Cultura

Da Eternidade: os seus deliciosos setenta e oito minutos

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Roy Andersson, realizador escandinavo, não dá sinais de velhice: mais um filme, mais prémios, mais uma esplêndida obra de cinema. Infelizmente um pouco tardio, “Da Eternidade” entregou-se agora às telas portuguesas e é um filme sobre a humanidade e os seus problemas existenciais.

Nascido na Suécia, em 1943, Roy Andersson é um dos mais preciosos realizadores da atualidade. Análises reflexivas e bons planos marcam a sua galardoada filmografia, onde a existência humana aparece habitualmente como problema central. Contudo, não nos equivoquemos – quem procura em Roy Andersson um alimento que substitua Ingmar Bergman, passará fome. A verdade é que, embora conterrâneos, os dois realizadores divergem, tanto no tipo de abordagem filosófica como na forma e conteúdo visual. Os temas podem assemelhar-se, porém são lapidados com olhos e corações diferentes.

Esta obra não tem a estrutura daquilo a que nós, meros espetadores ignorantes na matéria, chamamos de filme. Vários sketches compõem-na, sendo uns mais fortes e outros mais leves, alguns com posterior continuação e outros singulares.

Não é um filme de se ir tragando, como batatas fritas que se picam até acabar o pacote. Aqui está
uma espécie de shots de cafeína alternados com pequenas doses de morfina, ora irrequietos ora calmos, numa aparente anestesia.

A existência humana é esbanjada diante de nós e relembra-nos a nossa pequenez, como indivíduos unos que somos. Todos temos problemas e vamos ter de enfrentá-los sozinhos – alguém pode até reparar em nós, talvez demonstre preocupação – mas o obstáculo é nosso e nem a sociedade e muito menos o tempo vão parar por nossa causa. Por outro lado, se olharmos através da perspetiva do Homem em vez da perspetiva de um organismo isolado, questionamo-nos: toda a nossa existência tem que se basear em algo, pelo que estaremos sozinhos ou será que Deus existe?

Possivelmente, concluiremos de imediato: as pessoas à nossa volta são simples figurantes. Mas não, é muito mais assustador, pois os figurantes somos nós, o figurante é o Eu, e ainda pior, a Humanidade é figurante de si própria.

Devemos ter fé ou não há nada para acreditar?

Todas as atrocidades, tanto as grandes, por exemplo as de Hitler e as que deixam uma cidade destroçada, como as pequenas, assim seria partir o salto do sapato, têm a mesma importância para a Humanidade e para aquilo que é a sua essência – nada. O nós, enquanto indivíduo, lamenta; a existência nem repara.

Ao nível dos diálogos não há muito a dizer: uma narradora vai tecendo um fio condutor enquanto, em jeito de conclusão, elenca os acontecimentos que nos passam pelos olhos; e em algumas cenas há pequenas conversas em forma de desabafos de sentimentos.

Relativamente à parte visual, é um deleite: cores esbatidas e confortáveis enchem o ecrã, acompanhadas de um enquadramento de câmara parada perfeito; cada sketch tem um único plano, ao longo do qual as personagens se movem de forma limpa e clara. É tal a beleza destas filmagens que até soa admissível pensar que toda a arquitetura das ruas e interiores tenha sido contruída apenas depois de posicionada a máquina, em favor do melhor plano possível – como se fosse uma construção a propósito do take.

A representação é bastante boa e a escolha musical também, mas acabam por passar despercebidas no meio da degustação visual e do bombardeamento com reflexões.

Posto isto, o reconhecimento era de esperar: quatro prémios, entre eles o Leão de Prata no Festival de Veneza, e sete nomeações.

O filme foi cofinanciado pelo Programa Europa Criativa da União Europeia. Estreou em novembro do ano passado na Suécia, mas em Portugal apenas a 15 de outubro e ainda se encontra em exibição nas salas de cinema.

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