Cultura
O REGRESSO DA L’AGOSTA
O regresso do L’Agosto ao Museu Alberto Sampaio já prometia um ambiente diferente daqueles a que os inúmeros festivais de Verão estão acostumados. Nos jardins, uma lagosta gigante abraçava o palco, e, de patas abertas, dava as boas-vindas aos festivaleiros.
A percussão pesada e a influência oriental abriram o apetite dos vimaranenses, e, com lagosta recheada de Jibóia para entradas, foi estabelecida a diversidade musical que iria marcar o primeiro dia do festival. As notas de saxofone do Mestre André, mais ruidosas do que melódicas, estavam em sintonia com os holofotes que iluminavam as muralhas milenárias da cidade. Com o auxílio do baterista Ricardo Martins, que se destacava pela sua postura enérgica, as diferentes e labirínticas camadas de som iam complementando as letras impercetíveis do teclista Óscar Silva, criador do projeto Jibóia.
Se no primeiro concerto o público mantinha a sua distância do palco, numa atitude mais descontraída, o cenário inverteu-se enquanto a Bruxa se preparava para entrar. De braços no ar, os vimaranenses receberam em euforia Allen Halloween. De carapuço preto, e com metade da cara tapada, o rapper de Odivelas faz jus à sua alcunha: enigmático e dono de uma voz possante e única, a sua entoação relaxada nas gravações torna-se mais agressiva ao vivo. Um MC interventivo, as suas críticas à opressão e ao racismo sistemático da sociedade portuguesa desvelam-se em gritos de angústia em palco. Acompanhado de Lucy (dos Youth Kriminal) e DJ WiZe, Halloween cantou alguns dos seus temas mais icónicos, tais como “Na porta do Bar”, “Fly Nigga Fly” e “Bandido Velho”. Ainda houve tempo para o rapper fazer uso do seu MPC com a rendição ao vivo de “Zé Maluco”.
Terminado o concerto, volta a alterar-se o registo musical, e o hip-hop dá lugar a algo difícil de definir: Scúru Fitchádu, um diálogo entre culturas. Uma fusão de funaná, punk, metal e noise é o que define o projeto de Marcus Veiga. Embora pareça difícil incorporar estilos tão ecléticos numa só melodia, Scúru Fitchádu não surge como uma anarquia de ritmos: há uma clara organização e uniformização da sonoridade. Assim que essa sonoridade se fez ouvir em palco, o público não tardou em reagir. O ritmo hipnotizante e esmagador chamou logo à linha da frente os mais extrovertidos, que fizeram do jardim a sua pista de dança. Ainda que as letras nos sejam apresentadas em crioulo, não compreender o dialeto não surge como um obstáculo. Tal como Marcus disse, “Scúru é como um coquetel molotov”. O fogo da sua voz é intransigente, e transversal a qualquer dialeto. Em Scúru Fitchadu, a linguagem é só uma: a revolução. Tanto a complexidade instrumental, fornecida pelos dois DJs, como a lírica interventiva foram expostas no L’Agosto em temas como “Simentera d’homis”, “Ravoluçan ketu” e “Ken Ki Fra”.
Artigo da autoria de Francisca Gomes e João Norte.
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