Crítica

Bridgerton : Um por todos e todos pelo orgulho, o decoro e a honra

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Todas as famílias têm segredos. Mas nem todos os segredos de todas as famílias conduzem às mesmas consequências se desnudados diante a luz do dia.

Numa época e num lugar onde as aparências ditavam os desígnios, varrer a dissimulação das famílias da alta sociedade era ficar sem mais nada para ver.

Na sua essência, o ser humano não pode existir sem o ardor, o desejo, a rebeldia e a busca pelo que lhe escapa à compreensão, no entanto, todas essas camadas selvagens eram cuidadosamente camufladas desde o berço para que a conduta fosse sempre honrosa e defensora de um nome de família a proteger com a vida (literalmente, já que a ilegalidade dos duelos não impedia os cavalheiros de se confrontarem).

Mas quem pode alguma vez ser feliz encobrindo-se num denso manto de falas e gestos previamente selecionados?

Dado que me pus a refletir sobre a pesarosa angústia de se viver dissociado do que se sente, penso que a omnipresença de Lady Whistledown se tornou num alívio, mais do que num fardo. É certo que ao desmascarar os infortúnios no recheio dos palácios a reputação de uma geração poderia ser abalada. Contudo, mirando isto sob uma perspetiva mais estreita e pessoal, se o mundo já conhece parte da nossa verdade, será mais fácil viver sob a égide da nossa própria espada, e isso só pode ser libertador.

Até a Sua Majestade, Rainha Carlota, esperava ansiosamente pelos escândalos preto no branco escritos pela cara mais anónima da sociedade Londrina. Sem que tal fosse o seu ímpeto, Lady Whistledown fez com que apenas se especulasse sobre ela, mais do que sobre os próprios visados, enquanto estes se tentavam armadilhar e criar esquemas para que as reputações conspurcadas fossem restabelecidas.

Numa narrativa à la Jaune Austen é comum depararmo-nos com problemas que seriam facilmente solucionados, a serem arrastados graças a uma gritante ausência de comunicação que leva as personagens a semear sofrimento e levantar questões que de tanto terem sido interiormente debatidas, se tornam meras filosofias. Na maioria das vezes, as personagens tomam uma decisão que é depois arrebatada por uma conduta contrária, tal é o contra-senso em que vivem todos os dias, estilo corda bamba entre o ser e o parecer. O que querem é poucas vezes compatível com o que delas se espera, principalmente quando se é mulher.

Ser mulher no seio de uma sociedade construída sobre regras rígidas e ancestrais era ganhar um fardo antes de um nome. As jovens eram educadas de forma exímia de modo a que na flor da idade fossem apresentadas à sociedade e, tendo a aclamada sorte,  dançassem com um Lorde com títulos suficientes para as sustentar e com quem construiriam uma família para continuação do legado. Estas meninas dirigiam-se até ao matrimónio sem saber sequer como seriam concebidos os filhos. A desinformação sobre o tema da sexualidade era de tal grau que muitas acreditavam que só era fisicamente possível ter filhos após o casamento.

Imagem: Bridgerton

Dois séculos volvidos, reside ainda vergonha, medo e embaraço quando se fala em sexualidade no feminino. A evidências históricas não são de ignorar mas de questionar : porque é que o nosso corpo tem de pertencer aos homens antes de nos pertencer a nós? É sempre interessante perceber que o pudor ainda hoje enraizado encontra resposta no pretérito perfeito.

Bridgerton não é apenas a estória de como uma voz pode arrebatar o orgulho, nem de como a sociedade machista sufocava as escolhas, mais do que isso, é a estória de como é mais o que nos une do que o que nos distancia no espaço, no tempo, na linhagem.

Shall we dance, shall we marry or shall we run away? – Said this author, wishing that the characters had more than one possibility!

Artigo da autoria de Márcia Branco

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