Cultura

ORQUESTRA DE JAZZ DE MATOSINHOS & MANUELA AZEVEDO

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20:57: O palco está atrevido, com um nord e percussões variadas de onde se destaca um bombo gigante a acompanhar as 14 cadeiras da secção de sopros. A sala Suggia enche antevendo uma lotação quase esgotada e o ambiente, esse, cresce em espectativa. Isto porque uma diva Pop nacional junta-se à provavelmente mais reputada Orquestra de Jazz de Portugal.

A Orquestra de Jazz de Matosinhos, depois de colaborar com ícones do género como Lee Konitz ou Kurt Rosenwinkel, decidiu chamar um vulto de um Universo musical diferente, para alguns até incompatível com o jargão jazzístico. Que misturada sonora podia sair desta colaboração?

Chegando a hora, entra a Orquestra, sem a Manuela. Obviamente, para lhe fazer uma “intro” ao bom jeitinho da década de 20. A vocalista entra, claramente feliz, e canta com a voz processada. Começa assim este concerto, a piscar o olho à nostalgia e ao Duke Ellington.

Na segunda música a estrutura compõem-se, e tudo soa orgânico. As percussões e os teclados juntam-se no entretanto ao resto do conjunto que acompanha um trompete solista. As dinâmicas, bem arranjadas e floreadas, tornavam sedutoras e rectas as secções mais calmas da composição. É boa música de Big Band, com adornos cancioneiros: a receita mantém-se na base com condimentos diferentes.

O espectáculo foi um contínuo passeio por entre boas canções, bem trabalhadas para e pelos instrumentistas. Exemplo foi um cover dos Clã, “A Paz Não Te Cai Bem”, onde a linha de cravo é acompanhada por um fiel trompete e a vocalista canta com o igual ímpeto da versão original; uma doce balada de Rufus Wainwright ainda mais polvilhada pelos músicos; um “Chez Les Yé Yé” de Serge Gainsbourg com percussão proto-tropical, teclas aéreas e metais luminosos, entre outros variados momentos sonantes. Entre estes, destaque para um “I Am The Walrus” dos Beatles e um “Keep Your Eyes Peeled” dos Queens of the Stone Age.

Na primeira música, o elemento orgânico emerge particularmente à superfície: a ligação “Manuela Pop” e “OJM Jazz” é intensa. O arranjo dos sopros, dava camadas cada vez mais concisas e ao mesmo tempo mais atmosféricas à canção. A cereja no topo deste bolo foi um grande solo de saxofone barítono. Tudo funcionou nesta música, nenhuma ferrugem ameaçou esta engrenagem Manuela Azevedo/Orquestra – ou será Orquestra/Manuela Azevedo? Não têm valor: está-se a um terço do espectáculo e a expressão que permanece é simbiose.

Na segunda, este conjunto propunha-se a interpretar a Grande banda stoner americana da actualidade. Não podia ser mais insólito e, provavelmente para várias pessoas na sala Suggia, mais excitante. A música começa a arriscar pouco e demasiado colada à secção rítmica, mas, quando inicia a libertação das suas evaporações, todos os músicos reagem imensamente bem… Um saxofone barítono toca então a linha distorcida do senhor Josh Homme, a voz de Manuela começa a desprender-se e, não fazendo inveja a Homme (também vocalista), se calhar soltar-lhe-ia uns laivozinhos… E começa um solo de guitarra. O guitarrista e colaborador da OJM, André Fernandes, que tinha estado grande parte do concerto com uma postura reservada, era agora O stoner-jazz. Improvisando impunemente, tinha toda a aridez do deserto e o vocabulário de um Wes Montgomery. A secção dos sopros e o consequente arranjo mostra, aliás, esfrega na cara que sabe explodir. Entrando na Bridge da música, o contrabaixo sustém sinuosamente como o senhor Michael Schuman da banda original, os sopros aumentam a intensidade, Manuela berra… Mais uma vez, está lá tudo. A simbiose, permanente, está agora no nível Líquen (peço desculpa pelo snobismo científico, mas é a melhor metáfora que me ocorre).

Ainda houve tempo para uma versão muito carioca de “Ela é Dançarina” de Chico Buarque com a orquestra a manter irrepreensivelmente o balançar espectacular da bossa e onde se destaca um piano meiguinho. Acabaram com Jannelae Monae, antes de partirem para um encore onde “regurgitaram dois bombons” (palavras de Manuela Azevedo). Com ou sem suco gástrico, a plateia continuou gulosa até o final do espectáculo.

Ecléctica, super vibrante, energicamente moldável e plástica e ao mesmo tempo firme como rocha, esta colaboração teve o melhor dos dois mundos e foi o melhor mundo só. Dito.

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