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Cultura

PRIMAVERA SOUND 2019: NÃO HÁ JÓIA MAIS PURA QUE ROSALÍA

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Depois de um primeiro dia chuvoso e mais apagado, a elevação da fasquia na noite anterior deixou as esperanças dos festivaleiros em alta para o último dia do NOS Primavera Sound.

Como habitual, o início de tarde deu-se em português. Com uma afluência relativamente equiparável à de sexta, o público mais madrugador foi-se aproximando ou do palco Super Bock, para Lena D’Água e Primeira Dama, ou do palco Seat, para os brasileiros O Terno. De bom humor, a banda de Tim Bernardes surgiu sorridente e pronta para animar a quantidade considerável de público que se ia juntando à sua volta. Acompanhado pelo baixista e pelo baterista, o frontman sentou-se com a sua guitarra no centro do palco, pronto para (en)cantar com temas como “Tudo o Que Eu Não Fiz” e “Atrás / Além” – canção que deu título ao último projeto -, bem como o mais antigo “Não Espero Mais”, provando que as suas músicas são realmente adequadas ao cenário e hora a que foram interpretadas: na relva, com o sol a brilhar e um vento leve a bater na cara. Da banda houve ainda lugar para um agradecimento ao OG Jorge Ben Jor, lenda do samba-rock, que pisaria o palco principal dali a pouco tempo.

Fotografia: Aúna Nunes

Fotografia: Aúna Nunes

O espetáculo foi curto, com apenas 45 minutos e uma promessa de regresso. A maioria migrou calmamente para o indie rock dos americanos Hop Along no palco NOS, e quem decidiu ficar sofreu uma rápida mudança de tom. A paz d’O Terno deu lugar à explosividade e agressividade do punk dos Viagra Boys, que tocaram na totalidade o seu único disco Street Worms, de 2018, e protagonizaram um momento cómico ao saudar a plateia com um bonito “boa tarde, Barcelona”.

Com um concerto novamente pequeno, como os de início de tarde no palco Seat costumam ser, às 19h15 já os Big Thief estavam preparados para começar. Com três álbuns de estúdio lançados, o foco centrou-se no último, U.F.O.F. De guitarra na mão, nenhum acorde e nenhuma palavra da protagonista Adrianne Lenker saíram por acaso – foi tudo pensado e tudo sentido.

Fotografia: Aúna Nunes

Fotografia: Aúna Nunes

Do outro lado do recinto, no palco Super Bock, a onda de indie rock e tranquilidade continuava. A americana Lucy Dacus não conseguia acreditar na quantidade de público que a quis ver; “não sei porque não estão em Big Thief!”, disse várias vezes. Mas, por entre risos, a plateia não desistiu, muito pelo contrário, só se foi rendendo mais à voz doce e – em falta de outra palavra que melhor a represente – fofura da cantora, que agradeceu imensas vezes às pessoas por ali estarem. Desde temas do primeiro álbum No Burden ao segundo e último Historian, Lucy aproveitou ainda para tocar e cantar uma canção que ainda não foi lançada, e que encheu o coração de quem ali estava.

Ritmos tropicais numa tarde fria

No fim do seu concerto, os primeiros acordes no palco NOS puxaram as pessoas para a direita. Às 19h50, ali estava ele: Jorge Ben Jor, completamente pronto para dar mais uma dose de tropicalismo e samba-rock ao Primavera. Perante uma bastante generosa quantidade de pessoas – prontas para bailar em jeito de combate ao friozinho de fim de tarde que já se fazia sentir –, o carioca aqueceu corpos e corações com temas como “A Minha Menina”, “Mas Que Nada” e “País Tropical”, num espetáculo tão bonito e aconchegante quanto o pôr de sol que espreitava, ao longe.

O público manteve-se composto, mas houve quem fosse fugindo. Perto das 20h30, foram vários os que rumaram alto e por entre as árvores para chegar ao palco Pull&Bear, onde Snail Mail estavam prontos para atuar, depois do folk de Tomberlin. Mostrando-se entusiasmada por “poder tocar uma hora”, Lindsey Jordan, a protagonista de apenas 19 anos da banda, focou o repertório maioritariamente em Lush, o álbum editado em 2018. “Nós somos de Maryland, estamos muito longe de casa”, afirmou a cantora a meio do concerto. No final, após uma tentativa de negócio de músicas com o resto da sua banda, Lindsey ficou sozinha em palco para “apenas mais duas” – uma delas unreleased.

Do outro lado, no palco Seat, os gigantes do indie rock Guided by Voices deram um concerto enorme (literalmente, com uma hora e meia e 36 canções) para uma plateia que tanto ansiava a sua tão aguardada vinda a terras lusitanas. Sempre comunicativo, e contextualizando cada música antes de a começar a tocar, Robert Pollard mostrou ao Primavera o que é ser uma rockstar. De Alien Lanes a Warp and Woof, quase todos os álbuns da sua longa carreira tiveram oportunidade de brilhar, para o deleite do público, e em especial dos super-fãs que, de alguma maneira, arranjaram energia não só para estar ali, como também para gritar “GBV” durante todo o espetáculo.

Quem não aproveitou para ir jantar deslocou-se para o punk de Amyl & The Sniffers no palco Super Bock. Aqueles que optaram pela primeira escolha fizeram bem, porque energia era obrigatória para o que viria a acontecer a seguir no Primavera Sound.

Com altura e muito mais

Perto das dez da noite, todos os caminhos do Parque da Cidade davam ao palco NOS. Desde as grades da frente ao topo da relva atrás, a totalidade do recinto ansiava a chegada da sensação espanhola Rosalía. À hora marcada, 22h10, lá apareceu ela, em toda a sua glória. A expectativa era mais do que muita e o entusiasmo era óbvio. Acompanhada pelo seu hermano El Guincho, um coro e um grupo de bailarinas, aos primeiros segundos do êxito “Pienso En Tu Mirá” a cantora foi presenteada com um segundo coro, vindo da plateia, ao qual não fugia uma única palavra.

Por entre coreografias cuidadosamente estudadas e uma voz cheia de força e sentimento, a plateia mostrou-se constantemente fiel, até no dueto com James Blake, “Barefoot in the Park”, ou na menos popular “Catalina” – do primeiro álbum, Los Ángeles. Nas pausas entre temas, as dance breaks de Rosalía e companhia punham o recinto ao rubro e a espanhola não tinha mais como agradecer, soltando vários “muito obrigada” e “Porto, vos quiero mucho”, seguindo para a linha da frente para abraçar e fazer a noite e as delícias dos seus aficionados.

Apesar da energia constante, tanto da espanhola como do público, foi em temas como “Con Altura”, “De Aquí No Sales” e “Malamente” que a cantora mais brilhou e reforçou a sua posição enquanto uma das principais figuras da nova era da música mundial. Rosalía é a verdadeira dualidade entre modernidade e tradição, presente e futuro, pureza e impureza. A espanhola chegou a dizer que “gostava de saber falar português” e que pretende “voltar aqui muitas vezes para aprender esta língua tão bonita”. Depois de um espetáculo deste nível de perfeição, planeamento e dimensões, será sempre bem-recebida.

A noite ainda era uma criança. Após o adeus de Rosalía, a massa de pessoas que durante uma hora se deixou enfeitiçar pela espanhola dispersou rapidamente. Do outro lado do recinto, no palco Seat, houve ainda quem espreitasse o final do concerto de Kate Tempest, que sofreu, tal como Tirzah, no Pull&Bear, os efeitos de atuar ao mesmo tempo que um cabeça de cartaz.

Foi precisamente para este recatado palco que a maioria se dirigiu. Às 23h30, era hora de ouvir Neneh Cherry. Por entre êxitos antigos e mais recentes, como “Deep Vein Thrombosis”, a cantora sueca demonstrou ser exatamente o que o Primavera precisava depois do furacão Rosalía – nem pouco nem demasiado -, e a plateia adorou-a por isso, presenteando-a com numerosos aplausos no fim da sua atuação.

Já um pouco abaixo, no palco Super Bock, tanto o público como o estado de espírito eram outros. Quem assistia ao concerto dos Low certamente soube para o que veio, no entanto, para a maioria ainda aturdida por completo pela injeção de energia de nome Rosalía, o concerto não era o mais adequado.

Ao lado, no palco principal, as pessoas iam-se amontoando novamente, apesar de numa quantidade bastante menor, para Erykah Badu. Com concerto marcado para as 00h30, houve quem esperasse e esperasse, cinco, dez e vinte minutos, e a americana sem aparecer. Quem não foi fugindo para outras opções, como Yves Tumor, no palco Pull&Bear, ou o live techno de Modeselektor, no Seat, foi finalmente ofertado com a presença da cantora neo-soul à uma da manhã, meia hora depois do estipulado. De tranças no cabelo, voz doce e pose de uma líder espiritual, o seu concerto tinha os ingredientes da receita “bom concerto” prontos – grandes êxitos, boa comunicação com o público, ótima banda e permuta entre canto e dança -, mas o atraso e o cansaço de terceiro dia levaram muitos por outros caminhos, sejam esses casa, relva, zona de restauração, ou os concertos que ainda havia por dar. Mas é de denotar a fidelidade dos fãs do centro e filas de frente, que nunca deixaram a vanguardista do neo-soul e R&B ficar mal em quase duas horas de concerto.

Acima, no Pull&Bear, Mykki Blanco tinha planos diferentes. Com energia para dar e vender, o rapper destruiu e reconstruiu as suas músicas, tanto em palco como no meio do público, aproveitando ainda o facto de estarmos em junho para criticar aquilo que diz ser a “comercialização do Pride”, saudar todos os seus “brothers and sisters” da comunidade LGBT+ e realçar os problemas pelos quais continuam a passar.

A noite não acabou, claro, sem as atuações no espaço Primavera Bits, ou a russa Nina Kraviz, uma das supostas cabeças de cartaz, que atuou pelas quatro da manhã.

Depois, chegou o adeus. O NOS Primavera Sound 2019 foi a edição mais contestada do festival até então, e os vários cancelamentos, quer antes, quer nos próprios dias – bem como o frio e chuva -, não ajudaram. No entanto, apesar da menor quantidade de público, o Primavera mostrou que as apostas em faces diferentes da música não saíram ao lado, e já há datas para 2020: 11, 12 e 13 de junho. Também já existe uma confirmação: os Pavement darão apenas dois concertos em 2020, um cá e outro na edição de Barcelona.