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TODOS OS CAMINHOS VÃO DAR AO TRINDADE

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Foi dada ao Porto mais uma oportunidade – a última durante uns tempos – para conhecer (ou voltar a conhecer) a criada Cleo e a família de Sofia, as protagonistas da longa-metragem que levou a estatueta de Melhor Filme nos Óscares deste ano. Nostalgia, neste regresso a casa, será talvez a principal sensação ao sair daquela sala de cinema. Uma sensação de que conhecemos aquelas personagens, e que já não as víamos há algum tempo. “O que será que lhes aconteceu?”. Nostalgia da nossa própria infância, embora possamos contar pelos dedos, naquela noite no Trindade, quem terá passado realmente a sua infância no México.

Triunfa este estado de melancolia, de planos traçados para a vida que, por mais pequenos que sejam, e por mais que até possam ser bastante fáceis de seguir, simplesmente não acontecem. Porque a vida é isso mesmo: ser-se tudo menos aquilo que esteja planeado.

Em Roma – este cinema “tão vida” que é olhado quase como uma obra documental -, este planeamento é muitas vezes desconstruído devido a circunstâncias sociais que não controlamos. Sentimos, nas vidas destas personagens, a influência direta de algo maior, como o massacre de manifestantes estudantis – o El Halconazo. Este estado de melancolia perdura, e é levado para as nossas próprias vidas – talvez seja por isso que o filme é eternamente relacionável – na medida da quantidade de coisas que não conseguimos mudar, e que não estavam na equação dos nossos planos, mas que no fundo são os aspetos que mais importam. Aqueles que quebram, ou juntam, uma família que vai mais além do nosso agregado familiar.

Cleo, a musa a preto e branco deste olhar para uma infância mais ou menos ficcionada, é vítima da vida. Vivendo o seu dia-a-dia, mostrando pouco a pouco ao espectador uma vulnerabilidade que não está gasta pelo tempo, belíssima de ser observada, é confrontada com uma inevitabilidade de acasos, uma junção de ações premeditadas com as mais puras das coincidências. Talvez Alfonso Cuarón brinque com isto, pois durante todo o filme sentimos que ele não esconde nada. Os planos são o nosso olhar a ver tudo como se estivessemos lá. Tudo.

E assim apanhamos a vida, esse amontoado, essa saturação de sentimentos dispersos, que juntam o humor ao trágico: Cleo a falar seriamente com o seu namorado enquanto atrás passa um filme de comédia, Cleo a descer as escadas, numa situação longe de ser alegre, e dois pássaros mesmo à frente a acasalarem… Momentos que premeditam uma situação futura, algo de que nos apercebemos só no final do filme, quando juntamos as peças todas, deixando em nós sempre a dúvida. Talvez a vida também nos dê estes momentos de aviso, mas só nos apercebemos no final de tudo.

Observado este fragmento de vida destas personagens, este final é, de certa forma, bastante agridoce. Um final que, como na vida, raramente se sente como satisfatório. Não há nenhuma cereja no topo do bolo. Há pequenas cerejas que são colocadas, e são raras as que são percebidas na altura.

Artigo da autoria de Maria Pinto.

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