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Cultura

QUERIDO AMIGO SECRETO…

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Maria do Céu Ribeiro e Paulo Mota, dois grandes nomes no universo das artes performativas nacionais, são, oficialmente, uns valentes atrevidos. Algures no meio de uma programação artística altamente conceituada, bem-formada e, algumas vezes, um tanto elitista, abstrata e demasiado complexa, surge o tão subvalorizado teatro amador – pelo qual todos nós, inegavelmente, nutrimos um fetiche, possivelmente escondido. Parece mentira, mas a dupla de criadores atirou para o palco do Rivoli oito corpos habituados a estar do lado de cá, do lado fácil, de quem vê e se limita a bater palmas no fim, refastelado na cadeira. E não só pegaram neles e os lançaram para a arena, como lhes deram tudo aquilo a que um artista tem direito: a começar por um jogo de luzes e som de gente grande, a passar uma mensagem e intensidade peculiares, e a terminar em dois tempos de muitas palmas e gargalhadas.

O Amigo Secreto é sobre a memória, a sensibilidade, as vivências e disparidades de oito espectadores – agora, oito amigos e oito artistas. No fundo, oito pessoas que partilham o mesmo Amigo Secreto, e que dele, todas as semanas, recebem arte, conforto, adrenalina e novos horizontes: o Amigo Teatro. Antes de o saberem sequer reconhecer, também elas já eram o Amigo Secreto desse Amigo, porque o teatro não vive sem pessoas suas amantes.

Ainda que com todas as cicatrizes de performers acabados de tirar da caixa – da consulta do texto aos gestos estereotipados –, a mensagem foi absolutamente pertinente, poderosa e definidora da nossa contemporaneidade cultural. Por momentos, pelo menos durante aquela hora, o teatro deixa de ser os clássicos e a arte dos esquizofrénicos e passa a ser a normalidade humana, que a toda a hora é atriz, despida de vergonhas, a falar sobre amizade, sobre amor, sobre arte – temas que intimidam qualquer um.

Se o objetivo desta equipa era dar a experiência de uma vida a este elenco, conseguiu-o com sucesso. Se procurava fugir ao repertório da agenda e chocar o público assíduo do Teatro Municipal do Porto e de Teatro Nacional, acertou em cheio. Se queria só divertir-se, arrisco-me a dizer que também isso se atingiu. Porque a criação – que surge, de uma ponta à outra, da fusão dos contributos de cada um dos participantes – parece ter sido uma viagem risonha e descontraída, com tanto de auto-descoberta como de sentido de humor. No entanto, a intenção desta performance pode ter sido mais arrojada.

Todos os anos saem centenas de jovens das escolas de teatro que nunca chegam ao patamar que merecem, sabe-se lá porquê. Todos os anos nascem companhias independentes, fruto da vontade desesperada de fazer arte e contar histórias – que nunca têm o reconhecimento merecido, por falta de financiamento, confiança ou bons contactos. Todos os anos o tal teatro amador apresenta, algures, uma proposta fresca e inovadora. Todos os dias ideias de artistas são postas de parte, ou no lixo, porque o sonho dos grandes palcos é utópico.

Em O Amigo Secreto, o público assiste ao espetáculo no fundo do palco, e o cenário estende-se até à cortina fechada. Mas, nos últimos segundos, ela abre-se, e estamos ali, no ninho dos artistas, no nosso lugar-oposto, a ver as cadeiras vazias onde nos sentamos. E se Maria do Céu Ribeiro e Paulo Mota estão a ser, secretamente, o amigo secreto dos artistas que andam por aí? E se este foi o mote para se começar uma programação paralela, dinâmica, rotativa, acessível, onde todo e qualquer um pode subir aquele estrado e mostrar o que o faz feliz? Ou, quiçá, esta foi uma dica para todo e qualquer ser frenético se atirar de cabeça para o teatro, porque ele nos dá mais e melhores vidas para além da nossa.

Artigo da autoria de Inês Sincero.

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