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Cultura

LÍGIA CLARO: OLHAR A FOTOGRAFIA “COM O CORAÇÃO”

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Foi na sua terra natal que desenvolveu a paixão pela fotografia, após o pai lhe ter ensinado a trabalhar com máquinas de fotografia analógica. Começou por apontar a lente para a moda, eventos, produtos e, desde então, não parou de evoluir. No mundo digital, é no Instagram – @ligiaclaroo – que Lígia partilha o que vê com o mundo. Além desta área, também se apaixonou pelo macramé – @macrame.claro.

Para Lígia, a fotografia não tem limites. Ser fotógrafo freelancer exige criatividade e “coragem para arriscar”. Um fotógrafo tem que ter “uma grande vontade para se reinventar”. “Eu gosto de desafios, sempre gostei. Comecei a fotografar o meu dia-a-dia e depois passei para eventos. Por exemplo, a fotografia de produtos não era uma coisa que eu tinha muito à vontade. Mas uma pessoa quando gosta: lança-se. Por isso, comecei a fazer um bocadinho de tudo. Acho que não há limites. É seguir o coração”, confessa.

As redes sociais podem funcionar como fonte de inspiração e influenciam a arte e os artistas. No que diz respeito à fotografia, Lígia confessa que tem bastantes fontes de inspiração nas redes sociais. “É como se fossem uma fonte, vou lá beber um bocadinho. Eu levo as redes sociais de uma forma positiva. É uma forma de conhecer artistas e de fazer amigos novos nesta área.”

A banalização da fotografia, devido ao fácil acesso às redes sociais e às câmaras dos smartphones, é um tema que gera discussão entre os amantes da área. “Antigamente era rara aquela pessoa que sabia usar uma máquina, e os telemóveis nem existiam na minha altura. Eu comecei a fotografar com rolo. Mas acho que há espaço para todos, cada um com a sua visão. É claro que o acesso é muito mais imediato. Mas se seguirmos a nossa linha há tantas visões diferentes, tantos sentimentos diferentes, que eu acho que acabamos por criar o nosso caminho.”

Sendo uma apaixonada pela cidade do Porto, Lígia diz-se suspeita quando lhe perguntamos se considera que o Porto é uma cidade ‘amiga’ dos fotógrafos. Quando foi estudar para a Invicta, Lígia decidiu que era naquela cidade que queria viver. “Vim estudar para cá e por cá fiquei. Eu sou fascinada por esta cidade, por isso é que vim para aqui viver, com 20 anos.” Quando juntamos as palavras “Porto” e “fotografia” surge uma combinação que agrada a Lígia e que faz as delícias das suas imagens.

“Portugal é cada vez mais amigo da fotografia.” Com a ajuda do instagram e através dos eventos, o trabalho de um fotógrafo freelancer ganha visibilidade. “Acho que se estão a criar diversas atividades em volta da fotografia. Há uma vontade de conhecer sítios novos, descobrir, fazer trilhos… E Portugal tem uma diversidade de beleza, seja campo ou cidade.” Lígia afirma que este é um país digno de ser fotografado. Para além de visibilidade, a sua plataforma digital de eleição trouxe-lhe “uma coisa super positiva”: a vontade de desafiar o namorado e dizer “este fim-de-semana vamos a Viseu, vamos a Braga, vamos à Serra da Estrela” para explorar.

“Queremos conhecer, ver e fotografar. Antes não fazíamos isso. Tirávamos fotos no Porto, sempre mais do mesmo. Mas acho ótimo esta sensação de querer conhecer coisas novas e congelar tudo isso com a fotografia.” O desejo de conhecer Portugal e o potencial fotográfico do país é o que move Lígia. “Não preciso de ir para fora de Portugal, faço muito cá dentro”.

A situação do mercado atual preocupa Lígia e outros profissionais semelhantes, que têm de enfrentar um Portugal e um mundo artístico incerto. “Quando te convidam para fazer um trabalho convidam, por exemplo, seis fotógrafos. O orçamento mais pequenino é o que eles vão aceitar. Já ninguém olha para o trabalho em si. Olham só para as condições que tu lhes dás. E é muito difícil sobreviver, em Portugal, só com a fotografia, mesmo que sejas muito bom no que fazes”. Para além da dificuldade em encontrar trabalho, a profissão implica a utilização de material especializado e com custos elevados. “As pessoas não valorizam o orçamento que tu dás em prol daquilo que tens de investir”.

Embora as dificuldades em arranjar emprego sejam um entrave, Lígia diz que se sente reconhecida pelo público. “As pessoas valorizam no sentido em que olham e gostam. Mas não valorizam monetariamente. Podem achar o teu trabalho lindo, mas quando apresentas um orçamento não é compatível com o que eles pretendem”. A visibilidade nas plataformas digitais permite a fotógrafos e criadores de conteúdo colaborações com marcas, mas a banalização da fotografia dificulta esta tarefa. “Mesmo ao trabalhar com marcas, nas redes sociais, encontramos dificuldades, porque há muita oferta. Parece que até temos de pedir ‘por favor’ para trabalhar”.

Fotografia: Salomé Santos

Fotografia: Salomé Santos

Os obstáculos profissionais levaram Lígia a ir mais além e a deixar-se apaixonar por outra arte: o macramé. “O macramé surgiu na minha vida, exatamente, porque eu não faço só fotografia. Não sou fotógrafa a tempo inteiro. Neste momento não sou porque estava cansada de sentir que as pessoas não dão valor”. Lígia aposta no seu projeto de macramé, sem nunca esquecer a importância de ‘eternizar o olhar’ na sua vida. “Eu continuo a fazer fotografia: pessoal e profissional, mas tenho outras coisas que estou a abraçar na minha vida”.

O macramé integra também o trabalho de Lígia. A pergunta que se coloca é se há a necessidade de um fotógrafo ser polivalente, ou se é possível viver apenas da fotografia. Descobrimos que Lígia, para além da fotografia e do macramé, trabalha aos fins de semana no Industria Club, no Porto. No entanto, admite que o macramé apareceu na sua vida por necessidade, em consequência de uma fase menos boa. “Tive uns problemas que me deixaram um pouco em baixo e tive alguma dificuldade em enfrentar o meio social. Então, fechei-me um bocadinho em casa, comecei a ver tutoriais e surgiu-me esta paixão. Foi a melhor terapia que podia ter naquele momento, surgiu no momento certo.” Hoje, Lígia tem um website onde partilha o seu trabalho e faz as encomendas. “Gostando eu de fotografia, aplico-a ao macramé. Faço as fotografias de produto, das minhas peças. [A minha paixão] nunca está esquecida. Está sempre comigo, em todos os desafios”.

“Acho que é essa a piada da fotografia. Consegue acompanhar-nos em tudo o que fazemos ao longo da vida”.

Vivemos num mundo cada vez mais digital e instantâneo, onde, por vezes, pode ser necessário um meio que nos permita desligar. Para Lígia, o macramé é a solução para a agitação do dia a dia. “Eu sempre fui uma pessoa muito social, mas acho que à medida que vamos envelhecendo valorizamos muito mais os momentos que passamos sozinhos. O macramé traz-me isso: sou eu e ele, às vezes uma ‘musiquinha’ de fundo e estamos ali horas a conversar um com o outro”. Lígia apela à saúde mental e ao cuidado individual, para encontrarmos algo que funcione como “escape” e desafia as pessoas a procurar o que gostam de fazer. “Temos de começar desde cedo a cuidar de nós. As redes socias e o mundo digital, onde trabalho, podem deixar-nos excessivamente agitados e precisamos de encontrar algo que nos relaxe”.

A fotografia contemporânea pode ter um elevado impacto social e Lígia diz que há sempre uma nota escondida. “Há tanta coisa a passar à nossa volta, que algumas mensagens podem ser uma lufada de ar fresco. Fazem-nos pensar, fazem-nos acordar. Acho que a fotografia tem o papel importante de nos deixar, realmente, acordados”. Assim, funciona como um espelho da realidade em que vivemos e como um olhar sobre a sociedade atual. “É uma representação daquilo que estamos a viver. Não há regras, somos nós que as fazemos”.

“Desde que as coisas sejam feitas com o coração e acreditarmos que estamos a fazer o nosso melhor naquela fotografia e naquele momento, já é a melhor regra que podemos ter. A ponte entre dar o meu melhor e fotografar com o coração é a minha regra pessoal”.

Para um fotógrafo freelancer estar em constante atualização é necessária pesquisa e dedicação. Embora, para Lígia, a prática analógica tenha um significado especial, os preços elevados e a necessidade de rapidez na partilha do trabalho obrigam a artista a dar preferência à fotografia digital.  “Acho que temos que acompanhar os tempos, para crescermos nesta área. Evoluir, reinventar, aprender. Não só na fotografia, mas como seres humanos”. Lígia aprende com o que lê e vê à sua volta, para estar “minimamente atual com os tempos de hoje”, e acredita que o segredo para se estar atualizado é acompanhar outros fotógrafos e interagir com pessoas diferentes. “Nós aprendemos uns com os outros. Basta olhar para o trabalho de alguém e descubro um mundo novo. É uma forma de progredir e de absorver novas ideias. A fotografia é muito abrangente e dá para todos os gostos. Qualquer coisa pode servir de inspiração”.

“Eu realmente gostava e desejava que as pessoas olhassem de uma forma diferente, com o coração, para a fotografia. (…) É nela que congelamos os momentos mais especiais da nossa vida…”

O maior desafio que Lígia enfrenta é a falta de confiança em si mesma. “Tenho dificuldade em acreditar no que faço. Isso acaba por se refletir na fotografia. Eu dou o meu melhor, mas acho sempre que nunca está bem… Para mim é um desafio. Não sei se é assim com todos os fotógrafos”. Mas esta não é a única barreira. De facto, para quem se dedica a este universo, um dos maiores entraves “é a estabilidade deste meio. Às vezes temos de nos desdobrar, para conseguir sobreviver”.

Apesar da conjuntura do meio, Lígia anseia por um futuro mais positivo. “Eu espero que as pessoas olhem para a fotografia como uma arte e não como ‘aquela pessoa que tira uma fotografia no telemóvel e guarda’. Sinceramente, desejo que a situação melhore. Mas, com este ‘corre corre’, não acredito muito que a coisa mude. Os fotógrafos vão continuar a fazer o que fazem por gosto. Porque, quem corre por gosto, não cansa”. Lígia Claro apela aos fotógrafos em Portugal para continuarem a “batalhar para que a fotografia não esmoreça”. Acredita no potencial dos fotógrafos freelancer e promete continuar a deixar-se apaixonar pela fotografia, sem nunca descartar a arte do macramé. “Quem faz por gosto não vai desistir e vai sempre lutar para que a fotografia seja uma arte valorizada, cá em Portugal e não só”.

Fotografia: Salomé Santos

Fotografia: Salomé Santos

Artigo da autoria de Salomé Santos