Cultura
ALEXEY BELYANCHEV DÁ-NOS “DIAS DE MOSCOVO NO PORTO”
A VI Semana da Cultura Russa, organizada pela Sharing Foundation, ficou marcada pela inauguração da exposição de Alexey Belyanchev. A tarde da quinta feira passada será lembrada pela abertura da exibição “Este Mundo espantoso, inquieto e maravilhoso”, que contou com a presença do fotojornalista.
O convite era aberto ao público e todos podiam conhecer as 20 fotografias expostas no CPF. A cerimónia começou com discursos de agradecimento e vinho do Porto à mistura. O fotojornalista discursou em russo mas, como a língua da arte é universal, todos presentes perceberam a mensagem. A presença de uma tradutora durante toda a cerimónia também ajudou a decifrar a exposição.
Alexey Belyanchev pertence a uma geração de fotojornalistas. Trabalhou em jornais russos como Izvestia, Komsomolskaya Pravda e Kultura. O seu trabalho foi publicado em jornais e revistas internacionais como The Times, LeMonde e El País. Além disso, é Vice-Diretor do jornal russo Evening Moscow e, inegavelmente, os momentos históricos que capturou marcaram a sua vida pessoal e artística.
Das 20 fotografias, expostas na sala do segundo piso do Centro Português de Fotografia, apenas duas foram tiradas em Portugal. Alexey afirmou que as fotografias de fotojornalistas merecem ser explicadas, porque todas têm uma história para contar. Neste caso, o objetivo do artista foi que os portugueses conhecessem melhor o seu trabalho.
Desde a fotografia digital à analógica; da fotografia tirada às quatro da manhã de mulheres em Ponte de Lima, à fotografia do Papa Francisco – muitas são as histórias escondidas nesta exposição.
A visita desenrolou-se num ambiente informal, mas curioso. O público seguiu atentamente o fotojornalista, que fazia uma explicação detalhada sobre cada fotografia. De copo de vinho do Porto na mão, olhos abertos, e ouvidos atentos, toda a sala saboreou o momento. As fotografias estão dispostas por ordem cronológica e não por tema. A primeira imagem da exposição retrata as celebrações tradicionais da festa popular eslava, do Dia de Iván Kupala. Celebra-se no dia 24 de junho, assim como no Porto se festeja o dia de São João.
O fotojornalista russo trabalhou em zonas de conflito militar, como a Jugoslávia, Palestina e Kosovo. Alexey contou que viveu 21 dias num helicóptero, para conseguir fotografar as cores da Mongólia e a diversidade de carros e cavalos que o país oferece nas suas paisagens.
A imagem capturada na Jugoslávia, no primeiro bombardeamento, em Belgrado, chegou a ser capa da revista TIME. Numa das fotografias, o artista contou que fez parte do grupo de imprensa do primeiro Presidente da Federação Russa, Boris Yeltsin.
No início da carreira, Alexey fotografou uma parada militar da União Soviética do cimo da Catedral de São Basílio, na Praça Vermelha, em Moscovo. A dificuldade de fotografar a partir daquele local resultou numa fotografia única. A curiosidade do público levantou uma onda de perguntas, que deixaram o fotojornalista orgulhoso do seu trabalho e do seu olhar.
Em 2000, esteve em Jerusalém para fotografar o cenário caótico. Na imagem vemos um dos soldados israelitas a impedir a passagem, pela Via Dolorosa da Cidade Antiga, aos judeus e palestinianos, enquanto desmontavam bombas. “Bomba não escolhe nacionalidade” – afirmou Alexey.
A fotografia preferida do fotógrafo é a de um comandante que fuma um cigarro, que Alexey lhe deu. Sorrindo, contou que os militares pediam sempre cigarros a qualquer pessoa e que, ali, na região do rio Baas, na Chechénia, estavam militares da elite em zona de conflito para combate ao terrorismo.
A imagem da árvore com o tronco esburacado e um soldado ao lado é um verdadeiro testemunho de guerra. Ficou conhecida como “árvore de guerra” e, quando Alexey regressou ao local, já só restava metade da mesma.
Uma das imagens mais marcantes de toda a exposição é a fotografia de uma pomba que, ao ver helicópteros na parada militar nos Campos Elíseos, no dia da Tomada da Bastilha, se afastou e começou a voar. Há quem “aponte o dedo” a Alexey e lhe pergunte se a imagem foi feita em Photoshop. Mas fica garantido que não. Esta é uma bela fotografia analógica e um acaso curioso do momento em que a lente dispara e a pomba começa a voar. Há, ainda, quem confesse que a fotografia faz lembrar o apocalipse – conseguindo ser das imagens mais comentadas e apreciadas da sala.
Estúdios profissionais de fotografia não são o “habitat natural” deste fotógrafo. A propósito das fotografias em estúdio ao tricampeão olímpico de luta greco-romana, o artista contou que trabalhou com o retrato durante duas horas e experimentou várias luzes. Quando se cansou, “apagou todas as luzes, ficou só uma lâmpada e saiu aquilo” – revelou a tradutora de Alexey, a apontar para o resultado final.
O misticismo da fotografia aos cavalos que correm no gelo deixou todos de queixo caído. Esta é uma imagem conseguida na corrida de cavalos, durante o torneio internacional White Tourf, no hipódromo de inverno de St. Moritz, na Suíça. Curiosamente, não foi programada pelo fotojornalista.
Em Barcelona, Alexey Belyanchev fotografou a corrida de um touro, em analógico. O objetivo era conseguir uma fotografia central, enquanto o touro se movimentava.
Há duas fotografias que aconchegam o coração dos portugueses: a imagem de duas mulheres a fazer pão, em Ponte de Lima; e a imagem de uma mulher, nos arredores de Setúbal, que dedica a vida à criação de ostras. O pão que as duas mulheres e Alexey fizeram, às quatro da manhã, foi o pão que levaram ao longo de sete dias para uma visita a Portugal. O fotógrafo garantiu que o pão estava “muito saboroso” e que foi sempre acompanhado por um copo de vinho verde. Por seu turno, quem contempla a imagem da mulher que faz criação de ostras confunde a paisagem de Portugal com uma paisagem algures na China ou Vietname. Há alguns elementos na imagem que remetem para esse cenário, mas convida-se os mais curiosos a visitar a exposição para descobrir o motivo.
Quando nos contou a história da última fotografia da exposição – o Papa Francisco no encontro com o patriarca da Rússia – Alexey Belyanchev revelou que, quando o Papa Francisco chegou ao aeroporto estava muito vento e os assistentes tentavam acomodar as suas vestes. O fotógrafo russo acrescentou que este foi um dos momentos mais marcantes da sua vida enquanto fotojornalista, e lamentou que na Rússia não se façam muitas exposições da sua área.
“As pessoas podem viver vidas diferentes, e eu sou muito feliz por ter vivido para fotografar momentos históricos.”
A visita personalizada à exposição terminou, mas a sala continuou sob olhares curiosos, de várias idades e nacionalidades. “Vi a exposição no Facebook e vim. Geralmente costumo vir aqui às exposições e é muito interessante”. Foi assim que uma das visitantes revelou como decidiu vir conhecer a exposição de Alexey Belyanchev.
Filipa e Miguel são dois jovens que descobriram a exposição através das redes sociais e decidiram visitar, no dia da inauguração. Não conheciam o fotojornalista, mas gostaram do seu trabalho. Miguel disse que “a exposição era um bocadinho pequena”. No entanto, ficou satisfeito. Filipa acrescentou que “as fotografias são muito distintas umas das outras”.
A exposição do fotojornalista moscovita vai estar no CPF até 24 de novembro. As legendas das imagens estão escritas em português, russo e inglês. “Ou assim…” vai ser o primeiro álbum da autoria do fotojornalista, onde vão estar algumas das fotografias da exposição “Este Mundo espantoso, inquieto e maravilhoso”.
Alexey anseia por “Dias de Moscovo no Porto e dias do Porto em Moscovo” e reforça a importância do fotojornalismo para a sociedade.
Artigo da autoria de Salomé Santos