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Cultura

JUP RADAR: JOÃO GUIMARÃES E AS (MUITAS) VIDAS DE UM ATOR

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Natural de Vila Nova de Gaia, João Guimarães estreia-se na música aos 4 anos, embora a presença desta na sua vida tivesse começado no berço. “Quando nasci já ia para a academia com a minha mãe”, assume. “A música sempre esteve na minha vida, sempre fez parte da minha vida.” Estudou Flauta Transversal na Academia de Música de Vilar do Paraíso, onde é coordenador e professor no Curso de Teatro Musical.

Antes da imersão na área em que trabalha, estudou Psicologia. “Não porque em casa me dissessem que tinha de ser engenheiro ou médico ou o que quer que fosse.” Fê-lo por vontade própria. “Não pensava que pudesse ser ator”, comenta.

Guimarães licencia-se em 2005, na Universidade do Porto, e no ano seguinte, ruma em direção a Londres, onde é admitido, com bolsa de estudo por mérito, no Curso de Teatro Musical da Italia Conti Academy of Theatre Arts. A inocência e o sonho foram os principais responsáveis por este passo. Enquanto estudante, foi premiado duas vezes como melhor aluno em Teatro Musical, graduando-se com distinção. A inocência ajuda a dar passos grandes? “Sim. Ajuda, porque permite-nos arriscar, sem medo de falhar.”

E porque os sonhos não caem das árvores – e os de João não são uma exceção -, durante a sua estadia em Londres foi barista. “Porque é uma coisa que muitas vezes uma pessoa tem de fazer para poder pagar os estudos, seguir os seus sonhos.” De qualquer forma, a ajuda dos pais e irmão foram essenciais nesta fase, até porque “viver em Londres é muito caro”.

Assim que perguntamos quando surgiu o Teatro Musical na sua vida, João Guimarães remonta aos tempos de infância. Estes foram tempos de felicidade, dos quais emergiu o estímulo da imaginação, através da criação de histórias para os bonecos com que brincava. “Tinha em casa dos meus pais um lago e uns bonecos, e acho que essa foi uma das coisas que me estimulou a gostar de inventar histórias e a fazer teatrices, que acho que se refletem muito no meu trabalho a nível de encenação.”

Este foi um tempo essencial para si, ainda que, na altura, não tivesse consciência disso. É em 1996, no Coro Ligeiro da Academia de Música de Vilar do Paraíso, que descobre o Teatro Musical. “O maestro da altura, que era o Ernesto Coelho, decidiu trazer-nos uma peça de teatro musical, que era o Jesus Christ Superstar. Foi aí que comecei a descobrir que gostava de cantar e de representar.”

Dado o primeiro passo desta descoberta, a perceção de João enquanto ator de teatro musical clarifica-se quando, em 1997, com 15 anos, faz a primeira viagem a Londres, com a família. Nesse momento, assiste aos musicais Jesus Christ SuperstarA Bela e o Monstro e percebe qual o caminho a trilhar. “O teatro musical é a minha vida”, partilhou.

Enquanto ator, foi Nick Piazza no musical Fame, participou em produções no New Wimbledon Theatre e em peças de teatro como Cinderela XXI, O Despertar da Primavera ou Aladdin. Foi ainda Boneville na peça A Branca de Neve no Gelo, apresentada no centro comercial Alegro, em Alfragide, e fez parte do elenco de Entre o Céu e a Terra – O Musical sobre Fátima, apresentado nos Coliseus do Porto e Lisboa.

Recentemente, integrou o elenco de Grease – O Musical, que estreou no Casino Estoril no ano passado, e passou pelo Coliseu do Porto nos dias 17 e 18 deste mês. Foi convidado para assumir a direção musical e desempenhou os papéis de Roger e Teen Angel. “Era um musical que eu tinha muita vontade de fazer. E ter sido convidado para fazer a direção musical foi mesmo muito importante para mim”, conta.

João considera a oportunidade de encenar um ponto alto do seu percurso. “Não só porque me tem permitido trabalhar com pessoas importantes do panorama artístico, mas também porque me tem permitido estar no outro lado do espetáculo, que é muito diferente e acarreta muitas responsabilidades”.

Ainda no segundo ano do curso, um professor de representação abordou-o no sentido de perceber o que Guimarães faria quando acabasse o curso. “Nessa altura não tinha noção do que iria fazer. Não sabia se ia ficar longe, se ia voltar. E ele disse-me, ‘tu vais para Portugal e vais ser encenador, porque tens perfil para isso’. Mas eu pensava que nunca na vida ia ser encenador”. Estaria o destino traçado desde então? O certo é que, nesta função, já levou a palco peças como Quebra-Nozes no Gelo, A Chave do Clube Secreto, A Bela e o Monstro no Gelo, Alice no País das Maravilhas no Gelo, A Cinderela no Gelo e José e o Deslumbrante Manto de Mil Cores, organizado pelo CiRAC – Círculo de Recreio, Arte e Cultura de Paços de Brandão.

O que acrescentou, afinal, esta dimensão artística? “Foi importante ser encenador para visualizar o papel de ator de outra maneira. Por isso ser encenador fez-me crescer enquanto ator”.

Para além de tudo isto, João Guimarães faz dobragens, direção musical de dobragens e traduções. Fez recentemente a tradução e adaptação de Madagáscar – Uma Aventura Musical, do qual também faz parte, e dá a voz à personagem Ken, dos filmes Barbie.

A verdade é que, mesmo com toda esta experiência, “há sempre o receio de que alguma coisa falhe ou corra mal”, João Guimarães confessa. Antes de um espetáculo, nos minutos que antecedem a entrada em cena, o nervosismo e a adrenalina batem à porta. No entanto, a partir do momento em que pisa o palco, a magia acontece. “Quando estamos no palco já estamos na personagem, já estamos a fazer a nossa viagem, já não pensamos em mais nada”, afirma. O ator e encenador considera bastante importante passar uma mensagem ao público. Não só que desfrutem e gostem tanto da peça como os atores gostam de a interpretar, mas que sobretudo seja passada uma reflexão importante ou uma lição.

Questionado sobre o que distingue um ator do resto das pessoas, Guimarães salienta sobretudo a instabilidade. Um ator vive uma vida alucinante. Muitas vezes tem de realizar três ou quatro projetos em simultâneo, para depois se sujeitar a estar um, dois ou até mesmo três meses sem trabalho. Guimarães acaba por falar da sua própria experiência: “nós terminamos hoje o Grease aqui à meia noite e vamos ter que ir diretos para Lisboa, uns quantos de nós, para fazer o Madagáscar amanhã às 11h30 da manhã.”

São já vários os teatros musicais em que participou, mas o ator e encenador não se fica apenas pelos musicais. João Guimarães já participou numa série inglesa – Mata Hai – e fez cinema, e revela ainda que tinha interesse em trabalhar numa novela. “Não tem nada a ver com mediatismo ou ser conhecido. Não tenho qualquer pretensão nessa questão. É mesmo porque gostava do desafio e da experiência”.

Visionar o futuro não é uma tarefa muito fácil para João, porque está “sempre muito dependente daquilo que se faz em Portugal”. O teatro musical em Portugal, como ele próprio diz, “ainda é um bebé pequenino, é um bebé quase recém-nascido”. Reconhece que faltam duas coisas para que esta área cresça: formação adequada e investimento. Acredita que, da mesma forma que existe um curso profissional ou de ensino superior de teatro, dança e música, também deveria existir um de teatro musical.

Muitos jovens optam, tal como João, por estudar no estrangeiro. Os países estrangeiros oferecem uma formação melhor e mais completa, nomeadamente a Inglaterra. João fala de uma jovem que foi para o curso de teatro em Portugal e que se encontra infeliz. Não apenas porque o curso fica aquém daquelas que são as suas capacidades, mas porque não lhe dá as ferramentas necessárias para que possa fazer teatro musical.

A realidade que se vive é que o mercado cada vez mais procura atores versáteis: que saibam cantar, dançar e representar. E o que acontece é que “muitos saem do curso e são bons atores mas depois abrem a boca e não sabem cantar, ou até sabem cantar mas depois não conseguem dar dois passos sem cair para o lado”, afirma João Guimarães. Assim, a chave para o crescimento do teatro musical em Portugal passa não só pelo investimento mas também na formação.

O apelo final que João Guimarães deixa é que as pessoas assistam a teatro musical. É de que apoiem o teatro musical e a cultura em Portugal.

JUP Radar é a rubrica mensal do Jornal Universitário do Porto, incluída na editoria de Cultura, que explora os artistas emergentes, nas mais diversas áreas, que chegam ao nosso radar. Os artigos saem no último domingo de cada mês.