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Cultura

JUP RETROSPETIVA 2019: TEATRO

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No Porto há palcos e palcos. Há salas vazias e salas cheias. Há espetáculos anunciados nas grandes praças e há obras de arte divulgadas só através de eventos no facebook. Há artistas e artistas, bem como há públicos e públicos.

É triste que se continuem a cometer os mesmos erros, que o clássico ou o excessivamente contemporâneo não seja capaz de cativar novos amantes. É triste que haja poucos apoios, pouco equilíbrio e pouca justificação da programação. É triste que se faça muito teatro para privilegiados.

Mas fale-se do que não é nada triste: 2019 foi de aplaudir de pé.

Sopro

Criado e encenado por Tiago Rodrigues, Sopro é uma genialidade rara e uma das mais bonitas cartas de amor escritas ao teatro.

Cristina Vidal sussurrou peças inteiras e viveu atrás das cortinas durante 40 anos. O seu maior elogio sempre foi não receber aplausos. Mas Tiago Rodrigues, como bom louco arrojado que é, não só dá vida à vida de uma ponto, como a traz para palco e a deixa lá sozinha.

De olhos postos na figura que nunca vemos e na profissão em vias de extinção, Sopro é uma lofada de ar fresco para quem está a ficar sem ar e quer “sobretudo não morrer”. Sobre tudo, teatro assim não morre e profissões memoráveis não desaparecem.

O Barão 

A Companhia Cepa Torta, sob a encenação de Miguel Maia e a partir de um conto de Branquinho da Fonseca, provou a experiência transcendente e multidisciplinar que pode ser ir ao teatro.

Neste espetáculo-ensaio há um desejo incontrolável de sair de personagem, saltar do palco e contornar a história. Os intérpretes são mais pessoas que atores o palco é um animal selvagem difícil de domar.

Denso, fragmentado e questionador, O Barão é a evidência que fazer arte é fazer experiências e correr o risco de se ser incompreendido. (No fundo, é como ser uma pessoa normal). Que uma das resoluções 2020 seja mais arte contemporânea e meia dadaista, como esta, que despe quem está em palco e quem está sentado na plateia.

Migraaaantes 

Migraaaantes foi o texto escolhido para desafiar os alunos do 2º ano da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo na sua segunda produção. A peça, dirigida por Paulo Calatré e apresentada (apenas) numa das salas da universidade – com lugares e coca-colas limitadas – esbofeteia a qualidade de grande parte do aclamado teatro nacional e garante as boas fornadas de artistas que aí vêm.

Matéi Visniec agarrou na brutalidade do mundo real para criar uma história sobre tudo, menos ficção. Os jovens atores, de uma maturidade inacreditável, deram vida aos muros, às travessias, aos poderosos engravatados, aos estrangeiros de todo o lado, às lágrimas e gritos e histórias e segredos.

Porque ler notícias parece ficção e ver teatro parece verdade, a arte foi uma tentativa de operar mudança. Matar-se-iam os grandes, se se vissem ali caricaturados. E choraria qualquer um que visse, ali, a realidade com que corrobora.

Primavera Selvagem

É necessário e urgente desmistificar o universo paralelo em que vivem os artistas e os atores. Primavera Selvagem convida o público a sentar-se num dos imponentes palcos nacionais e – como se isso não fosse intimidante o suficiente – afundam-se na tristeza, no amor e no caos da cabeça de Gertie.

Quase nunca tudo é bom. Mas este é o desabruchar descontrolado de um equilibrio raro. O texto é sublime, as imagens cénicas são poderosas, o cenário é inesquecível e o trio de atores que nos confronta é de uma excelência absoluta.

Todas as vidas têm muitas vidas, mas a vida de um ator tem ainda mais. E se todos somos atores, a encenação de Jorge Pinto faz o público saber pode viver eternamente.

Pio 

Musgo é uma das companhias revelação e um exemplo de que o melhor da arte está sempre, ainda, para vir. Apostam em textos originais, cicatrizados por diálogos íntimos, dinâmicos e criativos e gostam de tocar na ferida, seja ela qual for.

À semelhança do restante historial, Pio ganhou vida na Associação de Moradores da Bouça, outro espaço fora dos circuitos de teatro da cidade. Pouco importa onde a companhia assenta, qualquer palco ganha a carga política e social que as suas histórias carregam e este espetáculo foi um manifesto, que aponta o caos para que caminhamos e a necessidade de falar a quem nos ouve.

Três personagens são três pessoas e nós somos todas elas. Frágeis e lutadoras. Conspiram e tentam. E vivem, enquanto podem. Pio faz-nos querer viver, viver melhor. E é por isso que é maravilhoso.

 

Figura do Ano

Tiago Rodrigues

Tiago Rodrigues – diretor do Teatro Nacional D. Maria II, Prémio Pessoa 2019 e um autêntico génio. Ator, encenador e dramaturgo, o artista contribui para o desenvolvimento da arte de forma constante, consistente e vanguardista.

Reconhecido nacional e internacionalmente, Tiago Rodrigues empenha-se por fazer dialogar o seu teatro com outras linguagens artísticas, como a dança e o cinema.

Poucos são os olhos com a sua sensibilidade e ínfimos os capazes de balançar a intensidade e o riso, a verdade e os silêncios, as lágrimas e o inesperado, a intemporalidade e o mundo de hoje.

Faça chuva ou faça sol, reguemos Tiagos, no próximo ano e no seguinte também. Precisamos de Sopros e Girafas e de tudo o que ele nos quiser dar.

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