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Cultura

VAGA CARNE: UM DIÁLOGO “DE DIFERENTE PARA DIFERENTE”

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Grace Passô tem uma obsessão por “situações estranhas”. A artista nascida em Belo Horizonte, no sudeste do Brasil, gosta de encontrar “espaço para alçar voos poéticos”, ou seja, de recorrer a diferentes estratégias para que “uma certa noção poética do texto chegue a quem o ouve”.

O que o público ouve em Vaga Carne – espetáculo inserido no Foco Brasil do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) – é uma voz que, conta a criadora, “atravessa coisas, vasculha corpos”. Os problemas explorados na peça surgem quando essa voz “resolve, pela primeira vez, invadir um corpo de mulher”.

A dramaturga e intérprete interessa-se muito por “jogos conflituosos entre o que se diz e o que se faz” e, ao mesmo tempo, usa esta “situação estranha” que cria em Vaga Carne para refletir sobre questões identitárias. A voz, afinal de contas, descobre que entrou num corpo que “é visto pelo ‘outro’, cria relações com outros corpos”.

O que Grace Passô tenta fazer é, como diz no palco, “dialogar de diferente para diferente”. A artista recusa-se a ser apenas “a imagem que o ‘outro’ quer ver”; em vez disso, procura espaços para se exprimir e se descobrir a si mesma.

É claro que, conforme a atriz salienta, a “necessidade de existir perante a sociedade” faz com que as construções identitárias sejam “permeadas por muitas contradições”. Isso leva a que diferentes camadas de subjetividade existam em Vaga Carne: a peça tanto pode debruçar-se sobre “o corpo se imbuindo de discurso” como sobre “o corpo tentando se construir socialmente”, que acaba sendo rejeitado por essa sociedade da qual quis fazer parte.

É por causa do peso da rejeição e da exclusão que o texto de Grace Passô assume contornos profundamente provocativos. “Será que devo falar mais baixo?”, questiona-se a voz invasiva e incómoda, que só pode mesmo ser invasiva e incómoda se fecham portas ao corpo em que entrou.

O que fascina e inquieta em Vaga Carne é que a voz é usada para trabalhar o silenciamento. A auto-censura e a desinibição fazem parte de uma obra que enfatiza a complexidade das questões de identidade e que mostra que, no mínimo, é urgente falar muito mais alto, de diferente para diferente.

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