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27º CURTAS VILA DO CONDE: “SOMOS TODOS CALIGARI”

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Em 1919, filmava-se aquele que, mais tarde, seria considerado o “primeiro verdadeiro filme de terror” da História do Cinema. Das Cabinet des Dr. Caligari saiu um ano depois, e imortalizou-se como o expoente máximo do expressionismo alemão no mundo cinematográfico. Os cenários surreais e as interpretações propositadamente exageradas dos atores constroem um sonho hipnotizante e envolvente.

A forma não é a única marca de Caligari, apesar de tudo. A história introduziu algumas bases da ficção, como o doutor louco que controla e cria um monstro, ou as reviravoltas em filmes de terror quando tudo parece estar resolvido e o interesse amoroso do monstro leva-o à perdição. Hoje em dia, estes constituem pormenores habituais no cinema, mas, na altura, o público estava perante uma estreia de conceitos.

O 27º Curtas Vila do Conde decidiu destacar o impacto de Das Cabinet des Dr. Caligari na sétima arte, e organizou um conjunto de eventos para celebrar o centenário da produção do filme. A programação, ao longo de toda a semana, apresentou uma panóplia de opções para os visitantes poderem saber mais sobre a obra alemã.

Fotografia: Sofia Matos Silva

O festival abriu com a exibição de Caligari, integrada no programa Stereo. Tiago Cutileiro e Marta Navarro desempenharam ao vivo uma composição musical feita especificamente para a sessão de abertura do Curtas: utilizando elementos eletrónicos e misturando-os com instrumentos de cordas, como o violoncelo, a banda sonora criada complementou o filme na perfeição. Desde as instâncias mais subtis – que ajudam a criar o ambiente surreal – aos momentos de tensão e clímax, a dupla de artistas conseguiu honrar a importância de Das Cabinet des Dr. Caligari.

O Solar Galeria de Arte Cinemática inaugurou, no dia 6 de julho, a exposição “O Caso Caligari”, e vai permanecer em exibição até 7 de setembro. A organização convidou quatro artistas, que elaboraram trabalhos baseados em diferentes elementos do filme que dá nome à mostra. Cada um ocupou uma sala da galeria com a sua respetiva obra. A 10 de julho, realizou-se uma visita guiada com a presença da maioria dos artistas.

Jonathan Uliel Saldanha foi o único a não marcar presença, devido a compromissos profissionais. A obra por si elaborada chama-se “ANOXIA”, tratando-se de uma projeção de vídeo HD com dois canais e som com quatro canais, num loop contínuo. O objetivo é capturar “as construções de térmitas e outras pragas no contexto literal da sombra”.

Fotografia: Sofia Matos Silva

A visita guiada começou pelo trabalho de Eduardo Brito, intitulado “Curiosidades do Gabinete (cada história é sempre um remake de outra história)”. A exposição é composta por duas tipologias de imagens, exibidas em três ecrãs, e outras duas de som. No que toca à parte visual, podem ser observados planos fixos nas laterais de locais onde se filmou Das Cabinet des Dr. Caligari, assim como fotografias alusivas à sala de cinema onde o filme estreou. No centro, encontra-se um plano de páginas em branco a serem preenchidas pela escrita do argumento original da obra. A nível sonoro, ouve-se uma narração-colagem de excertos de diversas obras sobre o filme.

Rainer Kohlberger propõe, com “DDDM”, uma experiência audiovisual psicadélica de quinze minutos que explora o conceito de matéria escura, tanto no panorama científico como filosófico. O objetivo é “estabelecer um estado de intensidade máxima através da sobrecarga intencional das capacidades técnicas, mas também humanas”. Durante a visita, este projeto foi descrito como aquele “que melhor captura a essência hipnótica do filme”.

Fotografia: Sofia Matos Silva

Para o fim ficou Daniel Blaufuks e a sua tese “From Caligari to Jud Süß”. A obra parte de uma coincidência de atores comuns a vários filmes: Conrad Veidt e Werner Kraus são as estrelas de Das Cabinet des Dr. Caligari e ambos participaram em adaptações do livro Jud Süß; Conrad Veidt fez a versão britânica, fiel ao material original; Werner Kraus protagonizou uma propaganda nazi anti-semita. Daniel Blaufuks reeditou os três filmes para formar uma reflexão sobre a posição do artista perante o poder político e a responsabilidade da arte na cultura de um Estado.

Quase cem anos depois do lançamento de Das Cabinet des Dr. Caligari, a obra é, ainda, um marco na história do cinema, assim como uma projeção do que seria a Alemanha no pós-Primeira Guerra Mundial, perante a ascensão do fascismo. O filme continua a inspirar novos projetos e artistas, e mantém a atualidade da sua mensagem. Tanto podemos ser os opressores ou os oprimidos; por outras palavras, como resume Daniel Blaufuks, “somos todos Cesare, somos todos Caligari”.

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