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Uma estrela mais pesada do que o céu

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O veredito foi suicídio. Kurt Cobain tinha apenas 27 anos e estava no auge da sua carreira meteórica nos Nirvana, a banda que se tornou o símbolo de uma geração. Neste contexto, o jornalista Charles R. Cross, editor do famoso jornal de música “The Rocket, reeditou a biografia que escreveu de Kurt Cobain intitulada “Heavier Than Heaven”. “Mais Pesado Que O Céu” chegou às livrarias também na versão portuguesa.

Charles Cross desenvolveu a sua pesquisa durante quatro anos, e realizou mais de 400 entrevistas a familiares, amigos e outras pessoas que passaram pela vida de Kurt. De forma a conseguir construir uma narrativa biográfica do artista o mais completa e detalhada possível, Cross teve ainda acesso às suas músicas, poesias, desenhos, pinturas, esculturas, vídeos e diários pessoais.

Por viver em Seattle e por ter acompanhado de perto o crescimento da cena musical alternativa no noroeste dos Estados Unidos da América, Charles Cross foi o primeiro jornalista a publicar uma reportagem de capa com os Nirvana.

O escritor conseguiu captar a trajetória atribulada e dramática da vida do músico, mergulhando no seu universo criativo e autodestrutivo.

A leitura é envolvente, empolgante, e permite o embarque numa narrativa densa, apaixonante e trágica. Trata-se de um retrato pessoal e profissional pormenorizado, capaz de deliciar qualquer admirador de Kurt Cobain e dos Nirvana.

O livro começa por descrever o lugar e o contexto social claustrofóbico que viu nascer o artista. Conta como foi uma criança feliz, com uma energia contagiante, até ter de enfrentar os diversos conflitos familiares. O choque do divórcio dos pais teve um impacto crucial na sua vida e obra. Desde esse episódio que a sua vida foi pautada pela instabilidade: entre tumultos familiares e dificuldades financeiras. Encontrava-se debaixo de uma guerra parental que afetou o seu temperamento sensível e introvertido.

Fotografia: Getty Images

Kurt assistiu ao desmoronamento do seu lar a partir dos 9 anos, e ao longo da adolescência. Viveu entre a rulote do pai, a casa da mãe, a dos avós paternos, dos tios, tias, vizinhos e até do diretor da escola. Porém, todas as pessoas que acolherem o jovem Kurt nesse período estavam demasiado ocupadas a tomar conta das suas vidas, a gerir adversidades conjugais e financeiras, a enfrentar vícios ou a debater-se com problemas de saúde mental. Talvez por isso não tivessem tido tempo de compreender, amar e dar a atenção que Kurt desejava.

Quando cada um dos seus pais se voltou a casar e a formar novas famílias, Kurt, que já lidava com as crises existenciais típicas da adolescência, sentiu-se abandonado e começou a rebelar-se. Os seus sentimentos de tristeza, raiva e desilusão começaram a alimentar o seu lado criativo, já proeminente, e a serem canalizados para desenhos e pinturas.

Como Cobain revelava um interesse aceso por música, um tio, que tocava guitarra num bar local, ofereceu-lhe uma guitarra antiga. A partir daí, Kurt nunca mais largou o instrumento e começou a praticar incessantemente até ao momento em que decidiu que queria formar uma banda.

Mas esse caminho não foi simples, nem bonito. Depois de ter desistido da escola, ter começado a beber álcool e a consumir marijuana, e de se ter incompatibilizado com os pais, passou a dormir na rua e os seus problemas de saúde física agravaram-se. Ainda assim, tentou direcionar as suas angústias e frustrações para a arte: pintava, desenhava, escrevia e, já mais perspicaz com a guitarra, começou a compor canções. Alguns contactos com aspirantes a músicos locais e com uma editora independente – a Sub Pop –, permitiram-no, já com os Nirvana formados, fazer um roteiro de concertos pelos Estados Unidos e mostrar as suas músicas. Mas os primeiros anos foram penosos: continuava a ter de decidir entre pagar a gasolina da carrinha que o mantinha a dar concertos, ou a alimentação.

A história conta que, com um orçamento muito baixo, os Nirvana conseguiram gravar e lançar o primeiro álbum – Bleach –, mas, apesar de terem a agenda cheia de concertos, Kurt ainda vivia na miséria. Não tinha casa e, então, pernoitava no sofá da casa de amigos ou no banco de trás de carros.  Nesta altura, ainda que a sua produção artística tenha sido muito efervescente, a sensação de desamparo e de abatimento físico e emocional acentuaram-se. Cross espelha esse estado através dos diários de Kurt.

Contudo, dedicou-se à sua paixão e persistiu numa carreira musical que lhe desse o reconhecimento que nunca teve e alguma estabilidade material. Kurt Cobain conseguiu, já com o segundo álbum dos Nirvana – Nevermind –, o sucesso que nunca imaginou alguma vez conseguir. Com um impacto fenomenal no cenário musical mundial, e tendo marcado definitivamente as culturas jovens na década de 90, os Nirvana não foram apenas as suas músicas. Foram também uma postura e atitude perante o mundo. Despojados de artificies – rejeitando o mainstream, as limusines, o tratamento de ‘rock stars’ – e mostrando-se genuínos, os Nirvana tornaram-se famosos e o símbolo do descontentamento da juventude com a sociedade.

Acreditando que teriam aberto um caminho e uma oportunidade de expressão para os desajustados, os Nirvana queriam afirmar o empoderamento das minorias e do rock alternativo e independente.

As suas músicas – acompanhadas pela voz rouca, áspera, estranhamente doce e comovente de Kurt Cobain – são um conjunto de melodias agradáveis e íntimas. Com refrões carregados e explosivos, são compostas por uma invulgar energia pujante, mas, simultaneamente, uma melancolia sombria. Um paradoxo que definia bem a personalidade de Cobain.

Numa vida em que a busca incessante por amor e aceitação foi uma constante, os sentimentos de abandono, dor, fúria e depressão estiveram muitas vezes presentes. Foram, assim, também eles que alimentaram o universo artístico de Kurt. Por outro lado, a realidade que o rodeava não o deixava indiferente e, por isso, também servia de tema para as suas reflexões e canções – nomeadamente temas como o racismo, o machismo, a homofobia e as injustiças sociais.

No entanto, no seu livro, Charles Cross revela que, mesmo depois de ter atingido a fama com os Nirvana, as dores físicas e emocionais perseguiram Kurt Cobain. O confronto com a realidade da indústria musical americana, a exposição aos media, e as pressões e exigências que o novo estatuto de ‘rock star’ lhe exigiam, levaram Kurt a imergir num estado de ansiedade e esgotamento emocional, que começou a gerir com o abuso de drogas.

Fotografia: Marcel Noecker/dpa/Corbis

O livro “Mais Pesado que o Céu – a biografia definitiva de Kurt Cobain” retrata, ainda, a relação tempestuosa de amor que Kurt desenvolveu com Courtney Love e o nascimento da sua filha Frances Bean – que pareceu ter dado um novo sentido à sua vida. No entanto, os últimos momentos da vida e carreira deste artista foram marcados por um agravamento do seu consumo de drogas e da sua incapacidade em lidar com as exigências da carreira agitada. Kurt Cobain, que inspirou uma geração de músicos e fãs, foi engolido numa espiral de isolamento, depressão e autodestruição.

Esta biografia é de leitura obrigatória para qualquer admirador ou interessado no percurso emocionante de ascensão e decadência de uma das figuras mais icónicas e emblemáticas da história da música e cultura contemporânea.

Como proferiu Kris Novoselic, amigo, e um dos membros dos Nirvana: “lembremo-nos do Kurt como ele era: solidário, generoso, doce…”. A sua vida foi tão intensa como breve, mas a sua música é imortal.

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