Cultura

TIAGO NACARATO TRAZ O VERÃO DE VOLTA AO PORTO

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Tiago Nacarato entra em palco sozinho, mas acompanhado pela sua inseparável guitarra. Apesar de já ter pisado o palco da Casa da Música noutras andanças, esta é a primeira vez que o faz em nome próprio e trazendo consigo a sua paixão pela música brasileira.

As notas musicais de abertura fazem-se ouvir à hora marcada, sem demoras ou atrasos. Atrasado está o público, que ainda entra pelas portas da Sala Suggia. O músico portuense – “a jogar em casa” – por pouco não esgota o espaço. A multidão é tanta que as filas bloqueiam as entradas.

Jogando pelo seguro, a música de abertura escolhida é “O Mundo é um Moinho, um dos temas clássicos de Cartola, ícone da Música Popular Brasileira. No entanto, nesta noite de tempestade, o mundo pode ser um moinho, mas as ilusões não são reduzidas a pó. Pelo contrário, todos os sonhos se tornam realidade.

Ao foco centrado em Nacarato juntam-se mais seis, iluminando os músicos que acompanharão o jovem nesta jornada. Antes de passar para um hino de Gilberto Gil, Tiago revela a uma sala já completa que se sente bastante nervoso. Apesar de tudo, este nervosismo não se manifesta; ao longo de todo o concerto, o portuense atua com grande à vontade e mantém uma interação constante com o público. “Obrigado por saírem de casa numa noite como esta.”

“Lugar Comum” faz-se ouvir. Os sons suaves da composição vão evoluindo, numa escalada instrumental crescente que dá um cheirinho do que aí está para vir. O ritmo da bateria garante que a música não para na passagem para a terceira composição, enquanto o teclista pega numa segunda guitarra.

Em sintonia com a transição anterior, o baterista não dá descanso às baquetas, seguindo para “Pensando em Você” num único fôlego. Nacarato promete, “quando penso em você é quando não me sinto só, com minhas letras e canções”. Com sorte, a audiência também pensará em “nunca mais” o esquecer. O primeiro solo de saxofone leva o público ao rubro. Nacarato pede palmas, e a sala responde com entusiasmo – ao ponto de, quando os instrumentos se silenciam, as palmas e as vozes se ouvirem em uníssono.

O teclado e sons harmónicos de guitarra iniciam a quinta música. As baquetas voam suavemente por entre os pratos, criando uma atmosfera sonhadora. “Vem cá dar-me um abraço, chega mais perto de mim”. Antes de acabar, “Abraço” ainda proporciona um belo solo de guitarra aos presentes.

Depois de uma pequena pausa, Nacarato afirma que “agora chegou o momento de apresentar a minha incrível equipa”. João Salcedo no piano, Fábio Almeida no saxofone – “com um fato incrível, acabadinho de estrear, que ele contou-me”, brinca -, Márcio Silva, “edumundo”, na percussão e na voz. “Eles dizem-me: não faças as mesmas piadas de sempre”; o público fica a pensar em quais elas seriam, enquanto Lucas Wink é indicado na bateria.

Sempre bem-disposto, Tiago aponta para a bancada situada atrás do palco e diz, “ali a estrear-se hoje, o nosso coro”, conseguindo arrancar gargalhadas da sala inteira. Tomás Marques é o baixista (ou, segundo a terminologia de Tiago, “contrabaixo elétrico”) e Reinaldo Costa toca teclado e guitarra.

“Para explicar um bocadinho o conceito do concerto: nós estamos a experimentar temas para vocês. Temos que experimentar, temos que ver o que é que funciona. E é incrível, é um privilégio ter uma sala cheia como esta, para experimentar temas. Uma enorme salva de palmas para vocês, mais uma vez.”

Após um “está tudo bem por aí?”, o anfitrião explica que “este próximo tema é dedicado a uma pessoa muito especial para mim, e eu espero que ela esteja aí. Chiquinha, esta é para ti.” O público marca o ritmo da música com a cabeça e com palmas. Enquanto se ouvem as últimas notas, brinca “está ali a Chiquinha. Ah não, afinal não veio hoje”.

Para além dos dois instrumentos, Nacarato chama Reinaldo Costa para ser o assobio. “Para vocês, o meu primeiro convidado da noite, Miguel Araújo.” “A Dança” e Miguel são amplamente bem recebidos pelo público. A expressão “mesmo que a televisão mostre o Benfica pentacampeão, a vida é boa de se levar” desperta risos e respostas pela sala. O público junta-se às duas vozes no palco para entoar “e há no mundo quem me faça sorrir como ela me faz”.

Os seis músicos deixam o palco para uma pausa bem merecida. Sozinhos, quais jovens rebeldes, Tiago e Miguel conversam. “O que é que vamos tocar agora?”, “Tu é que sabes, o concerto é teu, o setlist foi escolhido por ti, com certeza terás escolhido uma música excecional”. “Sabes uma coisa? Hoje faz 50 anos que os Beatles tocaram pela última vez juntos”. “Ouvi dizer, ouvi dizer”. “Achas que fazemos uma deles?”, “Sei lá, nem ensaiámos!”.

Com “entras tu?”, “entramos os dois”, chega um dos principais momentos da noite. “Blackbird” desperta sorrisos em todas as faces e para a sala no tempo. Os dois músicos protagonizam um belíssimo jogo endiabrado de guitarras – os instrumentos já não são tocados, conversam um com o outro.

Este jogo de guitarras mantém-se para a segunda parte com Miguel em palco. “Reader’s Digest” continua a conversa de guitarras e traz a novidade de um jogo de vozes também. O público acompanha com palmas e boa-disposição.

“É uma honra de todo o tamanho contar com uma pessoa como esta. Quero agradecer mesmo do fundo do coração ao Miguel por fazer parte desta minha viagem.” Nacarato não fica sozinho em palco por muito tempo. João Salcedo, Salsa e parceiro de Miguel n’Os Azeitonas, regressa para uma arrepiante interpretação da música que o portuense partilha com Salvador Sobral e Tony Cassanelli. No instante antes de se ouvir o grande êxito do músico, uma senhora nas primeiras filas dirige-se ao palco, ao que Tiago responde com “obrigado, minha querida, estou a precisar de miminhos assim”, o que desperta, novamente, riso geral. “Sabe como é, esta condição de estar aqui em frente a muitas pessoas nunca foi fácil para ninguém.”

Mas difícil também não parece. Guiado pelo piano, Nacarato canta “Tempo”. “Mesmo que eu queira mudar, de mim não consigo fugir. Sou feito do vento que sopra devagar e do tempo que sobrar”. O tempo, esse fica como que suspenso quando Tiago entoa repetidamente “aproveita para ser feliz”. A audiência esquece os problemas da vida e absorve este conselho em silêncio.

O silêncio é quebrado por um dos maiores aplausos da noite. Nacarato pega na guitarra acústica para tocar as primeiras notas de “A Outra”, tema de Los Hermanos. Sem parar de tocar, introduz o segundo convidado da noite, Luca Argel. Exprimindo uma dor que não é a deles mas com a qual são solidários, Tiago e Luca cantam “já me cansei de ser a última a saber de ti, se todo mundo sabe”, terminando numa única voz com “por favor, que não demore pra essa dor sangrar”.

Descontraindo as emoções na sala, os dois brincam com “Olá”, “Olá”, “Olá”, “Olá”. Tiago pede ao “coro” por si adotado para fazer barulho e volta a dirigir-se à plateia com um pedido. “Vamos fazer uma coisa muito bonita, já que eles não estão ali no lugar mais privilegiado de todos, mesmo sendo privilegiado. Vamos apontar as luzinhas da lanterna para eles, para fazer este tema? Pode ser? Mostrem o vosso amor pelo coro, vá lá.”

Após pedir ao técnico de luz para baixar a luz, diz que “ainda não está todo o amor aí. Mais amor, mais amor”, antes de perguntar a Luca se quer “falar sobre esta música”.

«Então, a gente vai fazer agora um tema que eu escrevi. É um tema inédito ainda, mas o Tiago teve o privilégio em primeira mão, ouviu o meu disco novo que vai sair em março e que tem este tema, que é o preferido do Tiago desse disco. Se chama “Anos Doze”. Fala um pouquinho da infância».

Sem alguma vez perder uma oportunidade para brincar, Tiago cochicha com Luca. “Olha que lindo, os nossos pirilampos mágicos. Isto é bom porque eles assim não filmam. Vês como eu penso em tudo.” A isto, Luca ri-se.

A audiência reage com alegria a esta música. Antes de sair do palco, Argel aproveita a oportunidade para fazer um convite. “Olha, como eu disse, esse tema é de um disco novo que eu vou lançar em março aqui na Casa da Música, e queria aproveitar para convidar todos vocês, dia 6 de março, quarta-feira de cinzas, logo após o Carnaval. Estarei aqui apresentando esse tema que a gente cantou agora e mais o resto do disco. Quem quiser aparecer, ficarei muito feliz por vos ter aqui. Muito obrigado.”

Numa espécie de jogo de cadeiras, Luca Argel sai e os mestres dos instrumentos regressam. “Onde Anda Você”, de Toquinho e Vinicius de Moraes, é o tema que se segue, para felicidade do público.

Parara parara parara pa ra” é iniciado por Nacarato e repetido por todos os presentes. “Pontos nos I’s” evolui de forma crescente. “Não se resignem aos vossos lugares, esta é a parte do concerto em que todos podem vir dançar connosco.” A isto, várias filas levantam-se e dançam o tema em pé, terminando com um aplauso coletivo. Não satisfeito ainda, o cantautor continua a pedir “parara”s.

A harmonia instrumental neste momento é perfeita. Movendo-se de forma quase impercetível, os músicos partem para “Nem Vem Que Não Tem”, de Wilson Simonal. A primeira frase “nem vem que não tem, nem vem de garfo que hoje é dia de sopa” conquista a plateia de imediato. “Tiro Onda”, de Jair Oliveira, é a terceira faixa desta sequência contínua. “Felicidade não se empresta, não se pechincha e não se compra” – Nacarato atira as palavras quase em jeito de protesto, chegando a uma nova emoção no concerto. O solo, desta vez, dá destaque ao teclista.

A sala inteira levanta-se dos seus lugares para aplaudir. “Muito obrigado a todos os que cá vieram hoje, numa noite tão turbulenta. É um prazer enorme estar aqui a tocar para vocês. Quero juntar mais uma vez os meus músicos, os meus companheiros de estrada.” Nacarato volta a fazer a ronda pelos músicos.

“Queria agradecer à equipa da Casa da Música. Obrigada por nos terem recebido desta forma tão quente. À Rádio Comercial e à RTP, pelo apoio na comunicação. E aos meus queridos convidados.” Os sete juntam-se no palco, agradecem e saem.

O palco vazio, exceto pelos espelhos e pelos focos de luz, engana alguns – talvez os mais apressados por regressar a casa. Mas a maior parte dos presentes permanece em pé e aguarda o regresso dos músicos com expetativa. Não precisa de esperar muito; o encore chega passados alguns segundos. A equipa flutua de volta para junto dos seus instrumentos, subindo “num arrepio” pelo “espaço sideral”. Um novo solo de saxofone ondula pela sala, que nunca chegou a sentar-se.

Sem parar de dançar, o público acompanha no já conhecido “parara”. Inesperadamente, Nacarato anuncia “com vocês, o Tatanka Man”. O guitarrista junta-se ao jovem músico para um memorável momento de guitarra. As cordas despedem-se desta sala que conseguiu transformar o inverno em verão.

O belíssimo espetáculo instrumental com raízes no irmão do outro lado do oceano termina com Tiago Nacarato, músicos e convidados todos em palco, juntos para a típica fotografia de grupo para recordação e os últimos agradecimentos ao público.

“Muito obrigada por terem vindo, mais uma vez.” A voz de Salvador Sobral flutua das colunas da Sala Suggia, deixando a plateia com “Tempo” para se despedir.

Fotografia: Sofia Matos Silva

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