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Cultura

COM TANTO SALTO, É DIFÍCIL NÃO “DEIXAR CAIR”

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Fotografia: Sofia Matos Silva

Fotografia: Sofia Matos Silva

A dez minutos das 23h00, a Sala 2 da Casa da Música ainda estava um pouco vazia, tirando alguns wallflowers encostados às paredes, um grupo de amigos que tirava fotografias em frente ao palco e as bolas transparentes penduradas no teto do espaço, lembrando a capa de Férias em Família, o novo álbum dos Salto. No entanto, a enchente já se previa, tal era o número de pessoas que passeava pelos diversos espaços da Casa da Música.

À hora marcada, os sete jovens da Ensemble de Violoncelos da Escola Profissional de Música de Viana do Castelo (ARTEAM) sobem ao palco e ocupam os seus lugares. As primeiras notas musicais flutuam pelo espaço, trazendo no sentido inverso os mais atrasados, que ainda vagueavam pelo bar. Fazendo jus ao nome do disco, são várias as famílias inteiras que se deslocaram à Boavista para apreciar este espetáculo de boa música portuguesa.

Cinco minutos depois das 23h00, surgem os quatro membros da banda. São recebidos com palmas e assobios de encorajamento. “Não sei se te dei mais do que devia, ou se te devia mais do que dei”; a primeira frase de “Cantar Até Cair” marca o início desta jornada colorida e animada. Mal entram a bateria e as teclas, o público começa a dançar – o público a dançar é algo que se mantém durante toda a atuação, de tal forma é irresistível o ritmo e o ambiente de libertação.

As luzes coloridas contrastam com o branco da roupa dos elementos da banda e da Ensemble, e desviam a atenção das filas de tardios que continuam a passar pelas cortinas da entrada. A este ponto, as primeiras filas estão posicionadas a alguma distância do palco; esta situação rapidamente mudará. Este é um daqueles concertos que pode ser representado por uma função exponencial.

Gui, o vocalista, cumprimenta o público antes de passar para a canção de que o público estará à espera se estiver habituado a ouvir Férias em Família desde a primeira à última faixa. “Teorias” desperta o apoio da plateia, que atira frases para o ar – percetíveis apenas para os próprios e para, aparentemente, os membros da banda, que sorriem ao ouvi-las.

Respondendo à impercetibilidade do público, o teclista também diz umas frases que se perdem pela sala. Mas não faz mal; o seu grande discurso será bem percebido por todos. Até lá, exprime-se pelo meio das teclas. “Mar Inteiro” põe a sala toda a dançar. Este regresso ao segundo álbum da banda, Passeio das Virtudes, marca a saída dos violoncelistas – mas com a promessa de “voltarem já”.

Passou-se da primeira para a segunda música do novo trabalho, agora passa-se da segunda para a terceira do anterior. “Passeio das Virtudes” leva o espaço ao rubro. Quando finda o icónico riff, Gui dirige-se ao público. “Muito obrigada por estarem aqui. É uma honra para nós tocar num espaço como a Casa da Música.”. Relembra os inúmeros concertos a que já assistiram na icónica sala de espetáculos, a vez em que tocaram “ali fora, no jardim”, e o sonho para a banda que era poder pisar o palco. Promete que continuarão a fazer música enquanto tiverem quem a ouça e que, para isso, “bastam as pessoas presentes aqui na sala”. Brinca que “são tão lindos vistos daqui” e anuncia a faixa que se segue, “Só Agora Cresci”.

Esta e a que se lhe segue, “Coração Aberto”, acalmam um pouco o ritmo na sala, permitindo que o público ondule suavemente ao som da melodia. De coração aberto ficam todos os presentes com uma incrível sequência de baixo, seguida por uma de guitarra – em que esta parece ter sentimentos iguais aos nossos.

No público, toda a gente parece conhecer-se, dados os abraços de reencontro e os acenos que se vêem. A certa altura, passam Janeiro e Tiago Nacarato, músico que trouxe o “verão de volta ao Porto” há apenas alguns dias. Veio, certamente, passar a tocha aos amigos: a temperatura está a aquecer na sala.

Subitamente, a iluminação adota um tom misterioso, com apenas alguns focos amarelos provenientes de baixo. As primeiras “guitarradas” de “Deixar Cair” libertam gritos de felicidade pela audiência. “Sem saber, fingi não te querer deixar cair”, canta a sala em uníssono, ainda antes de Gui. Por todo o lado podem ser vistos corpos a abanar ao som da música, cada qual perdido nos seus próprios movimentos, mas unido a todos os outros pelas melodias. Berra-se, “não vou mais ficar atrás de quem não quer ver”. Luís faz a segunda voz e fica surpreendido ao reparar que o público responde – e brinca com repetidos “oh, oh, oh” para a frente e para trás. Pela altura do refrão, já a metade da frente da sala – que, entretanto, se aproximou dos intérpretes tanto quanto podia – salta animadamente e bate palmas.

Com tantos saltos, o público precisa de uns momentos para recuperar o fôlego. Os violoncelistas regressam para o proporcionar. À sua entrada, Gui conta que o teclista, Luís, também estudou na ARTEAM – enquanto este abraça alguém que se encontra na primeira fila. O vocalista apresenta-os um por um, e agradece à Escola por permitir que este espetáculo único aconteça. Aproveitando o destaque que lhe foi dado, Luís inicia a música seguinte com o foco em si. “Rio Seco” é a canção que o grupo diz ser a que lhe é mais emotiva.

“Até os peixes terem pernas para andar, até os peixes terem voz para cantar”, canta-se, com o público a acompanhar. A segunda metade da música foca-se nos violoncelos e são estes que a terminam, de uma maneira extraordinária. São elogiados na forma de um enorme aplauso. “Acordo e sonho a cores”.

Luís aproveita o momento para falar um pouco. Conta que gravar Férias em Família foi uma aventura, assim como o têm sido todos os discos anteriores, e desvenda alguns detalhes desta mesma aventura. Com isto, os Salto partem de barco para “Ninguém Te Viu”, navegando ao favor do som. “Ninguém te deu a mão”, lamenta Gui. Mas, esta noite, toda a gente está pronta a dar a mão.

“Estamos a aproximarmo-nos das últimas músicas. Estamos a tocar músicas dos três álbuns, como já perceberam. É importante para nós aceitarmos as músicas de três álbuns tão diferentes. Pode soar meio estranho assim tudo junto, mas Salto é mesmo isto. Quando estamos a fazer música saem coisas muito diferentes – tanto pode sair uma “Deixar Cair” como uma “Rio Seco”. Mas vamos continuar a ser assim e esperamos que continuem connosco e esperamos que gostem.”

A meio de “Memória do Elefante”, os violoncelistas abandonam o palco e o público aprecia o solo de guitarra, quase que uivando de agrado. Quando a faixa termina, Gui volta a falar, dizendo que devia “aproveitar para nos apresentar: este é o Luís [teclas], ali atrás está o Tito [bateria], eu sou o Gui e aquele é o Filipe [baixo]. Estamos a apresentar um álbum – já não lançávamos nenhum desde 2016 –, estamos muito felizes por estar aqui e por ver tantas caras conhecidas.”

“Estiveram muito parados até agora. Estamos quase a ir embora, queremos toda a gente a mexer. Podem chegar à frente, podem trepar para cima do palco.” Enquanto fala, a bateria nunca para, e arranca agora para uma parte instrumental que se transformará na introdução de “Cidade Branca”. Berra-se “hey, hey, hey”, alguém no público esboça uma tentativa de crowdsurfing, inicia-se um moche. O próprio Gui resolve também ele tentar, e faz sinal com os braços, atirando-se, de seguida, para cima da plateia, com a guitarra no ar e sem parar de tocar.

O vocalista pede palmas. “Se for para ser é agora pessoal, senão vão chegar a casa e dizer ‘ah, eu podia…’.” Os jovens no centro começam um grande moche, ao mesmo tempo que Gui solta a primeira frase, “a festa não começa enquanto não chegares”. O público acompanha com: “vai chegar, vai chegar”. Quando deixam de se ouvir os instrumentos, continua a ouvir-se a sala a entoar a frase. O final da música é estrondoso, tão estrondoso que dois seguranças sentem a necessidade de se deslocar para a frente do palco.

Os quatro membros da banda agradecem e saem do palco. O público não dá descanso, começando imediatamente a berrar “só mais uma”, a bater palmas e a chamar “Salto, Salto!”. Não têm que esperar muito; o grupo regressa passados apenas alguns segundos. “O Filipe veio aqui dizer que, se for para tocar mais, o pessoal tem que varrer o chão”, brinca o vocalista.

“É um prazer imenso, é mesmo especial para nós. É incrível percebermos que há muito pessoal que se junta a nossa volta – para celebrar música, não para nos celebrar a nós. Continuem com essa alegria na vida, é o que vos peço.” O mestre das teclas continua de forma brincalhona. “Temos uma comunidade à nossa volta de pessoas incríveis. De outros idiomas também. Por isso, se estiverem aí alguns alemães, grazie.” Com isto, consegue uma gargalhada geral.

Toca-se “Por Ti Demais”. A dança aumenta o ritmo, o moche também, e o “hey, hey, hey” continua. Na fila da frente encontra-se um rapaz visivelmente feliz, aos ombros do pai. A energia na sala atinge o pico máximo. “Agora sim, é a última”, diz Gui, antes de cantar “encontrei a humanidade no fundo da rua, com cara de quem sabe, com cara de quem muda de roupa para jantar”.

“Lagostas” é o cume desta montanha que não se escala, mas se salta. Os violoncelos regressam para terminar o concerto. A multidão fica doida com os riffs de guitarra. “Muito, muito, muito obrigado. Uma salva de palmas para vocês.” Toda a gente na sala canta a plenos pulmões, “já não há jantar”. Gui põe a mão na orelha de forma dramática e diz “não ouço, não ouço”.

“Peço uma grande salva de palmas para os míudos, que são muito, muito talentosos. Obrigado a eles, obrigado a vocês, obrigado a todos. Há discos lá fora, não se esqueçam.” A frase “já não há jantar” continua a ser repetida pelo público. “Lagostas” termina com uma secção instrumental estrondosa. Os músicos – dos Salto e da Ensemble – reúnem-se todos no centro para três vénias. O público ainda tenta um “só mais uma”, mas tudo o que é bom tem um fim. Por esta altura, já passa das 00h20. Nos corredores, os violoncelistas abraçam as famílias e a banda convive com o público, nesta que é, acima de tudo, mais uma celebração da música.