Cultura

ROCÍO MOLINA CAIU DO CÉU E ATINGIU O PORTO

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Quatro homens. Quatro sombras projetadas na parede.

Um anjo caído do céu.

Assim iniciou um espetáculo que fez esgotar os bilhetes no Teatro Rivoli na noite de sexta-feira. Rocío Molina, uma bailarina espanhola nascida em 1984, estreou-se no Porto com uma performance intitulada Caída del cielo. Sem dúvida oriunda de um sítio que não a terra, a bailarina trouxe com ela uma linguagem artística muito especial, que abraçou o flamenco e o contemporâneo, aliando influências diversas nada canónicas.

O vestido branco pujante com que se apresentou trazia consigo uma longa cauda que, se para o espetador era um obstáculo de fácil tropeça, para a espanhola foi a luz de foco: por meio de lentos movimentos, Rocío Molina brincou com as mãos e os pés ao som dos roçagares do vestido, evocando figuras em metamorfose.

A performance dividiu-se em várias partes, identificáveis pela forma como Rocío mergulhou em personagens distintas. Levada pelos diferentes sons de fundo, a bailarina alternou entre o sensual e o viril, projetando uma expressão de liberdade do ser humano, sobretudo da mulher, que envolveu o público numa panóplia de movimentos com diferentes intensidades e volumes.

Ao som de uma melodia árabe sofrida e sentimental entoada por um dos seus músicos, Rocío Molina despiu-se. De essência mais avant-garde, o vestido caiu a seus pés e ela tapou as partes íntimas com as mãos, sendo depois coberta por um robe, que utilizou como escudo para ressurgir com uma nova vestimenta, masculina e poderosa. Bailando entre dois dos seus músicos, ela deu asas ao flamenco e sapateou ora na direção de um, ora na de outro, ora ainda encarando o público. Este sapateado complexo foi acompanhado por estalidos, batidas e palmadas, que provinham tanto da bailarina como dos seus músicos, emergindo daí um ritmo divinamente coordenado.

Uma grande imagem desta noite foi a da espanhola a dançar com um pacote de batatas fritas da Lays colado entre as pernas e um chapéu latino preso à cabeça, numa abordagem que misturou os movimentos conhecidos de Michael Jackson com toques flamencos. Esta parte do espetáculo foi introduzida por uma imagem que, já por si, era diferente do usual – o grupo, alinhado em frente da plateia, ingeria batatas fritas, mostrando a realidade crua do abrir do pacote, do mergulhar a mão, do estalar das batatas na boca. Uma transcendência do ser humano na sua forma mais pura.

Aproximava-se o fim, e a espanhola abraçou o sentimento. Ascendendo de uma caixa a escorrer tinta vermelha, Rocío Molina dançou sobretudo no chão, tingindo-o de vermelho. O público foi apreendendo a figura que ia sendo delineada a partir dos movimentos dançados. No entanto, a cor e os gestos da dançarina tomaram um significado que interligou o brotar de um ser novo com o sofrimento inerente à morte; mas o sangue foi o alvo, seja um começo ou um fim.

De salientar os pequenos pormenores, tais como os variados trajes e penteados da dançarina, os breves gritos que lançava, os susteres de movimentos num equilíbrio deslumbrante, as suas expressões faciais, e o saber dar tempo ao tempo.

O espetáculo terminou com a espanhola a movimentar-se por entre o público, espalhando livremente flores pela plateia. Esta noite pertenceu a uma mulher humilde, marcadamente poderosa, que deixou muitos sorrisos. “Que espetáculo!”, ouviu-se por entre a plateia. Sem dúvida, com todas as suas conotações.

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