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Crítica

My Mexican Bretzel: a narrativa do epípeto existencial

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“My Mexical Bretzel” é uma longa metragem que se baseia no diário de Vivian Barret e em filmagens feitas por Léon Barret, seu marido – que foi apresentada no Teatro Rivoli na passada terça-feira.

A história chega-nos através de legendas, uma vez que não há som nem diálogos entre personagens. Contudo, em momentos-chave, surgem detalhes sonoros para dar cor à cena e enfatizar uma emoção ou estado de espírito. O vento entre os milheiros, os pássaros a chilrear a primavera, o motor de um avião em movimento, as ondas do mar, a tempestade, a indústria citadina. Ouve-se o ambiente e digerem-se palavras de dentro para dentro.

Na sala, pairava um silêncio sepulcral verdadeiro e longo. Um silêncio que escorre até ao âmago para nos revelar que a ausência de partículas sonoras pode focar-nos as ideias. Assim: ouvimo-nos.

A história conduz a um questionamento inevitável – enquanto se interiorizam imagens, conceitos. A simbiose entre a vida que nos cabe dentro e aquela que nos chega é mais real quando nos escutamos. E o silêncio não tem de ser calmo se o que nos devora no íntimo não o for. De facto, apenas nos dá espaço para escolhermos a nossa própria banda-sonora.

As filmagens são de uma beleza arrepiante que nos transporta para as incontornáveis décadas de 40, 50 e 60 do século XX. Inicialmente, deparamo-nos com a aura do sonho americano, estilizado pelo europeu de classe média-alta: férias com amigos na neve em casas com janelas catitas; passagens por Florença, Veneza, Havai, México; passeios de barco; pequenos almoços parisienses e mergulhos sob os lagos italianos de tons imaculados.

À medida que as cenas avançam, Vivian passa de uma descrição superficial da sua vida para confissões profundas, aliadas a frases a que se segura como se de bóias de salvamento se tratassem. As máximas com que nos vai presenteando ao longo da narrativa nascem de um livro de Paravadin Kharjappali que Vivian encontrou, ao acaso, e ao qual (após uma primeira leitura) atribuiu uma qualidade bíblica.

Assim, acompanhamos as dúvidas, inquietações, traições, ressentimentos e desejos de uma mulher que podia muito bem não ter rosto, para além de não ter voz.

Vivian é a história de todas as mulheres – com a diferença que deixou o seu trilho cunhado sobre o papel que respira, agora, através do ecrã e através da força do silêncio.

O casamento entre Vivian e Léon era colorido, viajado e de uma estética hollywoodesca. Mas, quando Léon sofre um acidente de aviação e deixa de poder voar, há uma queda a pique na felicidade do casal. Todavia, o amor acolhe os detritos e Léon passa a dedicar-se a outros passatempos onde se sentia invencível perante a morte. Primeiramente, dedica-se a tratar e a velejar um barco próprio onde o casal passa umas férias veranis. Depois, a câmara de filmar passa a ser o único olho por onde percebe o mundo.

Vivian chega a dizer: “não sei se gravamos para relembrar o que fazemos, ou se fazemos o que fazemos por estarmos a ser gravados”. Depressa se cansa da incessante obsessão do marido, sentindo que este só olhava para ela através do óculo – “como se segurasse uma arma e fosse disparar a qualquer momento.” Assim, a paixão inflamada estagna e as irritações internas agudizam-se.

No escuro, entre os silêncios, ouvem-se quebrantos os corações nas cadeiras. E quando o dia entardece no ecrã, quanta será a saudade dos dias que nunca aconteceram? As emoções dela refletem-se voláteis como as nuvens indecisas e a leveza de um amor de verão, por outro homem, transforma-se num ressentimento pesado: “prefiro a liberdade do esquecimento do que a escravidão da memória”.

Numa história intensa e humana, compreendemos que o ser humano é igual nas imperfeições – ao apontar no outro a falha, vê nela o seu reflexo.

As últimas imagens são as mais silenciosas. O cancro de Vivian está num estado avançado e ela sabe que se entrega à morte, afirmando até que “Deus, também questiona a nossa existência.”

Numa retrospetiva final, este é o retrato real da complexidade que é existir enquanto ser pensante (feliz e infeliz na mesma medida) – “a eternidade de um instante feliz é mais rápido que a eternidade de um instante de infelicidade”. Esta é a história que culmina numa confissão exasperante mas resignada: “Obrigada, meu Deus. Mas não percebi nada”.