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Cultura

Confraria Vermelha Livraria de Mulheres: um laboratório de sororidade

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A Confraria Vermelha não só é um espaço cultural colaborativo de aprendizagem mútua entre mulheres, como também um laboratório de sororidade, criatividade e resistência. Algures entre chá e biscoitos, realizam-se tertúlias sem preconceitos, ouve-se música, partilham-se ideias, formas de ler, pensar, sentir. E mimos, muitos mimos. Aida Suárez é uma das protagonistas desta história inspiradora, que alimenta esta livraria todos os dias.

“Sobretudo em tempos de pandemia, é importante resistirmos, cuidarmos uns dos outros e construirmos, em conjunto, o mundo que desejamos viver. Nem que seja a partir de um livro.”

O que é a Confraria Vermelha? E de onde surge este nome?

No dicionário podemos ler: “con·fra·ri·a, nome feminino: Irmandade; Associação para fins religiosos; Sociedade; Conjunto de pessoas que exercem a mesma profissão ou têm o mesmo modo de vida.”

Ao longo da história, as pessoas que fizeram parte ou que estavam representadas nas Confrarias eram homens, nomeadamente homens de uma determinada classe, raça ou religião. Excluindo, silenciando, invisibilizando e discriminando todas as outras pessoas que não encaixavam no que estabeleceram ser a norma.

“Nesse sentido, Confraria vem reivindicar o espaço, a voz e a presença de quem sempre foi colocado na margem.”

Vem no sentido da “resistência”, do “tornar visível” o que não querem que seja visto, ampliando o espaço de confraternização, que eram as Confrarias.

Por sua vez, o vermelho surge de numa lenda chinesa. Em “Unmei no Akai ito” fala-se de um fio vermelho invisível que une as pessoas que estão predestinadas a ficar juntas, independentemente do tempo, lugar ou circunstância. O fio pode esticar e emaranhar-se, mas nunca irá partir. Ou seja, diz que em algum momento da vida, almas gémeas vão encontrar-se. Aqui, os livros tornam-se esse fio vermelho.

“Como diria Virginia Woolf, [isto é] um ‘quarto próprio’. Um espaço onde as pessoas podem encontrar livros, mas também pessoas e tecer pontes.”

Como nasce a vontade de ter uma livraria de mulheres?

A ideia surgiu há muitos anos! Atualmente, existem cerca de cinquenta e tal livrarias de mulheres no mundo, algumas já celebraram o 50° aniversário… o que quero dizer é que não inventei o conceito.

As circunstâncias socioculturais-geográficas de cada usa são diferentes entre si, mas todas têm alguns pontos em comum, como a vontade de ouvir todas as vozes. E as vozes das mulheres estão entre os grupos de vozes silenciadas dentro da literatura (e da cultura de uma forma geral). A Confraria nasce para quebrar esse e outros silêncios.

Qual é o público que geralmente procura a livraria?

Foi variando ao longo dos cinco anos de existência da livraria. Há pessoas que as traz o acaso, outras acompanham através do instagram ou blog, outras estão a estudar temas de livros que temos na nossa estante.

“São pessoas curiosas, que amam os livros e conviver com outras pessoas curiosas, que também amam livros.”

Qual é a postura masculina perante a Confraria?

Ao princípio, tivemos algumas situações peculiares, que foram desaparecendo. Mas há sempre alguma pessoa que se coloca na defensiva e estranha o conceito… mas este é um espaço aberto ao diálogo. A Confraria Vermelha é um espaço que procura ajudar no processo de desconstrução de preconceitos. O papel de uma livraria também é educativo, por isso estamos abertas a explicar e dialogar – e esta postura tem ajudado a atenuar as barreiras.

“Não sei se acredito que vai haver (ou que estamos a construir) uma ‘Revolução Feminista’. Preciso de mais tempo para pensar sobre o assunto. [risos]”

Que estratégias são mobilizadas para resistir – numa era em que as leituras digitais predominam, em detrimento das leituras tradicionais?

Posso parecer naif, mas acho que ambas são o complemento uma da outra.

Que tipo de livros é mais procurado, neste período de isolamento? 

Durante parte do estado de emergência suspendemos o envio de livros por ética, sororidade e solidariedade. Pensamos que não era justo nem coerente, porque estamos num tempo de cuidado mútuo e de auto-cuidado. Foi uma fase para refletirmos sobre o que é importante comprar, onde e quando. Já dizia Jane Austen “bom senso e sensibilidade”.

Recomeçamos as vendas online no dia 1 de maio e reabrimos as portas da livraria no dia 10 maio. No nosso caso, a procura é do mesmo tipo de livros. Talvez se tenha sentido um bocadinho mais a procura por livros sobre questões sociais, mas não mudou muito.

Quais as iniciativas que têm desenvolvido neste contexto de pandemia?

Aqui temos que usar o gerúndio como tempo verbal, porque estamos a aprender fazendo. Estamos a adaptar os Clubes de Leitura e Escrita, entre outros, ao formato online – para evitar estarmos muito tempo dentro de espaços fechados. Também está a nascer um podcast para conversas com as leitoras sobre os seus livros favoritos.

“Não queiram voltar à normalidade, porque não era assim tão boa. Aproveitemos para construir uma nova.”

A Confraria Vermelha Livraria de Mulheres disponibiliza livros e propostas de atividades variadas e acredita que ler é parte da revolução.