Cultura
Sá da Bandeira acolhe Valter Lobo em noite de apresentação do seu novo álbum
“Por cada pé-de-cabra, uma carta de amor. Por cada toque involuntário, arremesso contra o corpo. Por cada passo ilegal, uma odisseia por aquilo que um dia imaginámos. De repente parecia ouvir nos alarmes a banda sonora de um filme chegando à parte mais épica. E nós sem conseguirmos reagir. Íamos ser apanhados e acho que no fundo era aquilo que queríamos.” Este é um excerto da longa carta de apresentação que deu o mote ao novo disco de Valter Lobo. Sereno, o músico de Fafe chegou ao palco, tirou um papel do bolso, desdobrou-o e apresentou “A Primeira Parte de Um Assalto” numa leitura calma e sentida sobre o assalto, metáfora para uma história “que seria sempre sobre nós a torcer as vísceras para arrombar com o coração”.
Neste regresso aos palcos, Valter Lobo arrancou com o desejo de que aquela fosse uma “noite bonita” e assim foi. Na companhia de Jorge Moura, o multi-instrumentista que o acompanhou ora nas teclas ora na guitarra ao longo de toda a noite no Sá da Bandeira, o cantor brindou os fãs, que vinham com as expectativas altas depois de “Mediterrâneo” (2015), com um conjunto de faixas “negro”, segundo o próprio, que fala sobre “a tristeza, solidão ou um certo romantismo e erotismo”, todas gravadas num “moinho antigo [Casa do Vento, em Torres Vedras] entre as seis da tarde e as seis da manhã.”
Foi a interagir com o público, descobrindo até que houve quem lá fosse parar através do Tinder, que Lobo deixou todos à vontade para receber abertamente as novas músicas e cantar em uníssono os grandes êxitos do seu último trabalho como Tenho Saudades, Oeste, Guarda-me Esta Noite e Quem Me Dera. E foi depois desta última que surgiu em palco uma das grandes colaborações da noite (e do álbum): Benjamim. O cantautor, autor de faixas como Terra Firme ou Os Teus Passos, surgiu para somar mais brilho a esta já por si só brilhante noite e acompanhou, como autor do arranjo de piano que acompanha a voz de Valter Lobo, em Para T. – uma música, à semelhança de quase todas do álbum, abraçada pelo assumidamente “triste ego” do autor.
https://www.youtube.com/watch?v=xiCOsTcfFf4
Do novo álbum, ainda só um single foi dado a conhecer ao público nas plataformas digitais, Fado Novo. A esta faixa, a sétima ouvida nesta noite amena de abril, precedeu uma explicação sobre a origem da canção. O autor revela que surgiu “não por gostar muito de fado”, mas por querer reverter uma energia negativa que paira sobre o povo português.
“Somos sempre ‘ai isto é o destino’, ‘seja o que Deus quiser’, [esta música] não é a gozar com a situação mas nasce de uma vontade de que fôssemos um bocadinho diferentes, mais proativos e entusiasmados com as coisas.”
Além da já referida faixa com Benjamim e o single Fado Novo, ficaram a descoberto o nome das nove músicas de “A Primeira Parte de Um Assalto”: O Que o Sol Guardou, Privilégio, Fizeste-me Sonhar, Menina-Mulher (interpretada já noutras ocasiões, como no evento Sons à Sexta, no Fundão), Brilha na Vida (uma tocante homenagem musical ao filho de Valter Lobo, “uma herança que lhe possa servir de guia sentimental”), Uma Melodia e Desencanto.
E foi assim, com Desencanto, que o fafense de 38 anos se despediu, encantado e encantando, do Sá da Bandeira. Avisou, antes de a cantar, que não haveria encore por “ser um bocado fatela”, pelo que cantou e saiu de cena, deixando o público portuense neste abraço musical que maravilhou quem lá esteve e deu garantias de um futuro sorridente não só no percurso de Valter Lobo, como também na música portuguesa.
Artigo da autoria de Tiago Sousa