Cultura

Ar Condicionado: a refrescante presença de Angola num festival de cinema digital

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Os tradicionais festivais de cinema, enfrentados pela COVID-19 e restringidos às normas de segurança da Organização Mundial de Saúde, tiveram que adiar ou cancelar as suas cerimónias. Este percalço atrasaria as estreias dos filmes e condensaria o período pós-pandemia. Com as pessoas em casa e as economias paradas, houve espaço para uma forma diferente e original de realizar os eventos cinematográficos: numa plataforma digital.

A New York’s Tribeca Enterprises sugeriu que se juntassem vários festivais e, em parceria com o YouTube, tudo se fundiu no We Are One: A Global Film Festival.

O festival realizou-se entre 29 de Maio e 7 de Junho e contou com 20 festivais – entre eles destacam-se Festival de Cinema de Cannes, Festival de Cinema de Veneza, Festival de Sundance, Festival de Cinema de Sydney, Internetional Film Festival & Awards Macau e Festival de Cinema de Mumbai. Para além das curtas – como é exemplo da portuguesa “Occidente” de Ana Vaz -das longas-metragens, das web series e experiências VR, o evento contou ainda com momentos de conversa com personalidades da sétima arte, ente elas Francis Ford Coppola e Bong Joon Ho.

No penúltimo dia de We Are One, saboreou-se um pedaço de cinema angolano: “Ar Condicionado”, um filme da produtora Geração 80 – projeto de cinema independente de Luanda, que já tinha estreado no Festival Internacional de Cinema de Roterdão.

Em 2015, venceu o prémio Nacional de Cultura de Angola com o filme “Independência”, porém, esta é a primeira longa-metragem realizada por Fradique, co-fundador da Geração 80 e formado em cinema nos EUA.

A narrativa é simples: quando os ares condicionados começam, misteriosamente, a cair dos apartamentos, na cidade de Luanda, Matacedo e Zezinha, um guarda e uma empregada doméstica, têm a missão de recuperar o aparelho do chefe. A tarefa vai conduzi-los até uma loja de aparelhos elétricos, cujo proprietário é Kota Mino, e está a montar em segredo: uma complexa máquina de recuperar memórias.

É num estado de semi-apocalipse que a história se desenrola.

Neste ambiente de agitação, ilustra-se um patrão bruto e exigente, que assinala as desigualdades, inerentes ao espaço e ao momento. Por seu turno, enquanto o humilde guarda procura, constantemente, um momento de abstração e se refugia no vácuo do pensamento, Zezinha apela à razão e à obediência.

A verdade é que Kota Mino parece viver noutro mundo, no universo da Humanidade, onde o importante são as experiências – as memórias. Esta personagem, insanamente delirante na busca do passado, parece ser quem está mais longe do cenário febril dos ares condicionados.

Este bairro, onde poucos kwanzas valem uma discussão agressiva, é o local das divagações do passado, presente e futuro – que pairam nos tempos mortos das personagens. É também onde toma lugar a invasão audiovisual que Fradique executa, em tom experimental, e que vai da filmagem à musica e da cor às palavras.

São plantados instantes de plenitude no cenário caótico de morte de máquinas, aparentemente mais valiosas que a vida humana. 

O filme está disponível no YouTube durante sete dias.

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