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Cultura

FILM SYMPHONY ORCHESTRA: UMA AULA DE CINEMA ATRAVÉS DA MÚSICA

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Cinema é a sétima arte, a junção de todas as expressões artísticas, e definitivamente uma das mais aclamadas e populares do mundo. Mas bom cinema envolve muito mais do que um enredo bem escrito e bons atores; a mágica acontece nos detalhes. Uma banda sonora que dê significado e emoção ao filme é o segredo dos clássicos das telonas. E foi com isso em mente que em Espanha, em 2011, nasceu a Film Symphony Orchestra (FSO), a primeira orquestra sinfónica europeia especializada em músicas de cinema.

Liderada por Constantino Martínez-Orts, o internacionalmente premiado maestro, a FSO conta com 80 músicos profissionais e tem a intenção de aproximar a música sinfónica da sociedade através de uma ligação tão universal como o cinema.

Pela primeira vez fora da Espanha, onde é altamente prestigiada por gerações, a FSO veio a Portugal exibir o que vai além de um concerto. No Coliseu Porto Ageas, em uma digressão que presta homenagem ao multipremiado e aclamado compositor John Williams – considerado um dos melhores na área cinematográfica -, a FSO emocionou na noite deste domingo. Assinalando o 50º aniversário da sua primeira nomeação aos Óscares, foram apresentados, em duas partes, grandes títulos da sétima arte da autoria de Williams.

Fãs de filmes imortalizados por suas bandas sonoras, como Star Wars, exibiam suas t-shirts na sala de espetáculos. Foi possível ver até crianças fantasiadas de Harry Potter, com suas varinhas e capas – filme com uma ligação muito forte com a cidade do Porto.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.

Com um figurino de chamar atenção, todos os músicos, vestidos de preto, exibiam os detalhes que o costureiro espanhol Jaime Suay – do programa televisivo “Maestros de la Costura” – criou em uma coleção exclusiva para a FSO. As mulheres usavam vestidos drapeados com cintos metálicos e os homens vestiam paletós com mangas alternadas, uma preta cintilante e outra com bordados prateados, remetendo a um ar futurista.

Constantino levou a plateia aos extremos, com palmas e gritos de bravo ao fim de cada música, mas também com recurso a silêncio e contemplação em trechos mais emocionais – como se verificaria mais tarde na apresentação do tema de Lista de Schindler.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.

Do começo ao fim do espetáculo, em um português muito eloquente e bem-humorado, o maestro espanhol se esforçou para se fazer entendido pela audiência. Explicando cada uma das peças antes de as tocar, Constantino aproximou mais ainda o público, contextualizando e levando a experiência aos mais altos níveis.

O concerto iniciou com a fanfarra espetacular e inimitável da 20th Century Fox, e logo após passou-se para o tema dos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984 – descrito pelo maestro como um sublime hino de solidariedade ao desporto e aos heróis olímpicos. Com suavidade, a música deu um exemplar do que seria o restante do espetáculo.

Com um jogo de luzes impressionante, que intensificava as sensações durante o concerto, a música a seguir foi dos créditos iniciais do filme Apanha-me Se Puderes – dirigido por Steven Spielberg e estrelado por Leonardo Di Caprio e Tom Hanks em 2002. Com uma sequência de notas rápidas e escorregadiças, Williams conseguira, ao escrever a banda sonora, replicar a tensão que os movimentos de Di Caprio sugeriam. Uma nota, um passo, duas notas, dois passos, corrida e parada. O estalar de dedos da orquestra complementou a sonoridade, criando uma áurea de suspense em uma interpretação com maestria.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.

A terceira música foi o tema de Tubarão, também dirigido por Steven Spielberg, e que rendeu a John Williams seu segundo Óscar. Considerada por Constantino como “a definição da música de Williams”, a banda sonora para o suspense é um jogo. É dada ao telespectador uma informação que o protagonista não sabe, duas notas que são uma manipulação, que brincam com o plano contra-picado e elevam a tensão. No concerto, luzes vermelhas são usadas para aumentar as correlações com o sangue e o medo.

Depois viajamos até ao Japão com a interpretação de Memórias de uma Gueixa. Lembramos de Sayuri, sua bela transformação e amor. “A Valsa do Presidente”, a composição agridoce que se serve do violino para representar o presidente e usa o violoncelo para representar a senhora e sua sensualidade, evoca duas pessoas apaixonadas, retratadas em uma sinfonia.

A música seguinte foi composta por fragmentos de Encontros imediatos de 3° Grau, primeiro filme em que os seres extraterrestres foram tratados como amigáveis. Cinco notas que fizeram a história da ficção-científica. A música decorre como se as notas fossem cumprimentos dos ETs. No começo, ouvimos dois minutos somente de “textura musical” com uma comunicação falha entre os extraterrestres e os humanos. Após isso, essa comunicação torna-se mais fácil de “compreender”. Como dito por Constantino, a composição permeia desde o pós-romantismo até o expressionismo. Numa explosão de suavidade, os músicos se apressavam ao passar as páginas das partituras e manter o ritmo harmonioso, desvendando os mistérios do universo em uma composição.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.

Vamos depois até à Guerra do Vietnã para ouvir a suíte de Nascido a 4 de Julho, uma composição em volta da tragédia vivenciada por Ron Kovic, interpretado por Tom Cruise. Descrito por Constantino como um dos momentos mais intensos do concerto, o doloroso solo, que evoca diferentes estados de espírito, do trompete foi interpretado em pé por um músico no meio da orquestra. Luzes vermelhas e azuis lembraram as cores da bandeira norte-americana.

Seguimos para Hook, com luzes verdes e toda uma magia em torno de Peter Pan a surgirem no palco. A interpretação de Voo até à Terra do Nunca, uma banda sonora brilhante e lindíssima, carrega fantasia e mágica dignas da Disney. O maestro pediu que fechássemos nossos olhos e nos deixássemos levar pela melodia, mas que também os mantivéssemos bem abertos para ver a orquestra interpretar a canção.

Constantino transparecia paixão pela música com cada sorriso e gesto. Um verdadeiro “ballet gestual”, com uma delicadeza que impressionava mediante a precisão dos movimentos.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.

Vamos agora até 1982, ano que John Williams recebeu a “tripla-coroa”, expressão utilizada para caracterizar um artista que é premiado com um Bafta, um Globo de Ouro e um Óscar em um mesmo ano. Ouvimos e flutuamos em outro voo magistral, neste caso em uma bicicleta, com crianças e um ser simpático em busca de sua casa. Uma das melodias mais memoráveis do cinema, o tema de E.T.: O Extra-terrestre é esplendidamente bem executado e rememora lembranças de infâncias e adolescências em muitos dos espectadores.

Chegando ao fim da primeira parte, ouvimos o tema de Parque Jurássico, também dirigido por Steven Spielberg, grande amigo de Williams. A icónica trompa com quatro notas repetidas dá lugar a uma brutal fanfarra com trompetes que diz ao ouvinte “Welcome to Jurassic Park”.

A viagem continua com o tema de Harry Potter e a Pedra Filosofal, para o delírio do público portuense. O mundo de Hogwarts é introduzido com o tema de Edwiges, a coruja do bruxinho. Ouvem-se duas melodias centrais que quase imitam o som do seu bater de asas. Depois temos o tema da Nimbus 2000, vassoura de Harry. Nada mais característico desse mundo de feitiços do que corujas e vassouras, não?

A primeira parte do concerto finaliza e o maestro informa aos espectadores que há um concurso para concorrer a uma viagem a Hollywood com um acompanhante. Bastava baixar a aplicação da Film Symphony Orchestra em seus telemóveis para poder ganhar o prémio. Na segunda parte do concerto haveria uma sinfonia de cem segundos com dez melodias de filmes, pondo à prova os apaixonados por cinema, que deveriam acertar de quais filmes eram as melodias enquanto fossem tocadas.

No intervalo, víamos os espectadores claramente animados saírem de suas cadeiras para um lanche, ou até mesmo para tirar dúvidas com os funcionários do Coliseu acerca do concurso. Sorrisos nos rostos demonstravam a satisfação com o concerto, que ainda teria muito a proporcionar.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.

A segunda parte se inicia em 1972 com os western movies. A abertura de Os Cowboys joga com as luzes, que novamente fazem um excelente trabalho ao completar a atmosfera em torno do palco.

A segunda música a ser tocada resultou num dos momentos mais impactantes do concerto. Constantino apresenta ao público o tema da Lista de Schindler, filme no qual Spielberg retrata com elegância a dureza das imagens do holocausto. Constantino conta uma breve história sobre a composição do tema. Quando Spielberg ao finalizar a edição do filme, o exibe para John Williams, sem banda sonora alguma. Williams fica atónito pós-exibição e diz não ser capaz de compor algo para o filme. Spielberg diz-lhe que realmente ele não era o melhor, porque os melhores estavam todos mortos, então atualmente ele seria a pessoa ideal para aquela designação. Assim, Williams compôs esse lamento doloroso que lhe rendeu um Óscar.

Todo o público se emocionou com a interpretação feita por Manuel Serrano Lledó, concertino da orquestra dotado de um talento impressionante. Ao final, palmas comovidas do público e “batidas” com as varinhas dos músicos sobre as partituras respaldam a execução. O maestro, visivelmente emocionado, também declara “the show must go on” e segue o programa do concerto para a próxima música.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.

“A Dança do Diabo” de As Bruxas de Eastwick, de 1988, é uma marcha diabólica que tem originalidade em seu cerne. O uso dos sons dos trombones e de instrumentos inusitados como a matraca gera um ambiente enfeitiçado. A passada e aproximação das bruxas é perceptível com a tempestade de instrumentos de metal, para representar as trovoadas. A melodia tem uma sequência envolvente; até as crianças presentes brincavam com os dedos como se fossem pequenos maestros a coordenar a orquestra.

Em seguida, vamos a 2004 com Terminal de Aeroporto, história interpretada por Tom Hanks. O filme baseia-se no caso real de um homem iraniano que ficou preso em um aeroporto de Paris por 18 anos, até 2006, ano em que finalmente saiu. O flautista brinca com as notas num compasso alegre e saltitante – como a personalidade do personagem de Tom Hanks -, até que vem ao centro do palco e performa seu solo acompanhado do resto da orquestra.

Posteriormente, temos fragmentos de Um Violino no Telhado, de 1972. A versão original não foi composta por John Williams, mas ele ganhou um Óscar por melhor adaptação musical. A composição é uma alegoria alegre, linda de ser assistida e ouvida. O maestro fecha os olhos por alguns instantes para apreciar o solo de violino do concertino Manuel Serrano Lledó, que finaliza com os gritos de bravo da plateia.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.

Seguimos para uma das bandas sonoras de maior identificação do cinema, “Raiders March”, de Indiana Jones. Todo o espírito aventureiro do herói e seu relacionamento com Marion são retratados nessa música. Continuando com os heróis, vamos até a clássica marcha do Super-Homem.  Inicialmente, Jerry Goldsmith foi cotado para compor o tema, mas devido a conflitos de agenda não pôde continuar. John Williams então assumiu o papel e realizou o mítico tema, que empodera milhares de crianças até os dias de hoje.

Chegando ao fim da noite, Constantino declara que tudo que é bom acaba em certo ponto. A plateia lamenta e se prepara para ouvir a última banda sonora, a boda das bodas, o tema de Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança. “Sala do trono” e os créditos finais são tocados e aplaudidos de pé por longos minutos pelo público. Constantino agradece e sai do palco, porém as palmas continuam em todo o Coliseu.

O ápice da noite vive-se quando Constantino retorna para um bis com “Marcha Imperial”, o tema de Darth Vader. As varinhas dos músicos se transformam em espadas – com luzes de LED verdes, azuis e vermelhas a adicionar ao espetáculo visual -, e a orquestra brinca entre si como personagens do filme.

O espetáculo encerrou com “Cantina Band”, música alegre e despojada. Com os músicos de pé, a dançar e tocar como em uma grande festa, confetes prateados são disparados sobre a orquestra, finalizando uma grande noite. A plateia aplaudiu e bateu os pés no chão como mais uma forma de reconhecimento. Diversão foi a palavra para o espetáculo.

Fotografia: Maria Vilela.

Fotografia: Maria Vilela.