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Cultura

FANTASPORTO: UMA VIAGEM PELO PASSADO

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“Estamos prontos, já trouxemos a máquina e os filmes”, foi o que começou por dizer Beatriz Pacheco Pereira. A cofundadora do festival contou que foi no “Fantas” que viu Blade Runner (1982) pela primeira vez, e não escondeu a ambição da organização. “O nosso objetivo é que saiam daqui com, pelo menos, um filme para a vida”.

Fugindo um pouco aos géneros cinematográficos mais fantasiosos no qual o festival se especializou, a pré-abertura ficou marcada pela exibição de um filme que expressa os desafios à modernidade que o Fantasporto se propõe a levantar. “Vai haver tempo para os gritos e para os arrepios. Hoje vamos ver um filme que se mantêm incrivelmente atual”. Segundo as palavras de Beatriz Pacheco Pereira, Easy Rider (1969) é uma obra que faz a plateia questionar o populismo dos mais importantes líderes mundiais.

Transmitido na passada noite de terça-feira, 19, para um Grande Auditório do Teatro Rivoli cheio de pessoas ansiosas por o (re)ver, o filme de Dennis Hopper relata a viagem de dois amigos. Ao volante das suas motas, Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) aventuram-se pelos territórios mais remotos dos Estados Unidos da América. O par de motards vai conhecendo variadas maneiras de viver e de interpretar o sonho americano; almoçam com uma família cristã que vive isolada numa quinta, passam alguns dias com uma comunidade hippie, e são insultados e agredidos por uma população que não tolera o que lhe é estranho. Como explica George Hanson (Jack Nicholson), o interior americano não aceita a liberdade que os protagonistas representam.

O filme recorre, muitas vezes, à subtileza para se expressar. Numa das cenas iniciais, Wyatt e Billy prostram-se à fogueira com o estranho que encontraram na autoestrada (Luke Askew). Eles conversam, sentados nas ruínas de uma casa abandonada. O desconhecido discute com Billy e diz-lhe que está em cima da sepultura dos antigos proprietários do terreno. É dos primeiros momentos em que o filme levanta o véu sobre o que esperar da viagem dos dois amigos – uma aventura por uma cultura decadente, morta e pisada.

Mas a viagem ao passado não terminou aí. Os “Fantas Classics” prolongaram-se até sexta-feira: houve direito a uma homenagem ao mestre Stanley Kubrick – poucos são os entusiastas de cinema que não possuem pelo menos uma das suas obras na lista de favoritos -, e cantaram-se os parabéns a Alien, filme de Ridley Scott que celebra 40 anos em 2019. As noites de quarta e quinta-feira foram dedicadas aos clássicos Shining (1980) e A Clockwork Orange (1971), respetivamente.

O uso de vermelho, azul e branco proeminente em The Shining (1980)

O uso de vermelho, azul e branco, cores proeminente em The Shining (1980).

Tal como Easy RiderThe Shining faz uma crítica à sociedade americana do seu tempo, apesar de mais subtil. O escritor Jack Torrance (Jack Nicholson) aceita um emprego enquanto guarda de Inverno do requintado e isolado Overlook Hotel, e leva a sua esposa Wendy (Shelley Duvall) e o seu filho pequeno Danny (Danny Lloyd) consigo. Logo depois de se instalarem, ficam presos dentro do espaço devido a uma tempestade de neve, e uma presença sobrenatural parece começar a tomar conta de Jack, que gradualmente escorrega na loucura. Ao longo do filme, o desmantelamento da sociedade americana é feito de forma direta, através do discurso, e indireta, através da imagem, com o recurso ao vermelho, ao azul e ao branco – em especial nas cenas mais violentas.

Dada a sua versatilidade, Kubrick nunca teve medo de embarcar por diferentes géneros, mas a representação de temáticas consideradas pesadas encontra-se em vários deles. A Clockwork Orange, para além de não ser exceção, é, provavelmente, a película mais representativa disso mesmo. Numa Inglaterra futurística, Alex DeLarge (Malcolm McDowell) e o seu gang de “drugues” passam as noites a matar, roubar e violar pela cidade, até o líder ser capturado pela polícia e levado para a prisão. Para tentar sair mais cedo, Alex submete-se a um rígido e controverso processo de reabilitação para mudar o seu comportamento. Depois de terminado, volta para o mundo real e tem de lidar com as consequências do seu passado.

Dada a sua explícita ilustração de atos de violência, aquando do seu lançamento, chegou a ser proibido em bastantes países, dentre os quais Portugal. É através desta ilustração que o filme retrata os lados mais escuros e profundos da natureza humana, e levanta questões morais que continuam a ser cruciais no mundo atual.

Malcolm McDowell, ator principal de A Clockwork Orange (1971).

Malcolm McDowell, ator principal de A Clockwork Orange (1971).

Para acabar os “Fantas Classics” em grande, sexta-feira, dia 22, foi dia de ver Alien (1979). No espaço, a tripulação da nave espacial Nostromo acorda do seu “cryosleep”, a meio da sua viagem, para investigar um pedido de socorro vindo de um planeta deserto. O terror começa quando, ao lá chegar, essa mesma tripulação encontra um ninho de estranhos ovos, e um organismo sai de um deles, agarrando-se a um dos tripulantes. Este é o primeiro filme daquela que se viria a tornar uma das franquias mais bem-sucedidas da história do cinema, e, até hoje, continua a ser uma referência na produção de ficção científica em Hollywood.

Todas as películas escolhidas pela organização elucidam a postura do festival perante o passado e o presente. O Fantasporto não está fechado no ano de 2019. Olha para trás com respeito pelos clássicos ao mesmo tempo que se mantém atento aos desafios da vida moderna.