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LAGO DOS CISNES: O AMOR BRANCO VENCEU O MAL NEGRO

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O Lago dos Cisnes é considerado um dos bailados mais espetaculares de todo o repertório de dança clássica, sobretudo devido à coreografia desafiadora que requer uma capacidade técnica de fazer suster a respiração. Por mor da sua graciosidade, é um espetáculo que agrada sempre a miúdos e graúdos – e esta vinda ao Porto bem o confirmou.

A peça divide as suas duas horas em dois atos e quatro cenas. A história contada pelos bailarinos não é complexa – mas a sua natureza faz-nos ativar perceções distintas, já que a história é somente dançada  e apenas o corpo fala.

O pano de fundo do bailado são dois cenários que se intercalam nos quatro momentos. O primeiro corresponde ao castelo, mais precisamente à corte da Rainha – onde o príncipe tem que realizar a difícil escolha que é tomar a posse de uma mulher para desposar. O alternativo exibe a floresta negra envenenada pelo mago Rothbart. Além dos cenários, são as luzes e as cores das vestimentas qu

e tecem a rede por onde os bailarinos se movimentam.

Como se pode esperar de um espetáculo de ballett, o que mais estonteia o público são os movimentos que enchem o palco. Movimentos esses que vão desde várias piruetas em sequência, suaves pinotes, saltos encarpados voadores, trocas de pés que ocorrem num abrir e fechar de olhos… e tudo sempre com um sorriso na cara. Os corpos ou – sejamos mais adequados ao caso – as ferramentas de trabalho, surgem de tal modo esmiuçados que não se descobrem nem joelhos nem dedos dos pés (nas bailarinas). Parecem ter sid

o poisados pela Mãe Delicadeza naquele palco para nos deslumbrarem com a sua suavidade hipnotizante.

Todo o corpo ajuda na construção da linguagem, pelo que se descobrem sempre novas miudezas: os pés a obedecerem à maior habilidade requerida como se fossem de gelatina, os inclinares da cabeça, os braços que se prolongam até à pontinha dos dedos das mãos, os olhares para o horizonte.

Neste bailado em especial, o facto das bailarinas estarem transformadas em cisnes permite observar as infinitas possibilidades de exploração de um corpo, evidenciando as suas diferentes moldagens. De destacar o papel da bailarina principal que, induzida pela forma como a peça está realizada, interpretou tanto o cisne branco principal (a princesa Odette) como o cisne negro (Odile, filha do mago). A dualidade de caráter foi atingida com tal sublimidade que, para o público, até aparentaram ser duas dançarinas diferentes.

Claro que não haveria cisnes sem lago: o tema de Piotr Tchaikovsky é o elemento base do bailado, surgindo como o guia da história. A linguagem corporal adequa-se à musicalidade e os níveis de romantismo e dramatismo na peça são espoletados pelas dinâmicas e intensidades da obra prima do compositor russo. A título de exemplo, nos compassos mais conhecidos do tema, os momentos de maior suavidade competem aos cisnes brancos, enquanto que sempre que a música ribomba e adquire uma tonalidade mais obscura, o foco é direcionado para a atuação da figura do mago.

Será que as prima ballerinas e “primo ballerinos” (sim, porque pela sua habilidade extraordinária, todos aparentam ser primos e primas) ainda se podem tomar por humanos? A pergunta coloca-se porque tanta suavidade e tanta delicadeza dificilmente podem ser atribuídas a um ser humano “comum”. Somente os bateres dos pés no solo é que indiciaram que tinham, de facto, peso humano e as mínimas falhas (praticamente nulas) marcaram a condição humana à qual todos estamos sujeitos. Caso contrário, bem poderiam ser anjos que poderiam levantar voo a qualquer momento.

Ainda que hipnotizados pela virtuosidade, não deixamos de pensar no que está por trás da perfeição que nos apresentam: o trabalho árduo e o esforço para alcançar toda a minuciosidade e esplendor requeridos àquele nível. Uma panóplia de circunstâncias a terem de ser ultrapassadas e de imperfeições a desejarem ser vencidas… nada obstante ao facto de ser realmente admirável haver uma adoração por algo e, consequentemente, a vontade de dedicar a vida a essa mesma atividade. Mas, quando se faz uma pequena relação ao filme Black Swan (2010), de Darren Aronofsky, onde as ideias obsessivas da protagonista levaram à sua queda, é difícil desprezar o quanto este (e outros) ambiente de tão alto nível pode propiciar tais pensamentos menos saudáveis.

De uma perspetiva exterior, nada há que sobressaia mais do que a sincronização excecional do grupo e a energia mágica que eleva os dançarinos a outro patamar. Mais do que vinte piruetas de seguida sem cair para o lado nem todos fazem – provavelmente até foi o próprio público que ficou mais desnorteado do que a bailarina.

Artigo da autoria de Nina Muschketat

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