos, os Mão Morta. Aos Maus Hábitos não há propriamente alguém em particular, tirando os inatingíveis. Não consigo ter cá os Radiohead a tocar porque é impossível. Mas já não é impossível tê-los a beber copos. Basta chegar o Primavera Sound e vêm cá todos. Agora, dentro do nosso nível, conseguimos trazer tudo o que planeamos, salvo exceções. Às vezes, há ocasiões em que um artista está marcado, e passado um bocado crescem e acabam por ir a festivais maiores. Mesmo assim, dentro da nossa dimensão, temos conseguido tudo o que queremos.

Fotografia: Joana Nogueira.

O Maus Hábitos é cada vez mais um ponto de referência da vida noturna do Porto.

Já é do país. Metade do público que vem cá não é do Porto. Durante o ano acaba por ser uma referência, e é para isso que estamos a trabalhar. Se mantivermos o que estamos a fazer, podemos ser mais reconhecidos. Eu não conheço nenhum espaço, em Portugal, que seja igual aos Maus Hábitos. Temos uma linguagem cultural transversal a todas as outras linguagens. O pessoal está todo aqui. Não tens outro espaço assim. Na Europa, se calhar só deve haver algumas coisas em Berlim que sejam parecidas. É natural que neste cenário se torne uma referência.

Pode ser mais?

Não sei se queremos que seja mais. Há algum trabalho para que isto não se torne uma moda.

Manter a identidade.

Exato. Quando percebemos que isto está a ficar muito na moda, tentamos cortar um bocado. Como diz o dono dos Maus Hábitos, tentamos manter “entre a tasca e o gourmet” (risos). Estamos no meio. Temos uma banda de garagem como temos um artista mais conhecido. Não somos nem mainstream nem underground. Até porque estamos no quarto andar.

Já falou na carreira de músico. Como foi o seu percurso?

Comecei em bandas no liceu, como todos. Bandas punk e assim. Depois tive dois projetos irrelevantes e outro de música eletrónica. Este último já com alguma relevância, até editado pela Valentim de Carvalho, por volta de 2006. Comecei a estudar música, tirei uma licenciatura e, mais tarde, um mestrado. Depois entrei para os Maus Hábitos e parei de tocar. Foi um percurso normal. Nunca tive grandes aspirações.

Prefere ser músico ou programador?

Músico mete muito mais piada. Só que, como não consegues viver da tua música em Portugal, tive de viver da música dos outros (risos).

Como avalia a indústria da música portuguesa?

A indústria mudou, como mudou toda a indústria da música mundial. A internet, as redes sociais, o YouTube, o streaming, etc… As editoras deixaram de ter o papel que tinham nos anos 80 e 90, como o meio que permitia às bandas chegar ao público. Agora é a internet que faz isso. As editoras servem apenas como selo de qualidade e ajudam na promoção. Em relação à música portuguesa em si, está melhor que nunca. Como a informação é de muito mais fácil acesso, obtens rápido a música que queres. Há cada vez mais concertos também. Tudo isso permite aos miúdos fazer o som que querem. Já se perdeu o complexo de ser português. Antigamente, havia uma necessidade grande de soar como um estrangeiro. Agora já há uma identidade própria, sem medo de cantar em português, sem medo de ter um som arriscado e próprio. Nos Maus Hábitos temos à volta de 200 concertos por ano. Metade são internacionais e as bandas portuguesas são tão boas como o resto, às vezes melhores.

Fotografia: Joana Nogueira.

Tem ambições e desejos para o futuro?

Eu trabalho a curto prazo. Neste momento, quero realizar os meus anos (risos). Profissionalmente, é expandir os projetos externos dos Maus Hábitos. O Super Nova e não só, outros projetos. Ainda há pouco tive uma reunião… Não posso dizer isto (risos). O objetivo de 2019 e 2020 é sermos cada vez melhores e, mais do que isso, sair de portas. Produções fora do espaço, eventualmente abrir outro local, no Porto ou até em Lisboa. Como músico, lançar o meu álbum este ano, já o ando para fazer há cinco.

Vamos ver se é desta.

Vamos ver se é este ano. E fazer edições do Salgado Fest até aos 50. Se não morrer.

1 Comment

  1. Pingback: O SALGADO FAZ ANOS… FEST: A NOITE MAIS LONGA DO MAUS HÁBITOS – Jornal Universitário do Porto

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version