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PEIXE E FRANKIE CHAVEZ LEVARAM A CASA DA MÚSICA ATÉ MIRAMAR

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A música foi um pretexto. Miramar uma vila com os pés na areia. Uma amizade construída a doze cordas. Miramar: música, mar e amizade. A combinação é simples, mas Peixe, eterno guitarrista dos Ornatos Violeta, e Frankie Chavez, senhor do surf em estado sonoro, criam em guitarras uma experiência que vai além do musicalmente descritível.

Os dois músicos começaram por unir forças para o festival Guitarras ao Alto; os ensaios para os três concertos foram passados na vila, onde, ao longo de uma semana, “tocávamos durante o dia e, à noite, depois de jantar e de uns copos, íamos ouvir o que tínhamos andado a fazer e pensámos «isto ’tá muita bom, estamos a gostar imenso disto, vamos ter que gravar isto»”. Assim nasceram o projeto e o álbum Miramar. “Isto foi em maio [de 2017], fizemos os concertos em julho, mais um em setembro, gravámos em janeiro, e um ano e tal depois estamos na Casa da Música”, explica Frankie Chavez, no camarim, já depois do concerto de apresentação no Porto.

Peixe e Frankie Chavez. Fotografia por Inês Loureiro Pinto.

A sala 2 da Casa da Música está a uns quase 20 quilómetros da pequena vila de Miramar, em Gaia, mas esta noite as distâncias encurtam-se. Peixe e Frankie ocupam os seus lugares no palco, um em frente ao outro. “Pine Trees” arranca sem pedir desculpa aos aplausos que interrompe. A luz incide neles ao mesmo tempo que não o faz: a boina e o chapéu escondem as caras dos músicos – propositadamente – e voltam os olhares para onde a atenção dos ouvidos se centra: as guitarras.

Atrás dos músicos, projetam-se cenas campestres, dias de sol, flores, o vento a bater nos arbustos, expressões de felicidade. Projeta-se o que se imagina de tempos que não estes, onde o tempo não se conta como o nosso e os dias passam com calma. Estas imagens curadas por Jorge Quintela ajudam a pintar o ambiente sonoro criado “em dois dias” numa casa em Miramar.

Em “I’m Leaving”, primeiro single do projeto, lançado no ano passado, Frankie deita a guitarra no colo; esta noite, é ela quem canta. O debruçar sobre os instrumentos é natural, na falta de pressa de quem não está a pensar na gravação mas na qualidade da música que enche e eleva álbuns; parece que estamos em Miramar. Peixe faz caretas a cada acorde arrancado das guitarras: entre a clássica e a elétrica salta contente, ou “com pica”, como define depois ao JUP. Agradece sem precisar de microfone, parecendo espantado pelos aplausos.

Quando chega “Nazaré”, a Casa da Música está à beira-mar. Na tela, passam imagens monocromáticas das ondas tenebrosas mais famosas do mundo. Ondas sonoras de 30 metros parecem assolar a Casa da Música através das guitarras. A meio de uma, o mar soa forte demais: “foi o cabo?”, pergunta Peixe ao sentir a guitarra de Frankie a falhar. “Já há bocado estava a stressar. Precisamos de um novo”.

Peixe sente-se obrigado a fazer uma conversa tão imprevisível quanto a mudança de cabo. “Isto foi só um pretexto para dizer boa noite”, brinca. “Não era previsto falarmos nesta parte; não por não sermos simpáticos – eu, especialmente, sou muito -, mas por uma razão estética”. O público parece gostar tanto do sentido de humor do guitarrista quanto da sua música. “Isto é a lei de Murphy”, lamenta, mas “também isto estava formal demais para a apresentação de um disco”.

Frankie tenta falar mas nem o microfone funciona. “Nada funciona daquele lado”, volta Peixe à carga, desta vez para elogiar o músico à sua frente. Frankie ainda grita: “eu queria dizer o mesmo dele, mas não se ouve”. Peixe continua e diz que não tem palavras para descrever o que sente ao estar naquele palco. “Agora já não tenho mesmo mais palavras”, brinca enquanto o problema do cabo é finalmente resolvido do lado direito do palco. Voltamos a mergulhar na música e no mar da “Nazaré”. Segue-se uma jam à moda do processo de criação em Miramar.

O concerto corre a um ritmo enganosamente rápido para o público. No palco, parece não haver tempo: os guitarristas partilham acenos cúmplices, como quem diz “isto está a acontecer, estamos a ir bem”, ou, como admitem já no camarim, “o que é memorável são os concertos, não os ensaios, e por uma razão”.

Estamos próximos do fim e há conversa imprevista de novo, desta vez por Frankie Chavez: “cabe-me a mim agora dizer olá. Resta-me só dizer que é uma honra estar aqui no Porto. Já sou fã deste gajo há muito tempo, e poder estar hoje na cidade dele a tocar com ele é muito importante”. Os músicos estão quites e partem para o encore, que conta com uma readaptação de Carlos Paredes.

A viagem até Miramar acaba em acordes sofridos. Peixe e Frankie terminam ao mesmo tempo, abraçados às guitarras, numa meia vénia um ao outro, selada a um sorriso cúmplice – o mesmo que têm quando brindam no camarim: “fuck yeah, fizemos isto”.

Peixe e Frankie Chavez. Fotografia por Inês Loureiro Pinto.

Esta foi a primeira apresentação de Miramar. A dupla ainda visita Lisboa (dia 26 de março, no Teatro Villaret) e Coimbra (a 30 de março, no Salão Brazil). Quanto à paragem que se segue no calendário, Frankie faz notar que vai ter que ser Peixe a lidar com a espera; o caminho até ao camarim é cruzado por família e amigos do portuense, que fazem questão de o felicitar. Também Elísio Donas e Nuno Prata, outros quintos dos Ornatos, aparecem.

“É incrível o que uma pessoa faz quando está entusiasmada… O entusiasmo move montanhas”, reflete Peixe, já no camarim, descalço e refrescado. “Criatividade é importante, talento é importante, mas o entusiasmo é o que faz a diferença. Está a dar pica, um gajo faz. Não está a dar pica, um gajo não faz – simplificando muito a vida”.

Parte importante desta força dupla chamada Miramar são o talento, a criatividade e o entusiasmo, mas também a amizade: “acho que o facto de nós nos termos dado bem musicalmente e como pessoas conta muito. Se nós não nos déssemos bem, a música não iria fluir tão bem”, explica Frankie. “Volta não volta, eu estou a fazer qualquer coisa na guitarra e penso, «isto era lindo para Miramar». Gravo a cena no telemóvel e mando para ele, o que leva a crer que Miramar vai continuar”. A química entre os dois é palpável dentro e fora do palco.

O fator palco também acrescenta à música, segundo Peixe: “por um lado, é altamente inspirador, porque é naquele momento que faz sentido; é quando estás a comunicar, que é o propósito principal da música. Dá mais adrenalina, dá muita mais vontade de tocar. Por outro lado, é uma grande responsabilidade, sentes-te observado, estás em xeque”, conta o guitarrista ao JUP.

De Miramar ao Guitarras ao Alto, do concerto na Casa da Música até onde Miramar os levar, os músicos estão certos de que não ficam por aqui.

“Eu sinto que a música é uma aprendizagem constante. Uma das coisas que mais me motivam é que estamos sempre no início de uma estrada. O caminho é infinito na música e na criatividade. Eu acho que ainda nada foi feito e isso dá-me uma pica do caraças, há tudo para fazer e para descobrir”, reflete Peixe.

A aprendizagem, em Miramar, é feita a dois; as criações que acabaram no álbum final são tanto rascunhos esboçados por Frankie ou por Peixe e terminados em conjunto. Peixe continua o discurso de admiração que começou no concerto: “eu estou sempre a aprender, e é evidente que estar a tocar com o Frankie é um estímulo do caraças. Esta guitarra é acústica, como é que soa tão bem nas mãos dele? Ele saca um som fora de série”. Frankie sorri e retribui: “O que ele meteu nas minhas músicas eu senti que as levaram para outro lado totalmente diferente, fê-las crescer. É muito estimulante ter alguém que consegue acrescentar alguma coisa a algo que eu pensava estar feito”.

As guitarras descansam, ao alto, mas não tardarão a ser pegadas para mais sessões de aprendizagem e ligação através da música. Como define Peixe, e bem, “enquanto estivermos entusiasmados, vamos mover montanhas”.

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