Cultura
VIVARIUM FESTIVAL: O FLUTUAR INCERTO DE TIM HECKER
A sala do Cinema Passos Manuel encontra-se repleta de fumo. Seis velas adornam um palco relativamente despido. No canto direito, vê-se uma mesa de mistura cheia de pequenas luzinhas verdes e uma amarela que pisca incessantemente. Essa luz amarela está tão distante do centro que facilmente poderia passar despercebida à maior parte das pessoas sentadas no auditório. Mas, perante a harmonia que as velas tentam criar, ela parece trazer consigo uma certa sensação de inquietude. Não deixa de ser uma observação engraçada; Tim Hecker sobe ao palco daqui a cinco minutos, e vai colocar a harmonia e a inquietude em choque.
A música de Tim Hecker situa-se numa linha ténue entre a claustrofobia e a libertação. Em noite de encerramento da segunda edição do Vivarium, o canadiano convida-nos a atravessar e desconstruir essa linha as vezes que forem precisas. Em palco, só se vêem vultos do músico: com um cenário minimalista e evocativo detrás de si, Hecker quer-nos completamente imersos nos sons que irão ocupar o Passos Manuel durante os próximos 50 minutos.
Esses sons desfazem-se em paradoxos. Com as suas composições, o artista desenha imagens que são ao mesmo tempo libertadoras e caóticas. Hecker hipnotiza-nos e pede para flutuarmos com ele, mas não promete que a viagem seja pacífica. Somos convidados a escalar, mas há sempre o risco de cairmos com violência no chão.
Konoyo, o seu trabalho mais recente, respira muitos desses paradoxos. “This Life” – o tema que abre o disco e que iniciou também o espetáculo – quase podia funcionar como um resumo daquela que é a identidade artística de Tim Hecker: eletrónica voltada para o minimalismo e o noise, que nasce do transtorno e se revolta contra ele.
Em concerto, como no álbum, as texturas sonoras que Hecker cria traduzem-se num estado de incerteza e confusão. O canadiano parte em busca de um lugar seguro, por mais que não saiba que lugar é esse. A sua exploração faz-se nas alturas, mas também se faz no interior. Hecker procura um espaço para respirar; quer liberdade, e liberdade requer abrasividade.
O “obrigado” abrupto que murmura depois de as ondas de som se dissiparem é como um descer violento à terra depois da grande viagem. Não deixa de ser humorística a maneira como o músico sai das sombras, esse refúgio onde esteve todo o concerto, para dizer uma mera palavra e desaparecer de vez. E adequa-se: Hecker já se habituou a brincar com os improváveis e a juntar os opostos. Não estranha que tenha sido convidado para colocar um ponto final na segunda edição do Vivarium. O festival interdisciplinar voltou a cruzar expressões artísticas e a relacionar discursos com os olhos postos no futuro e com uma grande disposição para viajar.
Nota: não foi permitido fotografar durante o concerto.