Crítica

Merlí: a série sobre a filosofia de cada um

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Um professor de filosofia, a viver na frenética cidade de Barcelona, arranja emprego – após muito tempo sem trabalho – como professor substituto numa escola.

Merlí é o nome do excêntrico docente que dá título à série e origem a um neologismo (“merlinadas”) criado pelos alunos para denominar as façanhas desta personagem.

Quando chega ao estabelecimento de ensino, Merlí manifesta pouca empatia com os restantes docentes contrastando com a franca naturalidade que estabelece na relação com os alunos da sua única turma, passando a denominá-los como “paripatéticos”.

A partir daí desenvolve uma ligação entrincada com cada um dos seus pupilos, estando presente em variadas situações do seu foro íntimo e pessoal. Foi Merlí que esteve presente quando Joan foi internado em coma alcoólico, de modo a que o seu pai, severo e sério, não descobrisse; foi ele que ajudou Ivan, que sofria de uma fobia que o impedia de sair de casa, a ultrapassá-la e a voltar a estudar; acompanhou também o percurso de Pol, um aluno que outros professores apelidavam como um “fracasso”, tendo-se este tornado o seu melhor aluno de filosofia.

Em todos os momentos em que a adolescência se infiltrava em pique, Merlí era a figura firme a que todos recorriam para apoio e reconforto. Ainda assim, apesar da amizade terna que por eles nutria, nunca deixou de lhes relatar a realidade pelo vértice da sinceridade, não lhes retratando um mundo de tons brandos, e sendo áspero na sua análise à vida. A relação simbiótica entre Merlí e cada aluno foi o grande cenário-base desta história que viveu da verbalização de inquietações comuns ao ser humano.

Creio ter como certo que a personagem central deste trama excedeu as suas funções como professor, tendo sido um verdadeiro tutor de vida. Sem hesitações, Merlí arrastou o pano da redoma em que viviam os alunos e desmascarou os clichés, as inverdades e os eufemismos que apenas são um engodo onde as pessoas tropeçam sempre tarde de mais.

Ao assistir a esta série que conta com 3 temporadas, senti-me também uma “paripatética” pois ao aprender sobre a vida e história dos filósofos que Merlí introduzia nas suas aulas, pude aplicar teorias e um modo de operação analítico na minha forma de pensar o mundo. Também isso se sucedeu com as personagens que carregavam as aulas no bolso da mochila, moldando condutas conforme aquilo que iam bebendo do seu mestre, este, que apenas fazia o seu trabalho, juntando a isso um toque de eloquência despretenciosa: ensinar a arte de pensar.

No final, tive a perceção que o crescimento das personagens desde a chegada de Merlí foi avassalador e, que, a par destas, também eu desconstrui estruturas mecanizadas e intocadas em mim.

Do mesmo modo , o professor que chegou à escola com um ar de superioridade e resiliência mudou ao longo da história, mostrando as suas fragilidades, a amargura que sentia por estar a envelhecer, os arrependimentos do passado e o desenvolvimento de laços afetivos perante quem antes só recebia de si um esgar ou uma reprimenda. Tornou-se mais humano ao desligar-se das certezas de filósofo que, afinal, se pautam pelas incertezas.

Foi um desmesurado prazer aprender e ainda mais foi desaprender, questionar todos os recantos empoeirados, admitir que a vida é um conceito porque a pensamos mas que o seu sentido desta nos escapa. Mesmo assim, ser feliz abrigada de simplicidade porque, como defende o sistema folosófico do epicurismo: a procura dos prazeres moderados é essencial para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo.

Talvez neste ponto não tenha atingido ainda a paz aos olhos desta teoria, sou de emoções carregadas embora o que me deixe exarcebada sejam pequenos gozos.

Merlí teve o desfecho que a vida tem e eu serei uma eterna aluna perdida, à procura da sala certa que espero nunca encontrar.

 

Márcia Branco

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