Cultura
JUP RADAR: COLETIVO 41.601 E O SONHO DE “CONTINUAR A EXISTIR”
A aventura surgiu através dos “projetos independentes” da ESMAE. O grupo uniu-se por acaso: “como vimos que [a primeira vez] resultou muito bem, tivemos mais ideias e decidimos criar um grupo todos juntos”. Os fundadores do Coletivo 41.601 concorreram ao festival Semana das Escolas de Teatro (SET), onde fizeram dois espetáculos: o primeiro foi “o espetáculo onde começámos a trabalhar juntos”, e o segundo foi uma parceria com o RePercurssion Trio. “Começámos a perceber que tínhamos uma dinâmica que funcionava e que conseguíamos trabalhar em conjunto”.
O nome esconde um pormenor que confere personalidade à identidade do grupo. “Coletivo” é uma escolha óbvia, mas os números contêm um mistério. Ao JUP, os membros do Coletivo 41.601 revelam que são todos do mesmo ano, e, por isso, todos têm o mesmo número de aluno da ESMAE. Depois do número 4, segue-se o 16, que corresponde ao ano em que entraram para a ESMAE (2016). Só após os algarismos 0 e 1 é que o número de aluno difere para cada um dos membros. “A parte comum deu nome ao grupo”.
O Coletivo 41.601 trabalha com todas as áreas, desde figurinos (Ana Beatriz Camelo e Sofia Fonseca) a cenografia (Raquel Santos), luz e som (Pedro Guimarães), direção de cena e produção (Inês Arinto) e interpretação (Catarina Fonseca, Júlia Prado, Luciana Sanhudo, Rafael Pereira, Teresa Fonseca e Costa e Vítor M. Sousa). Estas áreas estão bem divididas, permitindo uma fusão na altura da criação: “acabamos por nos ajudar. Em termos práticos, o trabalho é feito por quem está na área, mas, a nível de ideias, damos todos a nossa opinião”. A mais recente criação do grupo serviu para muita experimentação: “a nossa ideia é fazer criação coletiva. Mais tarde, também podemos pensar na possibilidade de apenas um de nós encenar ou convidar alguém de fora”.
O respeito e a cooperação mútua são a chave para o sucesso, acreditam os membros do Coletivo. Sonham em criar um nome e “uma companhia que seja relevante e conhecida”, mas têm noção das exigências do trabalho de grupo. Desde a sua fundação, a união e o respeito são essenciais. “O resto são tudo pormenores que se vão adicionando. Mas ter uma boa base de trabalho e confiança é fundamental”.
Trabalhar em grupo não é fácil, principalmente quando falamos de criações coletivas. Mas “convivemos muito bem com isso, sabemos o que cada um vai fazer. Sabemos o nosso lugar no Coletivo. Isso simplifica tudo”. As amizades dentro da equipa são um acréscimo, algo que os membros sabem separar do mundo do trabalho. Fazer essa separação é complicada, “deve ser um dos maiores problemas do trabalho no geral, não só no teatro. Juntamo-nos porque vimos que funcionávamos em grupo, e não por sermos amigos”.
“Fazer arte, fazer teatro” é o que os artistas desejam quando sobem ao palco. “É para isso que cá estamos. É para isso que existe o coletivo”. No entanto, apresentar um espetáculo é mais complexo que isso. “Passar uma mensagem” e “ter um espectador que sai diferente da sala do espetáculo” é aquilo que o grupo pretende. Os artistas dizem acreditar no poder da arte e anseiam “mudar o mundo de alguém de alguma forma” sempre que fazem um espetáculo.
São uma estrutura completa, algo raro nas companhias de hoje. “Termos pessoas de todas as áreas, que acabam por dar uma perspetiva diferente em todos os aspetos”. Essa é uma das características que traz diferenciação ao Coletivo, para além da sempre presente vontade de arriscar: tentam explorar um pouco de tudo e estão ainda a descobrir-se. “No projeto com os Repercussion Trio, criámos tudo: pegámos na música e em textos que já existiam e criámos a partir daí. Para o próximo projeto, já temos o texto escolhido, uma base”. Antes disso, participam ainda em 20 Minutos, do Teatro Municipal do Porto, e essa produção será sem texto: “é através de depoimentos de pessoas que vamos criar um espetáculo”.
A maioria das apresentações do grupo realizam-se na ESMAE, o que condiciona o público que assiste aos espetáculos. Um dos próximos projetos, inserido em 20 Minutos, realiza-se no Teatro Municipal Rivoli, em conjunto com outras escolas artísticas, e, uma vez mais, vai atrair um público maioritariamente jovem. No entanto, o Coletivo 41.601 não é apenas para jovens. “Temos tido um público mais jovem, mas isso não quer dizer que fazemos teatro só para público mais jovem”. O projeto que o grupo pretende levar aos Açores no final deste ano é “diretamente ligado aos jovens”, mas não há limitações para o Coletivo.
O Coro dos Maus Alunos é a peça que vai fazer o Coletivo 41.601 voar até aos Açores no final deste ano. A vontade de trabalhar com escolas e a necessidade de escolher um texto que ligasse o grupo à faixa etária dos estudantes foram as ferramentas necessárias para “dar asas” a este projeto. A escolha do texto foi, como todas as decisões do grupo, coletiva. “Era importante ser um autor português”. Após pesquisa e leitura de textos de autores, “tanto que integram o programa escolar como não”, encontraram Tiago Rodrigues, autor de Coro dos Maus Alunos. “Achámos que era um tema que ainda é muito atual e pertinente. É muito importante para os jovens ouvir o que aquele texto diz”.
Com este novo projeto e a inevitável ligação à escola, pois foi aí que todos se conheceram, o Coletivo salienta a experiência adquirida durante estes três anos de licenciatura. Há coisas que não se aprendem, “há muita coisa que tem de ser intuitiva”. Não deixam de apontar para as questões financeiras como o principal problema. “Neste momento, a ESMAE tem vários problemas estruturais, mesmo a nível do edifício, que são apenas resolvidos com dinheiro. Isso acaba por perturbar tudo o que é a criação”.
A ESMAE tem produções todos os anos, um grande ponto positivo, onde as áreas trabalham todas em coletivo tentando simular um espetáculo no mundo profissional. “Chegámos a ter Produção III [cadeira de segundo ano no curso de Teatro – Variante Direção de Cena e Produção] sem dinheiro e isto é um problema. Infelizmente, em Portugal as artes ainda não são pontos de investimento, as pessoas não gostam muito de investir a longo prazo. Acho que esse é o principal ponto negativo”.
O ideal no ensino artístico, que a ESMAE tenta sempre garantir, é “simular, estimular, dar-te experiências que se pareçam ao máximo com o que encontras no mundo profissional. É uma questão de expor a tua profissão no terreno. Claro que tem de haver o outro lado, têm de haver disciplinas teóricas que te dão outros conhecimentos. Mas o mais importante é conviver com o mundo profissional. Quanto mais parecido, melhor”. Não têm problemas em ficar agarrados ao Porto – “foi a cidade que nos juntou” – mas são um grupo proveniente de pontos muito distintos (Açores, Viseu, Brasil, Aveiro…).
Apesar de não gostarem de iludir o público, a união e a coletividade são características que os espectadores podem esperar de um espetáculo do Coletivo 41.601. “Estamos todos a lutar para o mesmo. Acho que é isso que podem esperar de nós. O nosso nome é mesmo um ‘Coletivo’.” Neste grupo, todos trabalham em equipa; o individualismo não sobe ao palco, nem assiste aos ensaios.
Onde pensa o Coletivo estar daqui a dez anos? “Em ter um nome marcado em Portugal”. Querem também ser uma referência para os estudantes e poder “dizer que é possível sair de uma escola e fazer uma vida profissional”. Começam a sonhar com pormenores – “ter o nosso próprio espaço, uma oficina com uma máquina de costura!”, acrescenta a figurinista Sofia Fonseca.
Acabam a resposta com algo simples, que sintetiza os sonhos todos: “hoje em dia, as companhias não têm uma longevidade assim tão grande. Acho que é isso que queremos. Continuar a existir. E isso é difícil”.
Este artigo é da autoria de Maria Pinto e Salomé Santos.
JUP Radar é a rubrica mensal do Jornal Universitário do Porto, incluída na editoria de Cultura, que explora os artistas emergentes, nas mais diversas áreas, que chegam ao nosso radar. Os artigos saem no último domingo de cada mês.