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Crítica

Pose: Posando até à aceitação

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Uma série, duas temporadas, uma comunidade, milhares de histórias para contar ou, até, gritar!

Pose, acontece na década de 80, em Nova Iorque, onde se vislumbra uma marcada divisão entre os brancos bem sucedidos e todos os outros, concebidos como desnaturados e forçados a viver sob as condições mais atrozes em prole da sobrevivência.

De modo mais particular, atribuiu-se foco à comunidade LGBT sendo que a maioria das pessoas que a integravam eram negras. Assim, lutavam não só contra o estigma à luz da identidade de género ou orientação sexual mas, de semelhante modo, contra a xenofobia, racismo e misogenia.

Várias são as personagens com que nos vamos travando, contudo, as suas histórias pendem todas sob um ponto comum.

Meninos, meninas, na adolescência que se sentem diferentes e que são de um modo ríspido, frio, drástico e definitivo expulsos de casa pelos progenitores.

O que se segue é um tenebroso caminho sob uma desesperada tentativa de sobreviver nas ruas, no mesmo círculo que os criminosos, toxicodependentes, onde os bancos de jardim têm que ser bem guardados para que se possa dormir em paz ao relento. Todos terminavam no cais.

Uma vez que esta realidade se tornara numa calamidade efetiva, algumas pessoas pertencentes à comunidade, com uma maior estabilidade financeira, recrutavam miúdos e miúdas a viver nestas condições, de modo a formar uma “casa” e uma “prole”. Ou seja, o objetivo era o de alojar, ajudar e estimular almas sem rumo, de modo a que fossem orientados e integrados de novo na sociedade.

Quem sustentava era chamada de “Mãe” e os mentorados seriam então a “prole”, seus filhos, a quem tinha a função de prover, sustentar, educar e guiar.

Além deste cenário do submundo Nova Iorquino, acrescenta-se um mundo onde se abriam as portas para a magia e se fechavam os portões para o desalento e incompreensão.

Falo dos lendários bailes, que se dividam em categorias e serviam para que a a comunidade se unisse, auxiliasse e, acima de tudo, se pudesse exprimir de forma criativa, personalizada e livre!

As categorias eram previamente anunciadas e cada “família” tratava de arranjar fatos, trajes, dinâmicas que encaixassem nos temas para desfilarem e, se assim sucedesse, ganharem a pontuação máxima atribuída por um júri e arrecadarem um prémio.

Era uma maneira muito própria – brilhante, extravagante, luminosa e ruidosa – de se inserirem no mundo, de se sentirem soltos, leves e contemplados por momentos. As “casas” participavam e era a Mãe que treinava a sua prole.

Todavia, o universo dos bailes era muito competitivo e, por vezes, as guerrilhas emergiam dentro da própria comunidade que se tornava menos coesa.

Ainda assim, quando era necessário erguer os braços, juntar vozes e lutar por causas alusivas à família dos bailes-fantasia, todos se juntavam e caminhavam a passo único, ainda que fosse um passo em direção à cadeia.

A história que aqui nos apresenta é dura, sem vértices suavizados. O glamour empacotado do salão de baile não abafa o profundo golpe que se sente ao perceber a trajetória comum destas pessoas.

Porém, o que mais me moveu ao assistir a série foi ver de frente, sem eufemismos, o corpo das personagens com SIDA a definhar, a saberem-se na morte e a crer que uma cura não chegaria porque a sociedade os queria mortos. A verdade daquelas pessoas, a viver aquela doença, naquele tempo é um quadro difícil de se aceitar, uma luta que era suposto ser da humanidade mas que se sacudiu para que fosse a sentença de morte, só, longe e triste, dos que não tinham um colo abrigo.

Pose é sobre lutas, vitórias enlaçadas em sacrifício; o grito em representação de um núcleo sôfrego, forçado ao silêncio; excentricidade, música, arte mas é, sobretudo, verdade!

Fui, francamente, mais fã da primeira temporada pela maior simplicidade na narrativa e no delinear mais limpo do rumo de cada personagem. Contudo, ver a série até ao fim significa absorver mais sobre um período que não pode ser esquecido e conhecer pessoas que são as de hoje também.

Num salão abandonado, continuará a tocar “Vogue”, da Madonna, porque a gargalhada da liberdade tem um eco que nunca morre!

 

Márcia Branco