Cultura

AMPLIFEST 2019: O HARD CLUB TEVE O QUE QUERIA DE DAUGHTERS

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Pouco mais de três anos depois da última edição, o Amplifest voltou, finalmente, à cidade do Porto e ao Hard Club. O festival conhecido por priorizar o amor à música, o compromisso com a arte e o enriquecimento cultural – não olhando a cabeças-de-cartaz, por exemplo – continua com a mesma essência, e até a intensificou.

Para sufoco de alguns dos fotógrafos, este ano o fosso entre o palco e o público foi retirado, com o objetivo de aproximar ainda mais os artistas da audiência. Exceto à entrada das duas salas, não existem seguranças nem grades, porque, puramente, não há necessidade para tal. Talvez pelo público-alvo diferir bastante dos outros festivais, não existem pessoas a desmaiar, nem vomitar, nem a afrontar artistas. E essa grande qualidade do festival foi logo apontada por Emma Ruth Rundle, a artista responsável pela abertura dos concertos no primeiro dia.

A previsão de chuva assustava, mas, pelo menos no primeiro dia, São Pedro decidiu dar uma abébia a todos os entusiasmados pela 7ª edição do Amplifest. O primeiro concerto tinha início marcado para as 16h40, mas o Hard Club começou a encher logo às 13h, quando as portas abriram. Tanto na zona ribeirinha, como na relva da Praça Infante D.Henrique e principalmente nas varandas e escadas do espaço, a paisagem pintou-se de preto pelos que tanto ansiavam o começo dos espetáculos.

Às 16h40, como marcado, ouviram-se os primeiros acordes da americana Emma Ruth Rundle no Bürostage. Sozinha em palco com uma guitarra e um microfone, fez-se completo silêncio por parte do público para ouvir “Fever Dreams” – um dos singles de On Dark Horses, lançado no ano passado. Em 60 minutos de concerto, numa atmosfera de total intimidade entre a cantora e a audiência, passou-se ainda por temas mais antigos e muito amados como “Marked for Death”, “Protection” e “Medusa”. No final, outra oldie, “Real Big Sky”, arrancou lágrimas tanto a Emma, como aos mais fiéis nas filas da frente.

Emma Ruth Rundle. Foto: Vera Marmelo

A cantora aproveitou para elogiar o festival, a organização do mesmo e o público “mais bem-educado de todos” – uma prática comum na maioria dos concertos – e fez as graças aos fãs, ficando a falar com bastantes pessoas e a assinar merch no fim do espetáculo.

Como não há concertos sobrepostos, de maneira a dar a mesma atenção a todas as bandas/artistas, a festa seguiu-se no Oitava Colina Stage com o noise e black metal dos portugueses CANDURA. Na sala principal, estava tudo a ser preparado para Birds in Row, cujo repertório se focou maioritariamente no disco lançado em 2018 – We Already Lost the World.

Um festival não pode apenas parar e escolhas têm sempre de ser feitas. No final do concerto de Birds in Row, uma grande parcela do público optou por ir jantar e deslizar para a esquerda no concerto dos canadianos Some Became Hollow Tubes. Afinal, ter as barras de energia e fome bem verdes e completas para o que se seguiria era uma necessidade.

Abençoados por Daughters

O Amplifest não olha a nomes nem a tratamentos especiais, mas o facto dos passes terem esgotado poucas semanas após terem sido colocados à venda tem uma razão, ou várias. Se muitos foram pelas saudades de Deafheaven, Amenra ou Pelican, a verdade é que o concerto de Daughters foi o que encheu mais depressa e teve mais afluência. E tal tem também uma ou várias razões, claro.

Alexis S.F. Marshall, dos Daughters. Foto: Vera Marmelo

Para além de ter participado numa tertúlia com outros artistas na sala 2, ao início da tarde, Alexis S.F. Marshall decidiu, ainda, dar um pouco do seu tempo para responder a outras questões. O Amplifest foi, efetivamente, a estreia de Daughters em Portugal, mas quando questionado acerca disso, o vocalista respondeu “Tens a certeza? Tenho uma ideia de estarmos a passar por Espanha para vir para aqui, algures em 2004 ou 2005”. Tanto há 19 como há oito anos, quando Daughters fizeram tour pela última vez antes de regressarem ao ativo em 2018, era tudo muito diferente.

“Eu lembro-me muito pouco da maneira como as coisas costumavam ser. Em primeiro lugar, agora estou sóbrio, por isso é logo uma experiência diferente. Mas continuamos a tirar muitos elementos das nossas atuações antigas, que eram um género de freakshow – os fãs queriam ver-nos a ser degenerados. Nós não sabíamos o que estávamos a fazer, era só subir ao palco e tocar o mais alto que conseguíssemos. Agora somos músicos a sério e os concertos são muito mais completos.”

Mas há também diferenças no tipo de público. You Won’t Get What You Want foi o álbum de noise rock mais aclamado do ano passado e o primeiro de Daughters em oito longos anos. Muitos dos que acompanhavam a banda antes cresceram com ela e apreciaram o projeto com a mesma intensidade, mas o louvor atraiu igualmente uma grande parcela de novos admiradores.

“Quando começamos a dar concertos outra vez, havia uma preocupação com o facto de que não iríamos ter público novo, mas a verdade é que aconteceu. Estamos num ponto alto agora e isso é fantástico, mas temos a noção de que pode ser temporário.”

Pela receção do público, não parece ser temporário. Não são necessárias substâncias químicas quando se está tão infuso pela música e esse é o caso de Alexis & co. Em 60 minutos, houve tempo de passar pela quase totalidade de You Won’t Get What You Want e revisitar temas antigos como “The Hit e The Virgin”, para fazer as delícias dos mais nostálgicos. Os elementos retirados dos “freakshows” de há oito anos atrás estão lá, e porque um microfone não serve só para cantar, Marshall vai-se aproveitando dele para bater na própria testa, peito e no chão, antes de chegar aos golpes de cinto e arranhões no peito e tornar-se óbvio que o momento musical atual de Daughters é a praia (só figurativa) de todos os elementos da banda, mas principalmente de Alexis.

Mas ainda havia energia – tinha de haver – porque seguir-se-ia a melhor sequência do festival. Tanto Author & Punisher, no Oitava Colina Stage, como Amenra, no Bürostage, foram a continuação da high necessária depois de Daughters. Os belgos eram uma das grandes atrações do festival e fizeram o que tinham a fazer, já o americano Tristan Shone – o mestre por detrás de Author & Punisher – surpreendeu, deixando até quem não conhecia o projeto rendido.

Segunda ronda

A fasquia estava muito alta, mas ninguém duvidava do poder do segundo dia se equiparar ou até ultrapassar o primeiro. A chuva, constante e intensa todo o dia e noite de domingo, não assustou ninguém. Num cenário parecido ao de sábado, o público começou a chegar e encher o Hard Club muito antes da hora de começo dos concertos. Entre os mais aguardados do dia estavam Pelican, Touché Amoré e Deafheaven, regressados a Portugal, e a estreia dos americanos Inter Arma, que abriram a sala principal e não desapontaram.

Tal como apontado pelo vocalista dos Pelican, na última vez que visitaram terras lusitanas, há 12 anos, era tudo muito diferente. Agora, com outra maturidade e aptidão, deram um concerto bem mais composto – focado principalmente no último projeto, Nighttime Stories, editado este ano. A banda aproveitou ainda para, tal como outras no dia anterior, elogiar a essência do Amplifest e confessar um carinho especial pelo mesmo e por Portugal.

Touché Amoré. Foto: Vera Marmelo

No mesmo tom, também Touché Amoré não tiveram palavras suficientes para agradecer à organização do festival e o afinco da plateia. O seu concerto foi dos mais interativos e mais acarinhados pelo público, provando aos mais puristas do post-hardcore que as suas opiniões são infundadas.

Pelo meio de Portrayal of Guilt, Gaerea e Ingrina no Oitava Colina Stage, às 22:45h chegou um dos momentos mais aguardados do festival – Deafheaven. Um pouco – mas não tanto – como Touché Amoré, são em igual parte odiados e amados. Com um repertório bem diverso, se bem que mais concentrado em Ordinary Corrupt Human Love, de 2018, fizeram as delícias de todos os que se encontravam dentro da sala principal, num concerto que foi um pico alto constante de energia.

Antes da banda surpresa da noite, houve ainda tempo para o drone metal do duo Nadja na sala 2. Quem não decidiu ir para casa mais cedo e ficar para o fecho do Bürostage com os DEAFKIDS, perdeu um dos melhores concertos do festival. Num panorama pouco propício ao seu sucesso, os brasileiros conseguiram exceder as dificuldades a eles impostas e tornar-se numa das bandas mais entusiasmantes e únicas da atualidade. Na sala principal do Amplifest, os paulistas proporcionaram aos mais resistentes uma viagem psicoativa única pela percussão polirrítmica brasileira, pelo canto hipnótico e pelo punk cru e agressivo, todos a ecoar de outra dimensão.

O Amplifest é isso mesmo, uma sequência de viagens deslumbrantes pelos diferentes géneros, sentidas com a mesma intensidade por um grupo de pessoas que se congregam numa grande família durante aqueles dois dias. Fazem falta mais festivais como este – em que o foco está na música e na experiência e não na sede de sucesso. Essa natureza do Amplifest atrai um público que partilha dos mesmos valores, fazendo com que o festival se torne numa bonita troca simbiótica entre um lado e o outro. Só podemos esperar que volte em 2020.

 

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