Crítica
Nomadland: No Mad Land, uma América errante
A cidade de Fern colapsa após o fecho da empresa onde trabalhava e esta que, por um lado não consegue sobreviver com a reforma e, por outro, não consegue arranjar emprego e sustentar a sua própria vida, pega na sua carrinha, agora sua casa, e viaja pelos Estados Unidos.
Estamos tão pouco habituados a tal feito que ver uma Frances McDormand sorridente e simpática é, apesar de um pouco estranho e anormal, refrescante. Depois de “Três Cartazes à Beira da Estrada” a atriz mostra-nos mais uma vez que faz parte da realeza do cinema. McDormand imergiu completamente na sociedade nómada, tão bem ao ponto de ter sido ela quem decorou a carrinha “Vanguard” com as suas próprias coisas e lá viveu durante grande tempo das filmagens. Acabou por regressar à sua vida normal, pois achou que “É muito melhor fingir que se está exausto do que estar, de facto, exausto”. Após este filme (e este divertido comentário), a tarefa que alguns ousam fazer de criticar Frances McDormand torna-se ainda mais complicada.
Fern muda regularmente de trabalho, as qualificações, apesar de muitas, parecem nunca ser suficientes, e acabamos por vê-la a trabalhar numa pedreira, em vários parques por onde vai passando, mas parece que regressa sempre onde primeiro a encontramos: a Amazon. A empresa não sai propriamente bem vista do filme, mas o contrário também está longe de acontecer. Aliás, Fern não aponta quaisquer queixas no que toca ao seu trabalho na Amazon, diz até que “paga bem”.
Todas as possíveis críticas passam despercebidas pois Nomadland é muito mais um estudo sobre a protagonista do que um estudo sobre uma América capitalista.
É aqui que Nomadland deixa a realidade para trás: basta uma pequena pesquisa no Dr. Google para ficar claro que trabalhadores da Amazon, especialmente nómadas, apesar de gratos por terem trabalho, não partilham a perspetiva de gostarem de trabalhar em gigantes armazéns em condições precárias, onde a história dos ricos ficarem mais ricos e os pobres mais pobres é mais real e assustadora do que nunca. É claro que nem todos os filmes têm de ter uma mensagem política, mas neste caso, parece-me uma oportunidade perdida passar tanto ao lado de um fator fulcral na vida da protagonista, a falta de trabalho que a colocou na situação em que a descobrimos.
Depois de irmos encontrando e reencontrando outros nómadas amigos de Fern, a melhor surpresa foi, para mim, ver os seus nomes nos créditos. Com a exceção de Dave, com quem Fern estabelece uma caricata relação e por vezes parece tornar tudo isto numa mini rom-com, todos os atores não são, na verdade, atores. Linda May é Linda May, verdadeira nómada, bem como Swankie e Bob Wells. Todas estas personagens partilham uma conexão profunda com a perda, o luto, mas também com o espírito de aventura, liberdade e amor à natureza.
Outra estrela deste filme é Chloé Zhao, que realizou, editou e escreveu o filme que lhe viria a dar o título da primeira mulher asiática a ser nomeada para o prémio de Melhor Realização da Academia. Muito se tem questionado se este filme não tinha resultado melhor como documentário, mas Zhao mostra-nos uma nova Frances McDormand e o seu poder de se confundir no meio de vidas reais. As suas possíveis falhas em termos de ligação entre diferentes cenas e espaços de tempo são esquecidas pela excelência com que nos são entregues cenas visualmente belíssimas e diálogos tocantes.
Zhao faz-nos concentrar profundamente na solidariedade e resiliência destes nómadas e, ajudada muitas vezes por Ludovico Einaudi na banda sonora, cumpre o seu objetivo de mostrar a realidade de quem apesar de não ter uma casa, tem um lar.
Nomadland é paciência, é esperar pelo que vem a seguir e saber viver com a incerteza. É a curiosidade de saber qual o próximo emprego de Fern, que outras pessoas irá conhecer, quais os sítios por onde irá passar. É não saber distinguir a tristeza da gratidão que o filme nos traz. Deixa-nos com uma sensação agridoce ao apercebermo-nos que esta história, pese embora tenha Frances McDormand como protagonista, é de facto vida real. E podia muito bem ser um belo documentário.
Uma coisa é certa, se ‘What’s remembered lives”, como o filme nos ensina, então Nomadland andará por aqui durante muito tempo. Agora resta-nos esperar pelos Óscares, para descobrirmos como é que este filme fará história (porque com seis nomeações, certamente, fará).