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Cultura

OÁSIS: HÁ ÁGUA NO DESERTO DO TEATRO

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Genericamente, há um grande preconceito com o teatro contemporâneo e os seus infinitos simbolismos. Quem vê ao longe, de fora, e não é cliente habitual de palcos, tende a não gostar porque não percebe. Quem compra bilhetes e é entendido na matéria, normalmente opina que não gosta ou que retirou uma mensagem que, mais tarde vem a descobrir, nada teve a ver com a premissa.

Mas Oásis é como uma miragem. Podemos não ter a certeza se avistamos água, sumo ou vinho, mas sabemos que é líquido e estamos no meio do deserto. Pode estar uma ventania tremenda, um calor descomunal, ou até podemos ainda ter um cantil na mochila, mas não há como ignorar esta sorte. Chegamos perto e bebemos. Não reconhecemos o sabor porque não é nada que já tenhamos provado antes. Lambidos os lábios, queremos mais.

O espetáculo resulta do diálogo de nove senhores da arte, entre músicos, compositores, intérpretes, artistas visuais – são eles: Catarina Lacerda, Emanuel Santos, João Abreu, Jorge Queijo, Maria Luís Vilas Boas, Maria Mónica, Rodrigo Malvar, Rosário Costa, Sara Neves.

A companhia afastou-se das regras e propôs uma ocupação diferente do Teatro Helena Sá e Costa, que culminou num espetáculo-circuito, absolutamente imersivo, onde o corpo, a palavra e a mente do público ganham o protagonismo da ação.

O palco deixa de ser só para alguns e deixa de ser um só espaço. E se os criadores se veem a ser invadidos e a mostrar as suas cicatrizes, também o espectador está desconfortável do princípio ao fim. Quebrada a quarta parede, pedem-nos que revelemos as nossas preocupações parvas, dancemos como se soubéssemos, e deambulemos pelo backstage, a zona técnica e a assustadora boca de cena – que nunca nos é permitida porque, simplesmente, compramos bilhete.

No entretanto, vamos ao cinema, curtimos a música, engolimos em seco o silêncio, e tentamos lidar com o facto de nos terem atirado à cara a nossa maldita e absurda humanidade – pouco humana, viciada, inquieta, que faz login na apatia e logout nas incertezas absolutas.

Mas Oásis obriga-nos a reposicionar-nos e a emancipar-nos enquanto espetadores. E esta emancipação passa não apenas por deixar de achar que o teatro se vê sentado, mas também, e principalmente, por perceber que o que se passa lá dentro não pode morrer cá fora.

A frieza do Teatro do Frio arrepia qualquer ser que queira ser um ser como deve de ser. Quando as luzes desligam, o silêncio trinca-nos. Hesita-se a bater palmas, porque isso dita o fim que não se deseja. A hora passou a voar e as normas do teatro também saíram do ninho. O público, especado, de pé, no palco, aplaude e é aplaudido pelos artistas que (como se ainda não tivessem virado demasiados avessos) estão nas cadeiras a que estamos acostumados.

Rimos e não aplaudimos o suficiente, porque nos incomoda não saber como é que se continua a viver com a mesma passividade, depois deste manifesto. E agora?

1 – Posso ser selvagem como as zebras?

2 – Vai haver mais momentos para desabafar as “merdas” que me preocupam?

3 – Também posso despir-me de medos, virar as costas às hesitações e responder às perguntas difíceis com honestidade?

4 – Se dançar mais e largar o telemóvel, torno-me no super-homem?

Agradeço resposta. Provavelmente não vou entender a vossa língua, mas não há problema. No pior dos casos, sentamo-nos e bebemos um copo em silêncio. A vossa água é melhor que as outras.

Artigo da autoria de Inês Sincero

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