Cultura

CELEBRAR 200 ANOS DE LITERATURA NO PORTO

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A visita iniciou-se pelas dez da manhã, em frente à Bibliotheca Municipal do Porto, no Jardim Marques de Oliveira (ou Jardim de São Lázaro), ao comando de Manuel de Sousa, guia, historiador e fundador da página Porto Desaparecido.

Em tom de introdução, o historiador falou um pouco da BMP, desde a sua reconversão de convento em biblioteca, aos tempos do bibliotecário Alexandre Herculano até à atualidade, mencionando o vasto de espólio da obra de Eugénio de Andrade que a casa alberga.

Na Batalha, junto do emblemático TNSJ foi mencionado Almeida Garrett (cujo nascimento é contemporâneo ao edifício) e episódios de hooliganismo lírico de outrora. Já no outro lado da praça, o anfitrião chamou à atenção para fachada do antigo café Águia D’ Ouro. Este local, além de icónico espaço de tertúlia política e literária novecentista,  foi ainda teatro, cinema e berço dos Fenianos. Em tom de curiosidade, Manuel de Sousa contou como era costume de Antero de Quental, nas suas idas ao Porto, fazer “nota ao público” da sua disponibilidade para debater entre as cinco e as seis da tarde naquele café.

Passando o busto de Camões na esquina da Livraria Latina (onde durante a Ditadura, era possível obter livros proibidos), seguiu-se uma paragem no Café Majestic. Antes das filas massivas e dos cafés a cinco euros, explicou o guia, era um local frequentado por vários escritores, desde o amarantino Teixeira de Pascoes, ao vila condense José Régio e, mais recentemente, à britânica J.K. Rowling.

Em frente ao Ateneu Comercial do Porto, bastião dos burgueses portuenses, das debutantes e de narrativas de uma nata de uma cidade cada vez mais heterogénea, o guia recomendou uma visita à sua biblioteca. Ainda que algo restrita, advertiu, é uma das melhores bibliotecas do Porto, com joias raras, como uma primeira edição d’Os Lusíadas.

A escala seguinte foi na Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHP), instituição fundada no séc. XIX que desde sempre se rege pela promoção da liberdade de expressão. Apesar de o nome poder induzir em erro, a AJHP adotou já em 1901, a primeira mulher como membro, Clotilde Macedo, professora e poetisa local.

Devido à turba natalícia nos Aliados, optou-se por uma permanência rápida na avenida, em frente à estátua de Garrett, para falar um pouco da vida deste ilustre portuense e seguir para a Praça Filipa de Lencastre. Lá, o guia falou um pouco do mediático julgamento de Camilo Castelo Branco num tribunal extinto localizado nessa praça, do Café Ceuta, da Porto Editora e de José António Pina, famoso autor infantil egitaniense que cedo adotou o Porto como casa.

Sensivelmente a meio da visita, fez-se uma pausa para café na Moreira da Costa, emblemática alfarrabista histórica. Facto desconhecido por muitos é que esta livraria esconde na cave uns “túneis” com milhares de livros empilhados ao longo de décadas cujo processo de arquivamento-etiquetagem é ainda hoje desempenhado pelo proprietário. Recentemente, estas catacumbas estiveram em risco de ser convertidas num spa do hotel adjacente, não fosse um esforço conjunto dos cidadãos e do Município em reconhecer o valor histórico da loja.

Calcorreando as galerias de Paris e subindo as Carmelitas, na Livraria Lello, o guia-historiador falou da fundação deste estabelecimento, da correlação com Hogwarts, e ainda de dois inéditos episódios relacionadas com uma compra de uma Bíblia por Florbela Espanca e uma reclamação pitoresca de Pessoa relativa a uma tradução duvidosa de Shakespeare pela editora homónima à livraria.

Na praça dos Leões, o guia mencionou autores portuenses de hoje como Daniel Jonas, Filipa Leal e João Reis e recomendou livrarias como a Flanêur, a estreante Menina e Moça e a Poetria, única livraria portuguesa dedicada exclusivamente à poesia. Falou-se ainda de Carolina Michaelis, alemã “portuense” estudiosa da saudade e, junto do antigo ICBAS, perto do seu busto, de Júlio Dinis, notável autor cuja carreira literária foi precocemente cortada por uma tuberculose ao trinta e um anos.

Atravessando os plátanos do Jardim João Chagas (ou Jardim da Cordoaria), falou-se deste ilustre republicano, de Ramalho Ortigão e um duelo de espada com  Antero no Jardim de Arca d’Água e ainda de António Nobre, o poeta mais triste de Portugal. Camilo e Ana Plácido voltaram à baila, numa breve paragem em frente à antiga cadeia da Relação, onde o guia referiu o estatuto estrela dos adúlteros, já que Camilo tinha direito a passeios na Cordoaria e Ana Plácido, a cela exclusiva de “senhora de condição”.

O passeio terminou pouco depois da uma, em frente à torre dos Clérigos – ou o “Porto espremido para cima” segundo Teixeira de Pascoaes -, falando de autores contemporâneos como Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen.  Curiosamente, neste ano, celebra-se o centenário de nascimento destes escritores reacionários, amigos e correspondentes.

A propósito da distância face à quinta dos Andresen (atual Jardim Botânico), o cicerone terminou a visita desculpando a impossibilidade física do percurso não incluir outras zonas literárias da cidade, como a Foz do Douro ou o Campo Alegre. Afinal, o Porto é um organismo literário vivo que não se cinge à baixa nem a um qualquer período temporal, ao contrário do nosso corpo, que passado algumas hora à andar já sofre.

De referir que entre as várias paragens da visita foram ouvidos vários trechos de autores como Eugénio de Andrade, Nuno Júdice, Vasco Graça Moura, Almeida Garrett, João Chagas, Jorge de Sena ou Sophia de Mello Breyner. Finalmente, frisar que a Bairro dos Livros irá repetir esta visita em janeiro e ainda este mês de dezembro organizará uma tour dedicada ao universo Harry Potter.

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