Cultura
PRIMAVERA SOUND 2019: J BALVIN LEVA PARQUE DA CIDADE AO CHÃO E ÀS ALTURAS
Nenhum visitante frequente do NOS Primavera Sound saberia o que esperar deste segundo dia. Os mais puritanos temiam, até, o que a presença de J Balvin poderia significar para um festival nada habituado a artistas do seu género. A primeira diferença é evidente logo à entrada do recinto – se o público não duplicou quando comparado ao primeiro dia, pelo menos aparentava.
E o tipo de público também. De coroas de flores meticulosamente trabalhadas na cabeça, Somersby superfaturada na mão e vontade de rebolar no corpo, a grande maioria do Parque da Cidade aguardava o que viria só mais tarde – o reggaeton de J Balvin.
Mas antes disso, muito mais. O dia começou cedo e a horas com os portugueses ProfJam no palco Super Bock e Surma no palco Seat, que iam conquistando, ora para um lado, ora para outro, quem chegava. Mário Cotrim, nome real de ProfJam, ficou até surpreendido pela calorosa receção a uma hora tão prematura, agradecendo ao Porto do fundo do seu coração. Já Surma, finalista do Festival da Canção da RTP, beneficiou da sua posição logo à entrada do recinto para captar a atenção daqueles que ficavam curiosos perante as suas harmonias, tanto de jazz como de rock e até eletrónicas.
Pouco tempo depois, estreava-se o palco NOS. Às 17:45, a kiwi Aldous Harding fez o que pôde face à energia dos sul-coreanos Jambinai do outro lado do recinto, com quem esteve em modo combate durante a quase total duração do seu espetáculo. Perante uma plateia maioritariamente dispersada e sentada pela relva – a absorver o bom tempo e guardar energias para mais tarde – o volume altíssimo vindo do concerto rival não deixou muito espaço livre para Harding brilhar.
Mais tarde, e quase no mesmo período de tempo, a heterogeneidade do cartaz deste ano notou-se especialmente. No palco Super Bock, o indie de Nilüfer Yanya; no Pull&Bear, o jazz de Nubya Garcia e no Seat o rock dos espanhóis Lisabö, que já não sofreram do mesmo problema, apesar de a plateia continuar predominantemente dispersa pelo espaço até ao palco NOS entrar em ação novamente.
A onda rock viajou de um canto do recinto para o outro e ao fim da tarde/início de noite Courtney Barnett eletrificou o Primavera, tamanha foi a sua entrega em palco. De “City Looks Pretty” a “Pedestrian At Best”, com esforço, a australiana conseguiu elevar o estado de espírito até dos primaverenses mais desinteressados.
Diante de um dia tão bonito, parecia estar tudo a correr bem, demasiado bem, porque logo chegaram notícias más. Devido a uma avaria mecânica no aeroporto do Porto, o produtor eletrónico Mura Masa cancelou o seu concerto, programado para as 20:50h. Face a tal desalento, a maioria dos festivaleiros escolheu afogar as mágoas num bom jantar; o resto seguiu para o palco Super Bock para mais uma dose de rock/hardcore com a presença habitual – os americanos Shellac.
A maior enchente do dia
Existem sempre decisões difíceis de tomar, em que alguém tem de sair por baixo. Esse foi o caso dos canadianos hardcore Fucked Up, que começaram a tocar no palco Seat exatamente à mesma hora de J Balvin, para meia dúzia de gatos pingados – os que sobraram da massa de plateia que a estrela do reggaeton foi amealhando junto ao palco NOS a partir das 22h.
À hora marcada lá estava ele – José Balvin, o próprio. Quem o criticava e ao Primavera aquando do lançamento do cartaz, certamente decidiu não comprar bilhete ou calar e aceitar. A cada acorde ou troca de luz, a multidão gritava. Quando surgiu em palco, surgiu em grande, logo com um dos seus maiores hits – “Reggaeton” – levando a maior plateia do festival até então ao total rubro. Para além deste, o colombiano percorreu logo outros êxitos, desde “Machika” a “X”, aos duetos com Anitta e Rosalía, “Downtown” e “Con Altura”, respetivamente.
Mas êxitos não lhe faltam e não se perdeu nem um bocadinho de fasquia. Das idas ao público aos cogumelos bailarinos e aos “cabeçudos” que iam aparecendo em palco, até os mais snobs se renderam a Balvin, num abanar de cabeça ou num bater de pé derrotados. “Bum Bum Tam Tam” e “I Like It” ajudaram a manter os ânimos altos e as mãos no ar ou nos joelhos para o culminar do espetáculo no último tema que lançou J Balvin e a música latina para os holofotes do mundo, “Mi Gente”.
Após quase hora e meia de concerto, ouve quem seguisse para a atuação – muito contestada – de Branko, que veio substituir Kali Uchis, no palco Super Bock, ao lado. O resto ora optou por Interpol no Seat ora por David August no Pull&Bear, ou mesmo pelo regresso à zona VIP.
Os últimos, mas certamente não os piores
Quatro anos depois, os americanos Interpol voltaram ao Primavera. Desta vez num espaço mais pequeno e recatado – adequado à sua dimensão – e com um público que os ansiava. Apesar de a postura “picar o ponto” da banda, os fãs nunca desistiram. De “C’mere” a “Take You In a Cruise”, às finais “Slow Hands” e “Obstacle 1”, as filas da frente sentiram cada batida até ao final, perante o vasto número de pessoas que já se deslocava para James Blake, do outro lado do recinto.
Novamente, o grande contraste de energias dos artistas do palco principal foi óbvio. A vasta maioria de quem ali tinha estado para Balvin já se encontrava longe. O britânico não alcançou nem metade da plateia do colombiano, mas isso não o preocupou nem um bocadinho, e muito menos afetou a qualidade do concerto. O palco pouco iluminado e a simplicidade facilitaram a atmosfera de conforto e intimidade que Blake pretende criar com a música.
O músico deu logo prioridade ao seu filho mais novo – Assume Form – lançado no início deste ano, arrancando com a música que com ele partilha o nome. Essa prioridade vir-se-ia a manter ao longo da noite, com canções como “Mile High”, “Can’t Believe the Way We Flow” e o dueto com Rosalía, “Barefoot in the Park”, que apesar de ter o nome no cartaz desta edição não apareceu em palco um dia mais cedo – foi aliás no Primavera de Barcelona que a canção assinada pelos dois foi tocada pela primeira vez ao vivo, com James Blake a visitar o palco na vez de Rosalía, pelo que os festivaleiros de hoje podem bem esperar um bis.
Mas James Blake não deixou de parte os outros discos, abençoando o público com “Timeless” e até a tão acarinhada “Retrograde”, que os fãs acompanharam a toda a voz e coração. Recatado e do lar – ou, neste caso, do teclado – o cantor nunca falou muito, aproveitando só para agradecer estar ali e deixar uma mensagem de apoio a quem o ouvia antes da última e mais sentida canção da noite, “Don’t Miss It”. “Se se relacionam com esta música, por favor, não tenham medo de falar com alguém acerca disso, acreditem que vos vai fazer bem”, disse. E deu-se assim por encerrada a noite no palco principal. No resto do recinto, nem por isso.
Exatamente aquando de James Blake, também JPEGMAFIA atuava, no palco Pull&Bear. Homem independente e sozinho em palco, o rapper ia escolhendo os beats que queria de um computador que colocou voltado para si. Em mais uma dose de porrada, Peggy não deixou de parte os maiores êxitos “1539 N. Calvert”, “Baby I’m Bleeding” ou “Thug Tears” e aproveitou ainda para endereçar Donald Trump num freestyle – “when Donald Trump dies, ni**a, we gonna throw a party”. Mas a sua atuação teve perna curta, com apenas 45 minutos. O público não se importou – pouco tempo depois, no mesmo espaço, seriam abençoados com a presença de SOPHIE, de cujo espetáculo ninguém sabia bem o que esperar.
Da sua mesa de arranjos, a produtora trabalhou e retrabalhou músicas do seu aclamado projeto “Oil of Every Pearl’s Un-Insides”, aperfeiçoando a perfeição e mostrando aos dedicados que a ouviam que o seu “Whole New World” ainda tem muito território para ser explorado.
Como habitual, a noite não acabou sem a eletrónica no Primavera Bits, com Dr Rubinstein e Helena Hauff.
O NOS Primavera Sound acaba hoje e vai contar a muita antecipada atuação de Rosalía, Erykah Badu, Nina Kraviz e Guided By Voices.