Cultura

O Bicho mexe-se, mexendo

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Hoje seria dia de Bruno. Hoje, amanhã, e todos os dias até sexta, até ser segunda, outra vez. Se hoje não é dia de Bruno, então é porque o bicho começou a mexer-se daqui para fora, e a normalidade espreita. Então, seguindo uma lógica básica, deveríamos ficar felizes por já não haver Bruno. Mas não ficamos. Não ficamos, porque foi bom demais, e queremos mais.

“Como É Que O Bicho Mexe?” começou por ser “apenas” um copo de vinho, de final de dia, e culminou numa bebedeira de grupo descomunal – das boas. Independentemente de como correra o dia do espectador anónimo do outro lado, Bruno Nogueira quase fazia crer que estava tudo bem. Mesmo depois de uma generalizada rotina de tele-caos, o humorista conseguia parar-nos e fazer-nos rir.

E rir, em pleno fim do mundo, conta como gargalhar.

Em conjunto com Nuno Markl, Filipe Melo, João Manzarra, Salvador Martinha, Beatriz Gosta, Nuno Lopes, João Quadros, Bumba na Fofinha, Albano Jerónimo, entre várias outras personalidades, Bruno Nogueira montou todo um universo paralelo, com uma história tão estupidamente cativante como uma novela, mas com a qualidade e credibilidade da realidade.

Do desporto à cozinha, da juventude à idade que já devia estar a dormir à uma da madrugada, o artista juntou uma série de caras conhecidas, discutiu o presente, lembrou o passado, repensou o futuro, tal qual uma comum conversa de amigos, e aparvalhou muito. Os dias ganharam uma sequência e uma consequência, mas a surpresa e o inesperado permaneceram como a cicatriz identitária do Bicho.

O Bicho foi, inegavelmente, o bom, desta época em que o bicho mau parecia vencer.

Nuno Markl fez arrebitar uma rádio do Pólo Norte, Nuno Lopes apresentou a magia dos brinquedos sexuais, João Manzarra pregou uma partida que, por um triz, não virou moda. Albano Jerónimo pôs os géneros de lado e Vhils cravou – no dia dos cravos – o eterno Zeca numa parede. No fim da noite, o piano de Pipão fechava a madrugada. Mas e hoje? Que bicho nos vai morder antes de ir dormir?

https://www.youtube.com/watch?v=h9haYyX26GA&feature=emb_title

Bruno Nogueira não fez apenas arte, nem se limitou a dar continuidade à cultura. Ele fez ativismo, fez política e fez uma revolução. E se o artista quis celebrar o Natal a 15 de maio, restava ao país ir, em peso, à garagem, buscar luzes, bolas e até presépios personalizados com a sua cara. E a verdade é que o país foi.

Como é que se agradece a alguém que evitou que ficássemos malucos?

O Bicho mordeu 170 mil pessoas. O Bicho conseguiu ser maior do que qualquer evento artístico ou cultural, seja de que área for, sem perder a efemeridade e a intensidade que os caracteriza. O Bicho entrou pelos pequenos ecrãs do telemóvel e, de repente, estava a arranjar-se forma de o projetar na maior e mais lisa parede de casa.

“Foi o melhor Natal de sempre”, “és a prova que o sucesso ainda não foi contado”, “há coisas que transcendem as obras primas” – estes são alguns dos comentários emotivos, na live final. “Vão para dentro. Vai ficar tudo bem.”, repetiu Bruno, uma série de dias, como se de um beijinho de boa noite se tratasse. Agora que podemos começar a ir lá fora, ainda não se sabe se vai ficar tudo bem. Mas uma coisa é certa: coisas muito boas podem ser feitas lá dentro. E vai ficar tudo bem enquanto tivermos Brunos.

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