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Cultura

SOFIA RIBEIRO: “A ALMA SAI-LHE PELA VOZ”

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A caminhar pela rua, “a bordo de um avião, ao acordar, sentada ao computador ou com um piano à frente”, as ideias podem surgir e a música – qualquer que seja – pode acontecer. Sofia Ribeiro, que conta com um percurso na música de 17 anos, assume não ter “uma forma pré-definida de criar”.

Às vezes começo pela letra, outras vezes pela melodia ou por um acorde de que gosto, e outras vezes sai tudo ao mesmo tempo.

Contudo, no momento da criação podem não estar reunidos todos os elementos para que a obra surja. Por exemplo, o bem-estar da mente é essencial na arte de criar.

Para que tudo se dê de forma espontânea, Sofia não prescinde dos exercícios que lhe permitem “limpar a mente”. Falamos de yoga, meditação – que faz “quase todos os dias” – e exercícios “para soltar a imaginação e libertar a criatividade”. Um destes últimos consiste em: “escrever numa ou mais folhas de papel tudo o que me vem à cabeça, o mais rapidamente possível, sem parar para ler ou analisar o que escrevi, sem me preocupar com o significado, a letra ou a ortografia”. Há, ainda, o “abrir a boca para cantar e aceitar o que sai”. É o que acontece, por exemplo, nos Círculos de Canto – “encontros, onde a música é criada de forma espontânea”, dirigidos “tanto a cantores profissionais como a ‘cantores de chuveiro’ “. 

Fotografia de Silvia Ospina

Fotografia de Silvia Ospina

Desde que começou a dedicar-se à arte dos sons e das melodias, a voz – ou a “alma” – foi-se construindo de um acumular de experiências pelo mundo. Por onde vai passando, faz uma recolha de material que lhe permite maturar um futuro com mais riqueza e ponderação.

Trago de cada um dos países onde viajo experiências diversas, inspiradoras e enriquecedoras, que a cada dia me abrem ainda mais os horizontes e me fazem ver as coisas sob diferentes perspectivas.

Num balanço destes 17 anos de música, as palavras surgem prontas: “Gravei dez discos. Viajei imenso. Tenho tido a sorte de cantar um pouco por todo o mundo, principalmente no meu idioma, para pessoas de muitas nacionalidades diferentes. Tive altos e baixos, mas de cada momento difícil saí com mais força ainda”. Há pouco tempo, Sofia dava a conhecer ao público o nome de alguém que se revelou importante num desses momentos de incerteza, acabando por marcar a sua formação enquanto pessoa e música – Jaime Barranco, colombiano, dono de uma loja de artesanato de nome Macumba.

Na verdade há mais para além do homem “de olhos azuis grandes” com “uma presença muito forte”. Para falar de Jaime, ter-se-ia de falar da “indignação com a indústria musical”, do bairro La Soledad, de um quiosque de peças de artesanato e da chuva que impediu Sofia de sair do local onde se encontraram. Sem Jaime, a sua música teria uma forma diferente, ou talvez nem existisse.

Além disso, Sofia assume que o público tem desempenhado um papel fundamental na força com que se dedica à conquista diária pelo que gosta. “Cada vez que alguém me diz, no final de um concerto, que se emocionou ou “viajou” quando me ouviu cantar – muitas vezes sem entender a letra – sinto que todos os esforços valeram a pena”, afirma.

De Lunga aos Círculos de Voz, com os olhos postos no futuro

Depois de Ar, em 2012, e Mar sonoro, em 2016, chegou a vez de Lunga (2019), o seu mais recente álbum. O disco conta com dez temas, um deles homónimo do álbum. Neste tema não se ouve português, espanhol ou qualquer outra língua. Ouve-se, sim, um conjunto de sons que compõem uma melodia. A mensagem é a que o ouvinte lhe quiser atribuir. “O tema ‘Lunga tem um idioma inventado. Cada um tem liberdade para interpretar a letra da forma que quiser. Não significa nada específico em nenhuma língua, o que faz com que não precise de tradução. É um idioma que não pertence a nenhum país ou cultura e que se torna, de algum modo, universal e acessível a todos”. 

 

 

Em Lunga, pode encontrar-se, também, uma canção cujo poema é da autoria da sua mãe, uma “mensagem simples e profunda” – termina com “flor Silvestre diz então onde achar felicidade/basta ouvir o coração, viver na simplicidade”. De entre a coletânea de temas que constituem Lunga, há um no qual se identifica particularmente: “Adiante”, uma composição partilhada com Juan Andrés Ospina. 

“O disco Lunga já me proporcionou muitos momentos especiais, apesar de ter sido lançado há poucos meses. Há várias músicas do álbum que, segundo os relatos dos ouvintes, emocionam especialmente. E ainda mais quando as canto ao vivo e conto as histórias de como surgiram”, confessa. No alinhamento das suas apostas recentes, saltamos para os Círculos de Canto, que umas vezes lidera sozinha, outras acompanhada, e que contam com participantes da Bélgica, França, Espanha, Finlândia, Colômbia e Portugal.

Fotografia de Silvia Ospina

Fotografia de Silvia Ospina

É aqui que “a música é criada de forma espontânea” e se explora “o potencial da voz não só como instrumento musical, mas também como uma ferramenta de descoberta sobre nós mesmos”. Tratam-se de encontros abertos à participação de qualquer pessoa, com ou sem conhecimentos musicais. “É uma técnica que se usa por todo o mundo, de inúmeras maneiras, e que existe desde os tempos primitivos da existência humana. Um grupo de pessoas junta-se em círculo para cantar música improvisada no momento, seguindo as orientações de um ou mais líderes.”

A música vai-se transformando de forma imprevisível, e a magia acontece quando confiamos e nos deixamos guiar pela intuição.

A voz, nestes momentos, constitui “um meio de libertação, instrumento de jogo e de ligação profunda com o momento presente”.

 

 

A artista portuguesa está segura de que a música tem um “poder transformador”. Disto é exemplo a “diferença de como [os participantes dos Círculos de Canto] entram na sala, antes da atividade, muitas vezes com receio e timidez, e como se vão embora, relaxados, com um grande sorriso na cara e com vontade de cantar mais”. Os participantes partilham frases como “sinto que me saiu um peso de cima”, “não sabia que era capaz de cantar”, “sinto-me transformado”, “libertei emoções negativas”. Para a artista é muito gratificante ver que se criou uma ligação forte entre o grupo, apesar das pessoas se terem conhecido duas horas antes. Sentem que fazem parte de algo único e inesquecível, e que não se vai voltar a repetir”. 

Quanto ao futuro, as convicções são claras: “quero continuar a cantar pelo mundo fora, e chegar a cada vez mais gente, através dos meus concertos, workshops e retiros”. Para além disto, encontra-se a preparar um projeto em formato de trio – composto por voz, guitarra e violoncelo – no qual é responsável por grande parte dos arranjos e direção musical.

Tenho muita vontade de me sentar ao piano a compor novas músicas, coisa que ultimamente não tenho tido muito tempo para fazer com tantas viagens pelo meio. 

“Estou também a começar um projeto novo de Círculos de Canto com participantes que não tenham relação com a música, como, por exemplo, pessoas que vivem no campo, na selva ou em bairros com menos recursos socioeconómicos. A ideia é gravar um documentário sobre o impacto da improvisação vocal como ferramenta de transformação social em contextos diversos”, revela.