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Crítica

Sound of Metal: a inaudita guerra

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A avó do realizador era uma senhora surda, mas não por isso se torna este filme inspirado em factos reais. No entanto, Riz Ahmed, que interpreta Ruben, torna-o realista ao ponto de partilharmos a sua dor, como se também nós perdêssemos a audição. Depois de uma bela, mas pequena aparição em Nightcrawler e outros papéis que não faziam justiça ao seu talento, já estava na hora de mostrar no grande ecrã o potencial de Riz Ahmed. Missão cumprida: a partir de agora será, sem dúvida, um nome que muitas mais vezes iremos ouvir .

Interdito a bateristas, Sound of Metal, apesar de classificado como um drama, é um filme de horror da vida real. Através dele seguimos a história de um baterista que, ao perder a audição, perde também a sua identidade. Depois de uma consulta médica, a decisão de Ruben é clara: conseguir arranjar dinheiro para cobrir o custo da operação que, ao colocar implantes auditivos, lhe permitirá ouvir melhor.

Todavia, não é só a surdez que tem um papel primordial, Ruben é um antigo toxicodependente, agora recuperado. Sabendo isto, a sua namorada Lou (Olivia Cooke), vocalista da banda em que ambos tocam, teme uma recaída e intervém prontamente, levando-o a uma clínica de reabilitação de surdos.

É aqui que Darius Marder e o seu irmão, roteiristas do filme, conciliam o tema da surdez com a problemática das dependências de um modo notável. Chegado à clínica, Ruben conhece Joe, antigo alcoólico e atual diretor da instituição, figura chave no filme pelo seu papel paternal e de mentor. Desde logo deixa bem claro que naquele sítio a surdez não é encarada como uma deficiência. O objetivo não é curá-la, mas sim aprender a viver com ela. Explica-lhe que estão à procura de uma solução para o problema mental e não para a falta de audição.

O baterista não desiste do seu plano inicial e vai contra a filosofia defendida na clínica, acabando por realizar a operação. O resultado não é o esperado, os sons que voltou a ouvir em nada se assemelhavam aos antigos.

Quando o ruído regressa não é nada mais do que apenas isso: ruído.

Para este papel, o ator londrino aprendeu a tocar bateria em 6 meses e esteve em profundo contacto com a comunidade surda para perceber como se vive, de facto, na ausência de som. Já comentou em entrevistas que esta foi uma experiência marcante e é isso mesmo que reflete na sua performance: nada em Ruben parece falso ou forçado. Para o interpretar, Riz Ahmed experimentou usar bloqueadores auditivos, fazendo com que ouvisse apenas um white noise que nem o permitia ouvir a sua própria voz. Mas após algum tempo descartou esta opção, emergiu completamente na comunidade surda e, em jeito de method actor, comunicava com o realizador e atores apenas em linguagem gestual.

Além disto, a grande maioria dos atores secundários e figurantes são surdos ou já tiveram algum contacto com esta realidade, como é o caso de Paul Raci, que interpreta Joe, filho de pais surdos e experiente em Linguagem Gestual Americana.

Sound of Metal saiu nos grandes ecrãs em 2019.

Uma das particularidades do filme, talvez a mais marcante, é a maneira como os efeitos sonoros impactam a experiência cinematográfica. Nicolas Becker, designer de som, faz-nos ouvir o que ouve quem não ouve: momentos de silêncio, vozes longínquas e distorcidas. E, de repente, os sons de pratos a chiar, mãos a bater em mesas, e tudo o que está para cá dos ouvidos regressa e apercebemo-nos de imensas insignificâncias quotidianas que para quem não ouve ganham um outro significado.

Os efeitos sonoros magníficos, as personagens secundárias que enriquecem o lado mais humano da história e a atuação esplêndida e merecedora de todos os prémios que por aí andem de Riz Ahmed, fazem com que Sound of Metal seja, sem dúvida, um dos melhores filmes do ano.

Este filme abre-nos os olhos e ouvidos a uma realidade que, parecendo distante, é o dia a dia de muitos, e por isto mesmo nos faz tomar atenção às dificuldades impostas pela perda auditiva. Termina com a sensação de que Ruben, depois de uma guerra interior, começa a aceitar a inevitabilidade da súbita mudança que para sempre ficará: renasce e, por momentos, parece que o silêncio é até desejável, em oposição ao excessivo ruído das nossas vidas.

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