Cultura
JUP DESTAQUES: JANEIRO 2019
Cinema
Green Book
Um nome inevitável no mês de janeiro, Green Book é um dos grandes candidatos a ganhar o prémio de Melhor Filme na próxima edição dos Óscares, com data marcada para 24 deste mês.
A narrativa passa-se nos 60, numa América com diversas tensões raciais. Mahershala Ali interpreta um pianista afro-americano que segue em digressão pelo país. O seu condutor é um americano com raízes proletárias encarnado por Viggo Mortensen. As duas personagens principais são os pilares que seguram o filme. As suas interações e a aprendizagem mútua que retiram da experiência valorizam a história que se está a desenrolar.
O racismo não se esconde e é o maior propósito do filme. Numa época em que Hollywood está cada vez mais sensível a essas temáticas, esta obra contém uma mensagem forte. Agora, é esperar para ver se confirma o favoritismo na grande gala da indústria do cinema.
Glass
Night Shyamalan culmina o seu regresso à ribalta com o final de uma trilogia improvável. Glass é o último capítulo na saga começada por Unbreakable e depois seguida por Split. O derradeiro filme faz regressar as personagens principais dos seus antecessores. O destaque, evidentemente, vai para Samuel L. Jackson, Bruce Wills e James McAvoy.
O primeiro ato é fantástico e inicia uma viagem atribulada. Nem todos vão apreciar as decisões criativas de Shyamalan, com um ênfase no final. Porém, é inegável a desconstrução do género de super-heróis.
Numa altura em que a fórmula convencional da Marvel domina a indústria, Glass é uma visão única de um realizador que sempre colocou a sua integridade como artista à frente do agrado do público.
Astérix e o Segredo da Poção Mágica
As famosas personagens de Goscinny e Uderzo estão de volta com mais uma obra de cinema. A técnica de animação 3D é utilizada para dar uma nova vida a Astérix e companhia.
O novo capítulo revela a origem da poção mágica que permite a aldeia de gauleses derrotarem as legiões de César. Novas personagens juntam-se a velhos favoritos numa aventura divertida para todos. As referências à atualidade continuam presentes e as piadas mais subtis são capazes de causar muitas gargalhadas. Visualmente, o filme é excelente e prova que a animação europeia tem muito que se lhe diga.
Para miúdos e graúdos, Astérix e o Segredo da Poção Mágica é uma boa adição aos cânones da saga.
Música
Um piano solitário floresce na escuridão, seguido de um clique, um bass hit, e depois a estrela – James Blake. O início da primeira faixa de Assume Form, que lhe rouba o título, poderia levar-nos a achar que este álbum seria mais um para as playlists da comunidade sad boy por esse mundo fora. Mas rapidamente a assertividade e confiança inauditas dos versos “I will assume form, I’ll leave the ether / I will just fall and be beneath her / I will be touchable / I will be reachable” mostram-nos o contrário.
Aos trinta anos de idade, a imagem de sad boy britânico não é mais nada para além de um borro no espelho de James Blake. As canções já não são reminiscentes de uma longa viagem de autocarro na neblina londrina, mas sim de um passeio ao sol no interminável verão de Los Angeles, onde agora vive com a namorada Jameela Jamil.
Bem no centro da cultura pop, o cantor soube ler a atmosfera à sua volta e jogar as cartas certas. Se estes dias um “(feat. Travis Scott)” é quase tão valioso quanto ouro, um “(prod. By Metro Boomin)” deve estar perto da prata e um “(feat. Andre 3000)” um verdadeiro diamante de Serra Leoa. James Blake sabe chamar audiências e a sua versatilidade e talento fazem com que a desilusão seja impossível.
Assume Form é uma moderna carta de amor que detalha a estrada para a recuperação através do encontro da nossa própria pessoa noutra. “Even doing nothing I am making the most of somehow / And the credit goes to her”, vocaliza o artista em “Into the Red”. De sad boy a high on life, na verdade não existe estereótipo capaz de categorizar James Blake. Quando largamos a mão de rótulos e caixas, assumimos a nossa verdadeira forma e, a partir daí, tudo parece fluir com mais facilidade; mais clareza e, ultimamente, autenticidade. E foi isso que aconteceu a Blake – outrora inacessível e fechado, o cantor deixou o seu lugar de não existência; de realidade imaginada e libertou a sua verdadeira forma para o mundo, num projeto que convida todos a fazerem o mesmo.
Onde e como estávamos em 2014? Provavelmente numa posição muito diferente à deste momento. Meia década, um filho, um começo numa carreira enquanto atriz na série The OA e um curso de psicologia depois, estranho seria se também Sharon Van Etten não estivesse mudada.
“Down beneath the ashes and the stone / Sure of what I’ve lived and have known / I see you so uncomfortably alone / I wish I could show you how much you’ve grown”, entoa graciosamente a cantora para a sua eu de dezassete anos na apropriada “Seventeen”. Em Remind Me Tomorrow, Van Etten continua a mesma dissecadora de relações – inter e/ou intrapessoais -, uma overthinker do passado. Mas ao invés da representação destas através da doçura de guitarras de indie rock, como nos seus projetos passados, a artista optou pela inovação.
O mel de Are We There e Tramp foi parcialmente substituído pela crueza e o sufoco que a passagem para o mundo dos pianos e sintetizadores atribuiu ao som de Sharon. Com a ajuda do produtor John Congleton, a cantora criou à volta de Remind Me Tomorrow um ambiente caótico, direto; um álbum cujo objetivo nunca é parecer ou ser bonito.
Ao contrário de outros artistas do género, que tentaram, sem sucesso, o embarque por este novo tipo de som quando o indie mais soft começou a passar de moda, Sharon triunfou. Fosse o seu som uma peça de joalharia, a nova produção seria equiparável à aplicação de verniz cataforético, ou a um banho de ouro.
A intenção de Remind Me Tomorrow nunca foi ser um típico álbum de comeback, no entanto, funciona como tal. A Comeback Kid Sharon Van Etten já não tem dezassete anos. Está uma mulher – mais velha e mais sábia – e é intoxicante vê-la a apoderar-se dos seus talentos com a confiança e convicção com que o fez.
Adriana Pinto
The Dealer, Mr. Mojo
Com o ano ainda a começar não houve entradas suaves por parte dos Mr. Mojo; apresentando o seu primeiro álbum, intitulado The Dealer, o quarteto evolui numa aparente simplicidade.
Face ao seu EP de estreia, o homónimo de 2016, a banda transita de um stoner rock com influências punk para um punk com um cheirinho a stoner. A diferença pode não parecer grande, e a banda bracarense continua com a mesma identidade, mas há mais agressividade e revolta nas suas músicas. O mundo mudou nestes últimos dois anos e os Mr. Mojo transmitem as suas mudanças na sua música. Mesmo com temas mais calmos, como “Truth”, a insatisfação e revolta está assente no seu núcleo.
Surgido na contracultura e no underground, The Dealer é uma voz, é um conceito de mudança e de inconformismo. Contando com sete temas em pouco mais que 20 minutos, o álbum já foi apresentado na cidade natal da banda no passado dia 19. Depois de um videoclip para o single “Fuel“, lançado ainda no ano transato, seguem-se os concertos por anunciar e prevê-se um bom ano para o grupo de Braga.
Francisco Cardoso
Outros a destacar: Malibu Ken, Malibu Ken | The Wizrd, Future | Outer Peace, Toro y Moi
Séries
A Series Of Unfortunate Events
A série original da Netflix chegou ao fim com a sua terceira temporada. Ao todo foram 13 livros infanto-juvenis adaptados num total de 25 episódios.
A narrativa debruça-se sobre os orfãos Baudelaire, três crianças que perdem os pais num incêndio. Violet, Klaus e Sunny ficam a cargo de Count Olaf, um vilão com planos de ficar com a herança considerável dos irmãos.
Cada livro é adaptado em dois episódios, com a exceção do último, que tem apenas um. Os capítulos focam-se na tentativa dos orfãos escaparem de Olaf, enquanto são adotados por diferentes guardiões, quase todos incompetentes.
O valor de A Series Of Unfortunate Events reside na capacidade de provocar risos nas situações mais sombrias da vida dos orfãos, sem que estas percam impacto emocional. É, sem dúvida, dos contos mais pitorescos já apresentados em televisão.
Sex Education
A maioria dos pais deseja não ter “a conversa”, para evitar o constrangimento (vocês sabem qual é “ a conversa”). Mas Jean Milburn não é uma mãe qualquer. É uma terapeuta sexual, com um filho adolescente, Otis, e sem fronteiras no que toca a temas dessa índole.
Otis cresceu a ouvir conversas sobre sexo de forma crua, tornando-se quase um especialista no assunto. Mas só na teoria, porque na prática é um adolescente virgem com dificuldades em desenvolver a sua sexualidade.
Isso muda quando Otis conhece Maeve, uma rapariga do seu liceu que desperta algo nele. Para ganhar dinheiro, os dois abrem um consultório de terapia sexual ilegal para ajudar os colegas a ultrapassar os seus problemas.
Tal como Jean, protagonizada pela conhecida Gillian Anderson, a série também não tem tabus nem preconceitos, e, muito menos, pudor. Aborda realisticamente temáticas do espetro sexual, sem ignorar a forma estranha e desajeitada típica dos adolescentes. Não ignora temas mais controversos e delicados, como o aborto, nem esconde nenhuma parte do corpo.
As personagens da série, apesar de encaixarem dentro de estereótipos, vão para além deles, surpreendendo. Tal como Eric (Ncuti Gatwa) que brilhou na primeira temporada da série. Muito mais que o melhor amigo gay de Otis, Eric teve espaço para crescer, explorar os seus problemas e se aceitar.
O conceito e a era em que a série se insere é um bocado contraditória. O sotaque britânico contrasta com o liceu tipicamente americano e os telemóveis e restantes tecnologias não combinam com o aspeto da roupa, que relembra os anos 80 ou 90. Mas a estética da série só ganha com isso, com uma cinematografia agradável ao espectador.
É, certamente, mais uma ótima produção da Netflix, que já tem confirmada a sua segunda temporada.
Conversations with a Killer: The Ted Bundy Tapes
O charme é uma arma poderosa. Um sorriso meigo a melhor forma de desarmar alguém. Ted Bundy sabia usar os dois muito bem. A história do assassino que matou cerca de 30 jovens, na década de 1970, não é desconhecida do mundo. Este ano marca os 30 anos da sua morte, na cadeira elétrica. Para além deste documentário de quatro episódios da Netflix, vai também estrear um filme, protagonizado por Zac Efron. Ambos foram realizados por Joe Berlinger.
Este documentário é um aglomerado de informação em vários formatos que explicam de várias perspetivas as ações, motivações, a captura e condenação de Ted Bundy. Uma realidade surreal. Um documentário expositivo que não consegue ir muito para além das conclusões já obtidas. Fica a certeza de que, com a tecnologia da atualidade, o caso teria sido descoberto mais facilmente e a abordagem policial teria sido diferente. Talvez a psicopatia de Bundy tivesse sido melhor explorada, revelando as suas verdadeiras motivações, dando nome à “força” que se apoderou dele – segundo o mesmo.
Mas Conversations With a Killer conseguem tocar em outros assuntos delicados relacionados com o caso Bundy, tal como a pena de morte e a forma como os norte-americanos a encaram (no caso de Bundy, foi motivo para festejar, beber e até vender merchandise).
Os factos frágeis do caso são apresentados com uma ordem cronológica louvável e de forma simplista e holística. Em pouco mais de quatro horas, ficamos a saber tudo o que há para saber sobre Ted Bundy. Só não sabemos o que ele não contou.
Cristiana Rodrigues