Cultura

JUP RADAR: ANDRÉ, ARIES OU “SIM, ESSE MÚSICO DAS RUAS DO PORTO”

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Aos 26 anos, André é também Aries, e é ainda uma cara e uma sonoridade conhecida de todos os que deambulam pela Invicta. Dez anos depois de começar a “dar uns toques na guitarra”, o artista atreve-se a mostrar o seu outro lado e, na noite de 24 de maio, contou-nos uma história no Hard Rock, sob a forma de The Other Side. No dia seguinte, ainda na ressaca de uma “noite maravilhosa; nervosa, mas maravilhosa”, voltou ao seu melhor palco: a rua. Momentos antes de montar todo o estaminé que um músico carrega às costas, André relembrou ao JUP que a rua é uma escola, que a música é amor e que ainda está apenas no início.

Estamos a falar do outro lado de quê? Ou de quem?

O The Other Side mostra um pouco do meu lado mais sentimental. Um lado que dá mais atenção à letra, às histórias que a música conta. Nem toda a gente conhecia essa minha faceta e este EP é um passo que eu achei importante dar para o revelar.

Qual é a diferença entre o André e o Aries?

Há várias diferenças, mas é sempre difícil explicar. Nem toda a gente que conhece um, conhece o outro. O Aries é uma pessoa mais séria e o André é a parte divertida. O Aries é o compositor das músicas, e o André é uma pessoa muito quotidiana.

Talvez aquilo que fique de mim, a quem passa por mim – e me ouve, enquanto músico – é a vertente pesada e melancólica das minhas letras. E com devida razão, porque elas não são propriamente alegres. Mas aquilo que o Aries quer é contar histórias – e prefere-as sentimentais e em acústico. O que não significa que o André não vá sair e rir e divertir-se com amigos, claro.

“Toda a gente ouve música. E é por isso que toda a gente gosta de música”, explica André, ao defender a sua premissa universal. Mas nem sempre gostar envolve precisar. Aos 16 anos, a vontade e o querer fizeram-no aprender sozinho e, quando deu por si, “a música salvou-me”. O rapaz que se alimenta de grandes nomes como Damien Rice, Glen Hansard ou Chris Stapleton era um aluno do secundário que – como tantos – “estava completamente perdido”. Mas a música tinha o poder de o deixar frenético, e a rua tornou-se o palco da experimentação. “Eu queria praticar, com pessoas, todos os dias. É estranho… Nem sequer me lembro do primeiro dia… Mas tenho uma vaga ideia do sentimento dos primeiros meses”.

 

O que é que é preciso para se ser artista de rua?

Temos de o estar a fazer pelas razões certas.

E o dinheiro é uma dessas razões?

Pode ser. Mas temos de tocar, primeiro, e acima de tudo, pela paixão. É esse o fator que traz sorte à nossa estadia na rua. Este é um ambiente onde há muita arrogância, onde se vê pessoal a tocar “o tempo que quiser” e a fazer “o que lhe apetecer”. Muitos dos novatos, por exemplo, não vêm a contar ter de lidar com todo um cenário que é preciso respeitar. E se andarem aqui pelo dinheiro, isto é ainda mais duro.

O que é que mudou em oito anos a tocar nestas andanças?

Estaria a mentir se não falasse do repertório. No princípio eu tocava aquilo que toda a gente toca – Oasis, Nirvana, “Stand By Me”. E hoje dou por mim a tocar originais e a ser muito mais aquilo que eu quero ser. Pode não ser tão brilhante, mas é muito mais único.

Mas, atenção, tal como no início, eu só quero ser aceite. Vim para a rua com a expectativa da aceitação, e ainda venho. Uma moeda significa “continua o teu caminho”, e essa moeda dá força e confiança e vontade de escrever mais e tocar mais. É incrível pensar que todos estes momentos conduziram à noite de ontem, que foi o expoente máximo.

 

Ainda como André Carneiro, chegou a produzir um álbum – “era só eu, uma guitarra acústica e uma garagem. E isso ainda deve andar aí nos spotifies“. Mas reconhece que nos últimos dois anos o mundo girou de maneira diferente. “Até o meu nome mudou. Quis algo com mais seriedade e mais maturidade”. É neste percurso que surge Ismael Calliano, Produtor e Manager; Ricardo Sousa, responsável pela fotografia e design; Bruno Vieira, que tratou da produção musical e, com João Seabra, no piano, também partilharam palco com Aries na apresentação de The Other Side.

O EP reúne apenas cinco temas que “encaixam em sonoridade e em história” – embora existam tantas outras entre cadernos, gavetas e cabeças. André admite que foi uma aventura e uma experiência compreender que músicas que se explicam individualmente, também conseguem ter poder e lógica em conjunto – “a beleza está na interpretação diferente que cada um dá”. E, quando confrontado sobre o processo criativo, ri-se. “Às vezes não sabemos porque escrevemos, ou sobre o que escrevemos, mas um dia havemos de nos lembrar, ou havemos de descobrir. E, até lá, já podemos ter tocado alguém”.

 

Os membros da equipa são as primeiras pessoas a quem se mostra a papelada nova?

O Ismael sim, sem dúvida. Às vezes são três da manhã, eu acabo de escrever uma música e ligo-lhe logo. Ele sabe dizer-me se aquilo é bom, se é diferente, que lado meu é que eu estou a revelar ou a querer revelar. A opinião dele é importante e eu confio naquelas palavras.

Há músicas que não se mostram a ninguém?

Diria que há músicas mais difíceis de se mostrar. Todas têm o seu significado, é lógico, mas algumas carregam tanto de ti, são tão pesadas, que se tornam mais complicadas de cantar. E é o caso de algumas das novas músicas…

Todas têm uma história verdadeira? Enquanto artista, corroboras com a teoria de ser preciso sentir, para conseguir escrever?

Totalmente. A melhor maneira para escrever é vivenciar. As pessoas têm de procurar experiências, sítios novos, pessoas diferentes e situações de que têm medo, nem que seja só para tirar a experiência. Quem sabe daí não saia uma canção. Eu tenho muitas letras que nunca pensei escrever porque surgem, precisamente, da novidade, do inesperado. É aí que está a magia da arte.

Porquê a opção pelo inglês, tanto nos covers como nas músicas originais ?

Neste momento só canto em inglês porque, para mim, tem tudo a ver com feeling. Eu ouço aqueles artistas e sinto-me inspirado por eles e pela música deles. Eu revejo as minhas memórias ali, e, para mim, essa capacidade dita o quão poderosa é uma música. Não quer dizer que não goste de música portuguesa, porque gosto, mas ainda não estou à vontade. Talvez quando for mais velho, quando tiver mais maturidade, a opção seja diferente.

André Carneiro – Fotografia de Inês Sincero.

Chegou a participar no The Voice Portugal, em 2014, e sabe que estes programas televisivos de talentos podem “dar muito a muita gente”, dependendo do artista, da pessoa e da sua ambição. Enquanto André, apenas confirmou que aquele não é o formato certo para o seu timbre e para os seus planos – “o The Other Side, por exemplo, não encaixa num programa como o The Voice”. E, portanto, zarpou para ganhar bagagem e entender onde se encaixava. “Fiz uma viagem pela Europa, há quase três anos, a tocar. Vi e conheci muitos artistas. Muitos mesmo. E senti-me verdadeiramente apoiado”. Diz, e repete, que as pessoas são a melhor parte da aventura – a par do prazer da música, claro – “em casa tenho uma caixa, onde vou guardando papelinhos que me dão, e gosto de pensar que um dia essa caixa vai estar cheia”.

 

O que é o mundo lá fora deu, que Portugal não conseguiu dar?

Portugal é um país fantástico. Nos três meses que andei a viajar lá fora, apercebi-me do quão valioso Portugal é, para um artista de rua. Tanto os turistas como os locais gostam de parar para ver artistas de rua, e para ver a arte dos artistas de rua. Lá fora – em Espanha, em França – é bem mais difícil, ao contrário do que se possa julgar. Para mim, o mundo não me deu nada que Portugal não tenha conseguido dar, muito pelo contrário.

O que é se diz aos jovens de hoje, de aqui, que põem de lado os planos artísticos por medo da instabilidade ou insucesso?

As pessoas são todas diferentes umas das outras. Há pessoas que preferem ter um plano B, um plano C, um plano D, até um plano E. Eu nem sequer tenho um plano B e, quando tiver, é porque esse é o meu novo plano A. Se é arte ou se é música que alguém quer, então é aí que tem de estar todo o seu foco. Temos de nos esforçar a cem por cento. Talvez mais. E havemos de chegar lá, talvez.

 

Quando se pensa em futuro, não há receio de atirar as incógnitas ao ar – porque essa é a rotina de um artista. “Promover o EP e apresentá-lo em mais sítios é o plano, o próximo passo. Mas sou um artista independente, não há nenhuma máquina por trás, somos só nós. Torna-se muito mais complicado e incerto. Mas, bem… Vamos lá ver”. Será que se falou em “álbum” e “próximo ano” na mesma frase? O que verdadeiramente interessa é que se falou, sim, em “rua”, em “Porto” e em “todos os dias”. E nós é que vamos lá ver.

 

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