Cultura
O ALUCINANTE MUNDO IMAGINÁRIO DE PAULA REGO CHEGA A VILA NOVA DE GAIA
A exposição encontra-se dividida por três salas, onde as duas primeiras vêm retratar dois momentos distintos e decisivos da vida da artista – os anos 1980 e 90 – onde é possível denotar uma evolução do modo de pintar da artista. Sucessivamente a estas, temos um capítulo diferenciado relativo à História de Peter Pan contada aqui sob o ponto de vista de Paula Rego, realçando o lado negro da história, repercutindo momentos da sua própria vida nestas telas.
Resultante de uma parceria entre a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia com a Fundação Casa das Histórias de Paula Rego, a Câmara Municipal de Cascais e a Fundação D. Luis I, associados com a curadoria de Catarina Alfaro, especialista no património de Paula Rego, surge-nos uma exposição única, mentalmente desenhada pela curadora em função do espaço e do tempo disponíveis. Citando a vereadora do pelouro da Cultura e Programação Cultural da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Paula Carvalhal, que esteve à conversa com JUP:
“é uma honra para nós receber esta exposição de 60 obras da artista. Temos que agradecer à fundação, e à curadora em particular, dada a sua atenção e cuidado na seleção das obras, permitindo ao público observar a evolução e o percurso de Paula Rego, bem como a influência da sua vida pessoal na sua obra.”
Pretende esta exposição contar mais uma história, tal como a pintora nos tem habituado ao longo da sua carreira. Paula Rego é, através de uma linguagem figurativa que lhe é tão particular, uma “contadora de histórias”, como refere o livro criado no âmbito da exposição. Com inspiração desde os assustadores – como a artista os descreve – contos tradicionais portugueses aos contos de fadas, ou dos romances da literatura portuguesa e inglesa às peças de teatro, nomeadamente as produzidas pelo seu marido, ou mesmo no cinema de Walt Disney, Paula Rego transmite-nos o seu mundo imaginário através da pintura, onde se recolhe e isola, com a vivacidade e solidez que lhe é característica.
“Não é excessivo reforçar o meu sentimento de orgulho. É a primeira vez que aquela que é hoje considerada a pintora portuguesa mais aclamada a nível internacional está na nossa cidade com o seu trabalho e, por isso, antecipo um enorme sucesso para este período!”
Eduardo Vítor Rodrigues, Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia
(retirado do livro da exposição)
Os Anos 80
Composta por 14 obras, esta sala reporta à expressão artística da pintora na década de 1980, período este que marcou Paula Rego por uma busca pela liberdade expressiva, repercutindo-se este sentimento no universo complexo e ambíguo narrativo que a pintora nos transmite pelas suas obras. Com uso recorrente à cor, retrata animais com qualidades e comportamentos humanos, envoltos em situações peculiares e de certo modo dramáticas, num ambiente pleno de frescura e humor, para que dos mesmos se retirem ensinamentos e modelos civilizacionais.
Não há, nestas obras, lugar para a separação moderna entre humano e animal, civilização e selva ou cultura e natureza; a artista recorre à natureza animal para despir as narrativas de qualquer sentimentalismo redutor.
“Faço os bonecos e tenho um prazer imenso quando tenho o pincel na mão: eles são feitos de papel, no chão, como quando uma pessoa é pequenina. São feitos com um pincel muito grosso, molhado em tinta preta. E estou a desenhar no chão, os desenhos vão aparecendo no pincel, o desenho arrasta, puxa o boneco. E às vezes, começo por um gesto – por exemplo, um macaco está a fazer qualquer coisa ou está com um pau na mão – e depois o resto do bicho vem atrás.”
Paula Rego (retirado do livro da exposição)
Os Anos 90: Paula Rego, A Caçadora Furtiva
A vida de Paula Rego sofre grandes mudanças nos anos 90, refletindo-se através das 25 obras expostas nesta sala. Este período ficou marcado pelo seu reconhecimento no mundo artístico londrino, com a passagem da artista pela National Gallery, em Londres, onde a pintora tem um mural que ainda lá se encontra. Realça-se nele uma alusão bastante comum nas suas obras ao “típico português” através do uso das cores, os azuis, brancos e castanhos nos prédios, ruas e chafarizes, referenciando os azulejos. O estudo para o mural encontra-se nesta sala de exposição.
A sala é caraterizada pelo uso de tonalidades neutras, mais escuras, salientando estas obras as diversas depressões, e fases das mesmas, que a artista sofreu. Com foco na vida da pintora, como a relação e a morte da mãe e do marido, a forma como a artista reagia a esses acontecimentos, a igualdade entre géneros, os diversos contos tradicionais e populares portugueses, contados sob o seu ponto de vista mais negro (como em ‘Bruxas Nas Suas Feitiçarias’), a doença e outras vivências da artista compõem esta sala da exposição. Este é o segundo passo em direção à ala mais negra da exposição: a Peter Pan.
Peter Pan
Aos dois capítulos anteriormente vistos sucede Peter Pan, instalado na sala negra da sala. Esta é dedicada a uma das mais significativas séries da obra gráfica de Paula Rego, composta por 21 gravuras a água-forte, concebidas em 1992, relativas à história de Peter Pan, um menino que se recusava a crescer e que vivia numa ilha supostamente paradisíaca.
Esta sala conclui a exposição pois a mesma condensa todo o imaginário infantil tão típico e observável nas obras de Paula Rego, recriando um mundo de fantasia, de faz-de-conta, num cenário quase idílico de uma ilha com vegetação luxuriante. Mas tal cenário não é tão perfeito quanto parece dadas as perigosas criaturas, os inimigos e o Capitão Gancho que ali assustam os meninos e com quem muitas vezes se envolvem em lutas. Há uma reminiscência ao mundo de infância da artista na realização desta colectânea, momento esse que a mesma nunca abandonou e que tanto influência a sua determinação criativa na construção de um território figurativo único.
A artista conta-nos uma história não tão mágica como a contada pela Disney, focando-se na sua parte negra, repercutindo, uma vez mais, a sua vida na própria história. Exemplo disto é o quadro “A Canção de Wendy”, uma tela caraterizada pelo uso de tonalidades vermelhas e escuras, transmitindo uma ideia de tristeza, retratando os diversos abortos que a própria pintora teve. Na obra, Wendy está grávida e no plano de fundo observam-se vários bebés ensanguentados. O uso e o maltrato da criança também é objeto de referência ao longo da exposição, através da figura do Capitão Gancho.