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Cultura

Rubem Fonseca: uma eterna vida noir

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Autor de muitos contos, romances e obras que trazem a violência nua e crua das grandes cidades. Num estilo áspero e sem rodeios, Rubem Fonseca fala sobre a solidão nas metrópoles, a sensualidade e o erotismo, como forma de compor críticas a uma sociedade que oprime, isola e maltrata os indivíduos.

Chocar – essa é a palavra que cicatriza as suas personagens e detetives. O herói, o típico do romance, esse não entra aqui.

As narrativas são construídas de maneira a que a relação entre o protagonista e o bandido se mescla, dificultando ao leitor identificar exatamente quem é quem. Ambos transitam de um lado para o outro e misturam-se, de tal forma, que o leitor se perde na desconstrução. Deste modo, é possível ir além das linhas traçadas e ver que, tal como a antítese do anjo e do demónio, também nós transitamos entre papéis antagónicos.

“Feliz Ano Novo” foi publicado em 1975 e habilita-se a ser eterno. O conto ambienta-se na sociedade capitalista, que é a nossa sociedade, e a narrativa desenvolve-se num momento em que as diferenças sociais são cada vez mais sentidas e a dicotomia entre o rico e o pobre é clara, através dos desejos das personagens.

O narrador conta a vida de Zequinha e Pereba neste mundo, onde o consumo é o êxtase da vida. Nesse mundo, também existe a realidade da escassez de recursos para obter o estilo de vida vendido pela publicidade. Mas, nesse mundo, o muro que separa os mundos pode ser derrubado através da violência. É ela quem lhes permite viver transitando entre a vida de pobres e a vida dos “cheios da grana”. E é aqui que entra a magia de Rubem Fonseca.

As personagens são reais, brutalmente reais, e têm noção do poder da sua posição social:  “Cara importante faz o que quer”.

A linguagem carrega força e marcas orais da própria marginalidade, e os valores sociais descritos são evidenciados, precisamente, para chocar.  É na figura do narrador que reside a grande crítica e o grande sentido crítico. De um lado, em Zequinha, temos uma persona comum, sem caracterizações específicas. Mas do outro, temos Pereba, desenhado como o típico marginal – feio, desdentado, estrábico e com marcas físicas. Tal qual o estereótipo.

O conto apresenta um ciclo vicioso retroativo entre policias e bandidos e a caça é violenta: “assassinaram o Bom Crioulo com dezesseis tiros no quengo”, “estrangularam o Vevé”, “jogaram o Minhoca todo arrebentado no Guandu” e “tocaram fogo no Tripé”. Em resposta, contra eles e contra os ricos, surge o ódio e a frieza. Idealizam-se armas e mortes, extermínios de polícias e grandes loucuras – “Zequinha atirou. O cara voou, os pés saíram do chão, foi bonito, como se ele tivesse dado um salto para trás. Bateu com estrondo na porta e ficou ali grudado.”.

Ódio gera ódio, quer na vida, quer na ficção.

“Feliz Ano Novo” é ficção com traços da arte realista e está repleta de elementos de ordem social, principalmente através da violência como reflexo do sistema. Neste momento de isolamento, Rubem Fonseca e as vidas que criou levam-nos a pensar na sociedade que estamos a construir e na negatividade dos nossos atos. Além disso, incita-nos a transformar, de forma urgente, alguns conceitos e atitudes. O autor dizia que “escrever é tomar decisões constantemente”. Pois bem, no livro da vida também temos de tomar constantemente decisões – a cada manhã, a cada página em branco.

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